O EDUCARE.PT esteve à conversa com as autoras.
Extraído
do site : http://www.educare.pt/noticias/noticia/ver/?id=36846&langid=1
“Os
pais são a primeira linha de educação dos seus filhos.” A frase de Helena
Serra, presidente da Associação Portuguesa de Crianças Sobredotadas (APCS),
contém uma premissa universal, mas quando se fala em pais de crianças
sobredotadas ela reveste-se de particularidades.
O livro português “Será o meu filho sobredotado?”, lançado hoje pela Porto Editora, responde a
algumas das dúvidas de quem passa pela angústia de suspeitar que a inteligência
do filho está acima da média.
Ao
longo de 100 páginas, escritas em coautoria com a filha e psicóloga Ana Serra
Fernandes, Helena Serra, pedagoga e investigadora em educação especial, em Portugal dá a
conhecer os cuidados a ter na educação destas crianças. Porque é preciso
capacitar os pais para lidarem com os problemas e os desafios da sobredotação.
EDUCARE.PT
(E): É um livro dirigido a pais, não a professores, nem a técnicos, porquê?
Helena
Serra (HS): Os pais são a primeira linha de educação dos seus filhos. E, no
caso destas crianças, sentem-se desamparados dadas as características que os
filhos apresentam. O livro alia a vertente da pedagogia, especializa nesta
área, e da psicologia, que está na base de todo o ato educativo. Os pais são o
elo mais desprotegio e, ao mesmo tempo, o porto de abrigo destas crianças.
Transmitem afeto e também regras. Este duplo papel não é brincadeira em toda a
criança, mas especialmente na sobredotada.
E: O
sonho de qualquer pai é ter um filho sobredotado…
HS: Não
é não! Há um somatório muito grande de pais que suspira de alívio quando [na
Associação Portuguesa de Crianças Sobredotadas] lhes dizemos que o filho apesar
de ter um Quoficiente de Inteligência (QI) de 120, e ter um nível de
inteligência elevado, não é sobredotado. A sobredotação é mais temida que amada
pelos pais. Têm receio de ter um filho sobredotado porque vão percebendo as consequências
que isso acarreta.
Muitos
alunos não acabam os cursos. Batem com a porta da escola. Andam desgastados.
Descontentes. Como se estivessem à procura de algo que não encontram. Muitas
destas crianças não são devidamente apoiadas, nem na escola, nem na família. A
escola, a família e o grupo de pares, ou o par - pode até ser um só - são o
segredo para o bem-estar do sobredotado. Estes três contextos têm de estar
muito esclarecidos e atentos, porque estas crianças têm necessidades muito
próprias e são infelizes na escola porque nada está pensado para elas.
E:
Estima que cinco em cada 100 crianças são sobredotadas.
HS: Nos
ensinos básico e secundário são mais de 60 mil crianças e ninguém dá por elas.
Muitas vezes com comportamentos agressivos. Há poucos dias recebemos um email
de um professor da Caparica a pedir ajuda urgente à APCS, por causa de um aluno
muito mal comportado, com capacidades muito elevadas, mas que está muito
infeliz na escola.
E:
Permitir aos sobredotados avançar de ano continua a ser um problema?
HS: O
problema está em parte resolvido. O Despacho Normativo número 13/2014 de 15 de
setembro, sobre a avaliação das crianças ao nível do ensino básico, deixa
prever que crianças com capacidades excecionais poderão ser apoiadas pelas
escolas. Desde que se faça um plano de acompanhamento pedagógico
Individualizado. Também diz que as escolas podem organizar grupos relativamente
homogéneos de carácter temporário.
Percebe-se
que no artigo 25.º desse Despacho o Governo quis dar a possibilidade de as
crianças poderem avançar um ano, por ciclo. E todos os anos sai uma portaria a
dizer que as crianças podem ser avançadas um ano na entrada para a escola. Tudo
isto está a ser observado no país, portanto, existe legislação, mas tinha de
ser muito mais regulamentada.
E: Que
impacto tem a falta de regulamentação no terreno?
HS:
Vamos ao Marco de Canaveses, a Alfubeira, a Aveiro, provavelmente num qualquer
agrupamento, e vemos que o psicólogo não tem formação em sobredotação. Não há
professores especializados, nem professores das áreas científicas - da
matemática, das artes, das expressões - com formação nesta área. Portanto, foi
fácil colocar em despacho que algumas crianças precisam de ser
diferenciadamente atendidas pelas escolas, mas não se cuidou da rede com
conhecimento e responsabilidade.
