Faculdades investem no lado emocional para reter alunos
Diante de altos índices de evasão e problemas emocionais de alunos, temas como autoestima, confiança e empatia saíram dos consultórios de terapia para circular cada vez mais em universidades.
Diversas instituições passaram a adotar recentemente técnicas que buscam desenvolver as chamadas competências socioemocionais, ou "soft skills", para evitar o abandono nos cursos e impacto negativo nas notas.
Moacyr Lopes Junior/Folhapress | ||
Waldemar Ribeiro da Silva, 48, teve ajuda de uma veterana |
As iniciativas ocorrem em um momento em que a crise na economia chegou ao setor –o número de novos estudantes caiu 6,6% de 2014 para 2015, influenciado também pelo encolhimento do Fies. Entre os alunos de faculdades privadas sem Fies, 1 em cada 4 deixa o curso no primeiro ano, mostra estudo do Semesp (sindicato das mantenedoras) sobre o censo da educação superior de 2014.
Na Kroton, gigante do setor, o índice chega a 35%. Para enfrentar o problema, a universidade iniciou neste ano três ações para desenvolver habilidades sociais e emocionais. Entre elas, está o incentivo ao desenvolvimento de "projetos de vida" pelos alunos. Uma plataforma informa, por exemplo, qual o ganho salarial que ele pode ter a cada ano a mais de graduação.
"A evasão tem sempre dois pilares declarados: dificuldade de pagar e de acompanhar o curso. Mas, num diálogo mais profundo com o aluno, vemos que há falta de resiliência", diz Mario Ghio, vice-presidente acadêmico da Kroton. Para estimular os novos alunos, a instituição também incentiva veteranos a "adotá-los".
A atividade pode contar como crédito complementar.
Aluno de curso tecnológico em radiologia, Waldemar Ribeiro da Silva, 48, foi um dos "adotados". Teve a ajuda de uma veterana para se ambientar com sistemas e métodos de ensino da faculdade.
Em sua segunda incursão no ensino superior –já abandonou um curso de enfermagem–, viu muitos colegas desistirem. "Muita gente não sabe como é o ambiente da faculdade, não sabe criar uma rotina de estudos e se assusta com as notas."
De fato, muitos dos desistentes são mais velhos, tiveram falhas na formação básica e são os primeiros de sua geração no ensino superior, diz Ronaldo Mota, reitor da Estácio de Sá. "A principal dificuldade não é acadêmica, mas socioemocional. São pessoas fragilizadas, que sentem que não podem ter sucesso."
Para incentivar a permanência do estudante, a universidade criou uma plataforma virtual com vários cursos de curta duração, como o de finanças pessoais. "Todos têm certificados, o que tem um grande valor psicológico."
Às vezes falta capacidade de saber como aprender, diz Cláudia Kober, coordenadora de Desenvolvimento Pedagógico da Anhembi Morumbi. Por isso, além de reforço, a universidade tem um programa para ensinar técnicas de estudo e de gestão do tempo.
O Mackenzie também formalizou neste ano um projeto de atenção a questões psicopedagógicas e afetivas.
A crescente preocupação com o tema não é exclusiva do Brasil. Núcleos de apoio foram criados recentemente em universidades americanas, que vêm estudando o tema. A partir da experiência do país, aliada à observação do cotidiano na instituição, o Insper também implementou ações de atenção socioemocional, incluindo mudanças no vestibular.
Professores são treinados para identificar problemas e, nos casos mais graves, há encaminhamento a atenção médica. Também há estímulo a conversas entre alunos para falar de angústias em comum.
VESTIBULAR
A valorização de aspectos emocionais no ensino chegou ao vestibular. Processos seletivos que tentam avaliar além dos conteúdos acadêmicos usam de dinâmica de grupo a simulações com atores.
Faculdades querem selecionar alunos com capacidade de comunicação, criatividade e trabalho em equipe. "Essas competências têm valor tão alto hoje no mundo do trabalho quanto a informação e o conhecimento. Não é de estranhar que o ensino superior esteja olhando para isso", diz Simone André, gerente-executiva de Educação do Instituto Ayrton Senna e especialista no tema.
Aberta neste ano, a Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, ligada ao hospital de mesmo nome, tem a segunda fase feita com base em entrevistas.
Depois de ser avaliado nos conteúdos tradicionais na primeira fase, o aluno passa por oito situações de oito minutos cada uma. Pode ser uma cena com atores imitando estudantes fazendo um trabalho no Excel ou uma apresentação do candidato sobre o tema de uma charge ou fotografia.
As habilidades avaliadas são pensamento crítico, capacidade de tomar decisões, empatia e trabalho em equipe, diz Alexandre Holthausen, diretor do curso.
Essa avaliação vale 25% da nota final, mas, segundo ele, acaba sendo um critério de desempate importante, porque as notas da primeira fase são muitas vezes semelhantes entre si.
PIONEIRO
O primeiro colocado da primeira edição da prova, no início do ano, foi o designer gráfico Gabriel Herculano, 29. Durante a seleção, ele teve que participar de interações em que aconselhava um amigo usuário de drogas ou contava a um colega o resultado do vestibular.
Antes, o cursinho pré-vestibular Poliedro, onde ele estudou, fez algumas aulas preparatórias, mas, como era a primeira edição, Gabriel só foi descobrir mesmo o que aconteceria na hora.
"Acho que me ajudou o fato de eu ter uma maturidade, já ter apresentado trabalhos na minha profissão e participado de entrevistas de emprego", afirma.
No Insper, as competências fora da grade curricular são avaliadas na segunda fase da seleção para a graduação em engenharia, que começou no ano passado.
Candidatos têm que discutir entre si temas polêmicos. Os critérios avaliados são comunicação, pensamento crítico e trabalho em equipe.
"Diversos estudos mostram que, em segundas fases tradicionais, a correlação do desempenho com a primeira fase é enorme. Não é preciso fazer duas provas do mesmo tipo", diz Tadeu Ponte, coordenador do processo seletivo. A metodologia poderá ser ampliada para outros cursos da instituição.
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