GABRIEL ALVES
DE SÃO PAULO
30/10/2016 02h03
Suspeitar
que o filho ou a filha tem autismo e receber o diagnóstico definitivo nunca é
fácil para os pais. Depois do baque, inicia-se uma saga em busca das melhores
abordagens terapêuticas e atividades para permitir que a criança se desenvolva
da melhor maneira possível. O problema é saber de antemão o que vai funcionar
em cada caso.
Desde
a década de 1940 os cientistas buscam entender o transtorno crônico, que altera
o funcionamento normal do sistema nervoso e o comportamento, afetando
habilidades sociais e de comunicação. Hoje, o autismo faz parte de um grupo
maior de doenças conhecido como transtornos do espectro autista (TEA).
"Espectro"
não aparece aí por acaso –há uma miríade de combinações possíveis de sinais e
sintomas e suas gravidades. Por exemplo, respostas a estímulos externos, como
sons ou ao toque de diferentes materiais, podem ser exacerbadas em alguns e
neutras em outros. Na prática, não há dois autismos iguais, segundo a sabedoria
de pais e especialistas.
"A
mãe acaba virando uma especialista no autismo do próprio filho", relata a
psicopedagoga Fausta Cristina Reis, mãe de Milena, 13, que tem autismo.
Essa
unicidade de cada paciente faz com que os pais ganhem um papel crucial para
definir qual é a melhor estratégia para seu filho ou filha. No caso de Fausta e
Milena, a estratégia passou do ABA (sigla em inglês para análise comportamental
aplicada) para uma outra, conhecida como DIR Floortime.
O
ABA é uma abordagem mais clássica e consiste na intervenção de uma terapeuta
que, por meio de tarefas e perguntas, tenta encorajar comportamentos positivos
(com recompensas e elogios, por exemplo) e desencorajar os negativos, de modo a
obter melhora em uma série de habilidades, auxiliando a criança a fazer contas
e ampliar o vocabulário, por exemplo. A grande vantagem é que o progresso pode
ser mensurado ao longo do tempo.
Já
outras abordagens, como aquelas conhecidas como interacionistas (como O DIR
Floortime), são mais difíceis de ter seu impacto mensurado. O motivo é que elas
se baseiam em características e interesses individuais –e não são direcionadas
para objetivos estabelecidos a priori.
Se
uma criança gosta, por exemplo, de rodar a roda de um carrinho de brinquedo, o
pai ou terapeuta pode participar dessa atividade e sugerir incrementos para que
a brincadeira fique mais rica –talvez a criança ache uma boa ideia brincar
fazendo o carrinho andar, explica Fausta, que mantém o blog
"Mundo da Mi"
TESTADA
E APROVADA
Uma
intervenção apelidada de Pact (sigla em inglês para terapia de comunicação
social mediada pelos pais) que, como diz o nome, conta com os pais como agentes
terapêuticos, teve sucesso em um teste de longo prazo –algo ainda raro nos
casos das terapias para tratar crianças com autismo. O estudo saiu nesta semana
na revista médica inglesa "The Lancet".
Após
quase seis anos do treinamento dos responsáveis por crianças autistas, os
benefícios comportamentais se mantiveram e foram superiores ao tratamento
convencional. Houve melhora com relação à interação com os pais e na
sociabilidade, ambos avaliados de forma cega, ou seja, sem o avaliador saber
por qual tipo de intervenção a criança passou.
O
Pact foi desenhado para ser usado em crianças de 2 a 4 anos e consiste em
treinar os pais (ao longo de um ano) em como lidar com as particularidades de
seus filhos.
Os
pais já sabiam, de forma intuitiva, o que fazer, mas faltava testar a hipótese.
Andréa Werner, mãe do Theo, de 8 anos, aprendeu "na raça" que o filho
não era fã de brinquedos.
"Compramos
trem elétrico, carrinho e um monte de coisas pensando que talvez o Theo
gostasse. Depois de muita frustração, descobrimos que ele não gosta de
brinquedo. Ele gosta de abraçar, de cócegas, de ser jogado para cima, de fazer
cabaninha –e é aí que investimos o nosso tempo", explica.
Theo
ainda não fala e isso acaba sendo mais um desafio e tanto para que os pais
conheçam o mundo dele e possam avaliar a eficácia de abordagens terapêuticas.
"Às vezes os pais vão deixando de falar com a criança porque ela não
responde. Tem de haver esse esforço, mesmo que pareça que eu estou falando
sozinha", diz Andréa.
Com
a dificuldade natural para a linguagem simbólica, interagir com a criança é
complicado. "Mas a formação de vínculo e afetividade é importante para o
desenvolvimento de cada criança, inclusive do autista", diz Andréa, que
escreveu o livro "Lagarta Vira Pupa" (CR8, 176 págs.), onde relata
sua experiência no tema. Ela tem um blog
com o mesmo nome.
Para
ela, o maior desafio é conseguir ajustar as abordagens ao longo do tempo, de
acordo com as necessidades de cada faixa etária. Atualmente Theo tem agenda
cheia: ABA, natação, escola, fonoaudióloga... e brincar com a mãe.
DÚVIDAS
E INCERTEZAS
Muitos
pais, quando não sabem bem como lidar com o autismo de seus filhos, acabam
recorrendo a fórmulas prontas, que funcionaram em outros casos.
Mas
a imitação pode não dar certo, seja porque as estratégias não se adequam ao
tipo de autismo ou porque simplesmente elas não têm respaldo racional ou
empírico.
É
o caso de algumas dietas sem leite ou glúten (quando não há alergia) ou que se
valem de suplementação com aminoácidos, minerais e ou vitaminas.
"Tem
gente usando câmara hiperbárica (alta pressão) e tentativas de quelação
[remoção] de metais pesados, o que não faz sentido", diz a psiquiatra
infantil Daniela Bordini, da Unifesp.
"Muitas
pessoas prescrevem as suas intervenções com coisas que funcionaram para o seu
filho, mas boa parte desses tratamentos não tem uma base conceitual sólida,
muito menos dados empíricos ou ensaios controlados. Ou seja, virtualmente não é
nada", diz Guilherme Polanczyk, professor de psiquiatria da criança da
USP.
Até
mesmo para os tratamentos mais tradicionais e sabidamente efetivos é difícil
fazer ensaios controlados (quando um grupo sofre a intervenção e outro, não).
Isso faz com que haja poucos dados para um análise definitiva sobre o que
auxilia no tratamento do autismo no longo prazo.
"Os
efeitos das terapias não são tão grandes ou demoram para aparecer. Como é uma
área que carece de evidências, ela fica aberta para opiniões pessoais e
evidências particulares, o que pode trazer riscos significativos", diz
Polanczyk.
Um
exemplo clássico é a falaciosa correlação entre autismo e vacinação –já
desmentida diversas vezes, mas cujo estrago provocado ainda pode ser observado
sempre que a questão vem à tona.
"Por
enquanto, não há remédio. A medicação, quando receitada, é para sintomas-alvos
como irritabilidade e insônia", explica Daniela.
A
doença atinge cerca de 1 a cada 100 crianças e é de 4 a 5 vezes mais comum em
meninos.
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