Letícia
Calmon Drummond Amorim*
A
síndrome de Asperger, um dos transtornos abrangentes do desenvolvimento, foi
descrita primariamente sob a designação de “psicopatia autística” em 1944, por
Hans Asperger, como um quadro caracterizado por déficit na sociabilidade,
interesses circunscritos, linguagem sem atraso porém pedante, repetitiva e
formal e habilidades intelectuais preservadas.
A
prevalência de portadores de síndrome de Asperger é de 3:10.000 em população de
crianças (FOMBONNE, 2003, 2005).
A relação
entre autismo e síndrome de Asperger foi aventada a partir da elaboração de um
continuum autístico por Wing (1988), que considera o primeiro um
comprometimento comportamental cuja constelação sintomatológica é intimamente
relacionada ao desenvolvimento cognitivo. Entretanto,
existem questionamentos se o autismo pode ocorrer sem atraso de linguagem e com
inteligência normal, bem como controvérsias acerca da comparação entre
síndrome de Asperger e autismo sem deficiência mental, incluídos em uma
categoria “autismo de alto funcionamento”. Para se definirem melhor estes
grupos novos estudos são necessários (LORD, RUTTER, 1994). Os critérios do
DSM-IV-TR (APA, 2002) para diagnóstico de síndrome de Asperger são:
A. Alteração qualitativa da interação social,
manifestada por pelo menos dois dos
seguintes requisitos: (1) Alteração acentuada no uso de múltiplos
comportamentos não-verbais, tais como contato visual direto, expressão facial,
posturas corporais e gestos para regular a interação social (2) Incapacidade
para criar relacionamentos apropriados, ao nível do seu desenvolvimento, com
seus pares (3) Ausência de tentativa espontânea de partilhar prazer, interesses
ou realizações com outras pessoas, (por ex., mostrar, trazer ou apontar objetos
de interesse a outras pessoas) (4) Falta de reciprocidade social ou emocional.
B. Padrões restritos, repetitivos e
estereotipados de comportamento, interesses e atividades, manifestados por
pelo menos um dos seguintes quesitos: (1) Preocupação insistente com um ou mais
padrões estereotipados e restritos de interesses, anormal em intensidade ou
foco (2) Adesão aparentemente inflexível a rotinas e rituais específicos e não
funcionais (3) Maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por ex., dar
pancadinhas ou torcer as mãos ou os dedos, ou movimentos complexos de todo o
corpo) (4) Preocupação mantida com partes de objetos.
C. A perturbação interfere de forma
significativa nas áreas social e ocupacional ou outras áreas importantes de
funcionamento.
D. Não existe um atraso clinicamente
significativo da linguagem (por ex., palavras isoladas são usadas aos 2
anos, frases comunicativas são usadas aos 3 anos).
E. Não existe um atraso clinicamente
significativo no desenvolvimento cognitivo ou no desenvolvimento de
habilidades de auto-ajuda apropriadas à idade, comportamento adaptativo (outro
que não na interação social), e curiosidade acerca do ambiente na infância.
F. Não
cumpre critérios para qualquer outro Síndrome com Perturbação Global do
Desenvolvimento ou Esquizofrenia. Os indivíduos com síndrome de Asperger são
capazes de estabelecer uma conversação em monólogo caracterizada por uma
linguagem prolixa, pedante, sobre um tópico favorito e geralmente não-usual e
bem delimitado, suas abordagens desajeitadas e sua insensibilidade em relação
aos sentimentos e intenções das demais pessoas e pelas formas de comunicação
não-literais e implícitas que elas emitem (e.g., sinais de tédio, pressa para
deixar o ambiente e necessidade de privacidade) podem frustrar seu desejo de
fazer amigos (KLIN,2006).
As
principais teorias cognitivas utilizadas para a compreensão dos déficits
autísticos são a da mente, a da
coerência central e a da disfunção executiva.
A teoria
da mente, descrita por Baron-Cohen
(1988), refere-se a incapacidade de
atribuir estados mentais aos outros e dessa forma prever o seu comportamento.
O termo
coerência central é utilizado para referir-se à tendência cotidiana de processar a informação recebida, dentro de um
contexto em que se capta o essencial, freqüentemente às custas da memória
para os detalhes, a teoria da fraca
coerência central proposta por Hill e Frith (2003) explica a tendência de se preocupar com partes em detrimento de um
significado amplo.
A teoria da disfunção executiva propõe que os prejuízos na socialização e
na comunicação são secundários aos déficits na função executiva. Esta se
refere à habilidade para resoluções de problemas, ação mediada pelo córtex
frontal, e compreende todo o processo que forma a base do comportamento
direcionado, a saber: planejamento, memória de trabalho, inibição de respostas
e flexibilidade cognitiva (DUNCAN, 1986).
O
prejuízo social decorrente dos deficits autísticos é considerado permanente,
não há consenso sobre um tratamento específico para a síndrome de Asperger, o uso de medicação é indicado para tratar
co-morbidades caso elas ocorram.
Lord e
Rutter (1994) destacam quatro alvos
básicos de qualquer tratamento: 1) estimular o desenvolvimento social e comunicativo; 2) aprimorar o aprendizado e a capacidade de solucionar
problemas; 3) diminuir
comportamentos que interferem com o aprendizado e com o acesso às oportunidades
de experiências do cotidiano; e 4) ajudar as famílias a lidarem com os autismo.
Referências
Bibliográficas:
AMERICAN
PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais - DSM IV TR. Tradução de Cláudia Dornelles. 4. ed. Porto Alegre: Artes
Médicas, 2002.
BARON-COHEN,
S. Social and Pragmatic Deficits in Autism: Cognitive or Affective? Journal of
Autism and Developmental Disorders, v. 18, n. 3, p. 379- 401, 1988.
DUNCAN,
J. Disorganization of Behavior After Frontal Lobe Damage. Cognitive
Neuropsychology, v. 3, p. 271-290, 1986.
FOMBONNE,
E. Epidemiological Surveys of Autism and Other Pervasive Developmental
Disorders: An Update. Journal of Autism and Developmental Disorders, v. 33, n.
4, p. 365- 382, 2003. FOMBONNE, E. Epidemiology of Autism Disorder and Other
Pervasive Developmental Disorders. Journal of Clinical Psychiatry, v. 66, n.
10, p. 3-8, 2005.
HILL, E.
L.; FRITH, U. Understanding autism: insights from mind and brain. Philosophical
Transactions of The Royal Society of London, Series B, Biological Sciences, v.
358, p. 281- 289, 2003. KLIN, A. Autismo e Síndrome de Asperger: Uma visão
Geral. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 28, p. 3-11, 2006. ORD, C.;
RUTTER,
M. Autism and Pervasive Developmental Disorders. In: RUTTER, M.;
TAYLOR,
E.; HERSOV, L. (Ed.). Child and Adolescent Psychiatry Modern Approaches. 3rd
ed. Oxford: Blackwell Scientific Publications, 1994. p. 569-593. WING, L. The
Autistic Continuum. In: Aspects of Autism: Biological Research. London: Royal
College of Psychiatrists and The National autistic Society, 1988. p. 5-8.
*Psiquiatra do Projeto Distúrbios do Desenvolvimento (PDD) do Instituto de
Psicologia da Universidade de São Paulo (IP USP), Mestre em Psicologia Clínica
pelo IP USP
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