Extraído do site da Folha de São Paulo, na data de 17/04/2.017 : http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2017/04/1876127-faculdades-privadas-decidem-incluir-habilidades-socioemocionais-nas-aulas.shtml
ÉRICA FRAGA
DE SÃO PAULO
17/04/2017 02h0
A estudante Milena Malulli, 17, que aprovou a nova abordagem
O candidato é informado que precisará interagir com
um ator que representará seu colega de apartamento e lhe dirá que usa drogas.
Sua missão é dar apoio ao "amigo" e conversar sobre possíveis
caminhos nessa situação difícil.
Pode parecer um teste para uma vaga de dramaturgia,
mas é parte da segunda fase do vestibular de medicina do hospital Albert
Einstein, curso iniciado em 2016.
O objetivo da instituição, nesse exemplo, é avaliar
características como empatia e capacidade de argumentação dos 256 vestibulandos
que chegam nessa etapa, disputando 50 vagas.
Essa preocupação em formar profissionais com
capacidades que vão além de domínios técnicos e cognitivos, normalmente
associados à inteligência, tem levado algumas instituições privadas de ensino
superior a incorporar as chamadas habilidades socioemocionais em seus
vestibulares e currículos. Essa tendência surgiu na esteira de pesquisas que
mostram o impacto positivo de características como persistência e extroversão
para indicadores de sucesso, como salários e saúde, e de uma demanda cada vez
maior de profissionais com essas habilidades pelo mercado de trabalho.
No caso do Albert Einstein, traços de personalidade
–como flexibilidade, persistência e habilidade para trabalhar em grupo– são
analisados em um total de oito exercícios, como simulações e entrevistas, cada
um com seis minutos de duração.
NOVAS COMPETÊNCIAS
Faculdades privadas passam a 'ensinar' habilidades
socioemocionais
O que são São traços da personalidade, como
persistência e capacidade de se relacionar com os outros; essas competências se
diferenciam do conceito de inteligência, que inclui a capacidade de leitura, de
fazer contas e de identificar padrões.
Como são classificadas
?
A literatura acadêmica trata de inúmeras
habilidades. Uma classificação muito usada é a "big five" (cinco
grandes), que engloba meticulosidade, abertura a experiências, extroversão,
amabilidade e estabilidade emocional
O que o mercado
de trabalho tem buscado
10% Competências técnicas específicas, como:
Formação acadêmica específica, linguagem de
programação e conhecimento de uma língua
90% Habilidades socioemocionais; se destacam:
Disposição para o aprendizado contínuo,
conhecimento de?novas tendências da tecnologia, relacionamento interpessoal, foco
em resultados, responsabilidade e comprometimento
Fonte: análise da Kroton Educacional, com base em
anúncios de vagas para universitários no site Canal Conecta Embora não existam
respostas certas ou erradas nesses testes, ao contrário do que ocorre
nas provas de conhecimentos específicos da primeira
fase, o desempenho dos alunos é julgado por um time de avaliadores e representa
25% de sua nota final.
O resultado tem sido tão relevante que metade dos
candidatos que passam para a segunda fase entre os 50 primeiros colocados
acabam caindo para fora dessa lista.
"É um vestibular muito concorrido, todos os
que passam para a segunda [fase] são inteligentes", diz Alexandre
Holthausen, diretor da graduação em Medicina do Einstein, antes de perguntar:
"Mas quem nunca conheceu alguém brilhante na parte cognitiva que, por
falta de estabilidade emocional, se perdeu no meio do caminho?".
Carolina da Costa, vicepresidente de graduação do
Insper, diz que "ser inteligente mas incapaz de se relacionar com os
outros é algo que não tem possibilidade de dar certo na vida real".
A instituição também avalia as habilidades
socioemocionais na segunda fase do vestibular de engenharia, curso criado há
três anos. O teste tem o formato de debates em que um grupo de alunos vai se
revezando no papel de moderador de temas polêmicos.