ASF: A
formação é importante! Seja do professor titular no 1.º ciclo ou do diretor de
turma a partir do 2.º ciclo. Depois, ou os professores identificam a
sobredotação ou são os pais que têm de identificar. E nem todos os pais estão
esclarecidos e informados. Até podem pedir ajuda a uma associação ou a algum
especialista para fazer o diagnóstico. Mas quando vão à escola entregar os relatórios
e documentos, muitas vezes, a escola não sabe o que fazer.
HS: E
nada faz. Temos tido lutas em escolas, com casos difíceis onde a APCS intervém,
envia a psicóloga à escola para ajudar, mas depois encontra barreiras por falta
de informação.
E: Voltando
ao livro, que cuidados devem ter os pais na educação destas crianças?
HS: A
criança precisa de saber que é sobredotada. Tem de compreender que é diferente.
Isto vai dar-lhe um repouso muito grande. Nunca frustrar a
criança não respondendo às suas questões. Os adultos têm de ser facilitadores
das aprendizagens, não precisam de saber tudo. Podem dizer à criança que não
sabem responder, mas que vão procurar as pessoas certas para as esclarecer. A
par disso, é muito bom que os pais desanuviem o ambiente das crianças e sejam
porto de abrigo. O último cuidado é não fazer do sobredotado uma estrela. A mãe
não pode ir no elevador a contar à vizinha os feitos da criança.
ASF: Os
pais têm de dar importância ao que é importante e relativizar o resto. Dar-lhes
outra perspetiva das coisas. Até porque eles vão ser confrontados a vida
inteira com ambientes onde se vão sentir a mais. A criança sobredotada deve ser
preservada disto. Ao longo dos anos, temos verificado que, nas escolas, à
medida que as crianças são referenciadas como sobredotadas são ainda mais
postas de lado e sofrem muito mais a partir daí. Estamos a falar de crianças
que recebem um teste e automaticamente o põem na mochila para que ninguém veja
a nota. Por isso, as respostas educativas têm de ser dadas, mas não têm se ser
manifestadas exteriormente. Ninguém precisa de saber o que se passa com aquela
criança.
E: Os
pais dos sobredotados têm de ter qualidades sobredotadas?
ASF:
Quanto mais cedo os pais descobrirem que o filho é sobredotado melhor. Uma
criança que aos três anos já sabe ler e escrever é precoce. Só quando chega a
idade escolar é que vamos ver se a criança é sobredotada ou não. Se os pais não
estão atentos nunca se vai descobrir essa particularidade. Depois, os pais têm
de criar um ambiente de confiança, acreditar nos seus filhos e compreender as
suas características.
HS: Há
uma probabilidade de os pais das crianças sobredotadas também o serem. Às vezes
estamos a fazer a avaliação da criança e percebemos isso pela acutilância das
suas observações.
E: O
que lhes diz?
HS:
Provoco-os. Pergunto se alguém lhes fez o teste. Há muitos casos de
sobredotados perdidos. Uns têm a sorte de ter um ou outro professor que os
ajuda. Outros entram em depressão e até cometem suicídio. É um problema sério.
Três a cinco em cada 100 crianças têm estas características. Temos de fazer
alguma coisa por elas. Ou o país perde por desinvestimento.
Helena
Serra defende a criação de equipas para apoiar sobredotados
A
Associação Portuguesa de Crianças Sobredotadas (APCS) anda há mais de 25 anos a
chamar à atenção para a problemática da sobredotação. Não faltam histórias de
sucesso. Como a do rapaz que tinha um interesse insaciável pela figura da
Catarina da Prússia e hoje trabalha para a Organização das Nações Unidas (ONU).
Apesar de um ou outro final extremamente feliz, “ainda há muitas crianças com
QI acima da média a sofrerem nas escolas portuguesas”, lamenta a presidente a
APCS, Helena Serra. Atendeu inúmeros casos. E consegue perceber “exatamente” o
que falta no terreno: “É preciso uma estrutura”.
Helena
Serra defende, por isso, a criação de equipas aptas a lidar com alunos
sobredotados nas escolas do ensino básico. À semelhança do que foi feito no
passado, quando o atendimento das crianças com deficiência dava os primeiros
passos. “As equipas itinerantes iam às escolas sempre que se referenciava uma
criança. Não era bom, mas pelo menos havia a quem dirigir as dificuldades”,
recorda a presidente da APCS. “Essa equipa cuidava de tudo, ia trabalhar com a
criança, formar o professor, criar materiais e dar aulas de apoio.”
Replicar
o modelo, com algumas alterações – “as equipas não precisam de ser de
itinerância” – pode ser uma solução inicial para dar resposta aos sobredotados
em idade escolar, diz Helena Serra. “Temos de voltar ao início da educação
especial no país, só que agora dirigida aos mais dotados. Os mega-agrupamentos,
com os milhares de alunos que lá estão, merecem uma equipa com formação.”
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