"Tendo conhecimento desse formato, o candidato
pode tentar se preparar, claro, mas é difícil manter a consistência nas cinco
rodadas de debate", diz Costa. "Os que vão bem são os que sabem
ouvir, construir bons argumentos e ser flexíveis."
O Einstein e o
Insper também estruturaram o currículo de suas graduações de medicina e engenharia
para estimular e avaliar o desenvolvimento das habilidades socioemocionais.
"Não
adianta se restringir ao vestibular",
diz Holthausen, do Einstein.
A Kroton Educacional é outra que incorporou
recentemente o estímulo ao desenvolvimento de determinados traços de
personalidade em suas graduações. "Resolvemos investir pesado nessa
área", diz Mario Ghio, vicepresidente acadêmico da instituição.
Uma das causas foi a elevada taxa de evasão que,
segundo ele, faz metade dos alunos abandonar seus cursos, principalmente no
início.
"Eles falam em falta de dinheiro ou
dificuldade para acompanhar as disciplinas, mas começamos a perceber que o
principal problema era falta de resiliência."
No início de 2016, a instituição criou uma série de
disciplinas para ajudar a nivelar alunos com patamares de conhecimentos
diferentes e, no segundo semestre, lançou um programa para desenvolvimento de
projetos de vida, em que os calouros traçam metas com a tutoria de veteranos.
"Tem ajudado muito eles ouvirem colegas mais
experientes contarem que passaram pelos mesmos desafios que eles. É muito mais
legítimo do que ouvir conselhos dos professores", diz o vicepresidente acadêmico
da Kroton.
DISPUTA POR VAGA
Nove em cada dez atributos exigidos por empregadores em vagas para profissionais iniciantes
estão mais próximos de características da personalidade do que de habilidades técnicas.
"Quando notamos isso, foi uma surpresa.
Imaginávamos que o principal seriam competências técnicas", diz Mario
Ghio, vicepresidente acadêmico da Kroton Educacional.
A instituição fez essa análise com base nos
anúncios de vagas no portal que mantém para conectar empregadores e
universitários que estão se formando. Uma das competências mais buscadas é
"disposição para o aprendizado
contínuo".
Especialistas em educação e mercado de trabalho têm
enfatizado a importância do que chamam da capacidade de "aprender a aprender" em meio ao avanço tecnológico que
faz manuais perderem importância, à medida que o conhecimento é atualizado
muito rapidamente.
Outras características buscadas por empregadores,
na amostra analisada pela Kroton, são a capacidade
de se relacionar e trabalhar em grupo, o foco em resultados e o comprometimento.
MAIS HABILIDADES
A descoberta da instituição reforça conclusões de
pesquisas acadêmicas recentes. Um estudo feito pelo economista David Deming, da
Universidade Harvard, mostra, por exemplo, que entre 1980 e 2012, nos Estados
Unidos, a proporção de empregos que demandavam "habilidades sociais" em relação ao total de vagas cresceu dez
pontos percentuais.
No mesmo período, posições intensivas em
"habilidades matemáticas" (como informática engenharia) encolheram
três pontos.
Em suas conclusões, Deming ressalta que os
atributos sociais têm se tornado mais importantes porque "computadores
ainda são muito pobres na simulação de interações humanas".
Segundo Carolina da Costa, vicepresidente de
graduação do Insper, uma das preocupações da instituição na formatação do
currículo dos seus três cursos de engenharia (computação, mecânica e
mecatrônica) era que os alunos compreendessem a utilidade social da carreira.
"O engenheiro precisa se colocar no lugar do outro para entender as necessidades
do público que vai atender."
Para desenvolver
empatia, uma das missões dos alunos do curso, logo no primeiro semestre, é
desenvolver brinquedos de inspiração ecológica que são levados a escolas, onde
são testados e avaliados pelas próprias crianças.
Foi esse tipo de abordagem que atraiu a estudante
Milena Malulli, 17. "Eu senti essa proximidade com a realidade logo nos
debates de atualidades na segunda fase do vestibular e gostei muito porque nos
faz pensar sobre nosso papel na sociedade", diz ela, que está no primeiro
semestre de engenharia mecatrônica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário