Superdotação, Asperger (TEA) e Dupla Excepcionalidade por Claudia Hakim

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terça-feira, 25 de novembro de 2014

Jovem órfão e pobre Ruanda entra em Harvard


Jovem de Ruanda entra em Harvard Ian Thomas Jansen-Lonnquist/NYTNS

Extraído do site : http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticia/2014/11/jovem-de-ruanda-entra-em-harvard-4636959.html

Uwayesu Justus saiu dos lixões do seu país de origem para uma das melhores universidades do mundo


Justus Uwayesu no campus de Cambridge da Universidade de HarvardFoto: Ian Thomas Jansen-Lonnquist / NYTNS

Aos nove anos de idade e órfão depois do genocídio étnico, ele vivia em um carro queimado em um lixão de Ruanda, onde procurava alimento e roupas. Durante o dia, pedia dinheiro nas ruas. Ficou mais de um ano sem tomar banho. Quando a voluntária americana Clare Effiong visitou o lixão certo dia, outras crianças vieram atrás dela. Sujo e faminto, Justus Uwayesu não fez o mesmo, e ela pergunto por que.

— Quero ir para a escola — respondeu. Bom, seu desejo foi realizado. No outono deste ano, Uwayesu se matriculou na Universidade de Harvard, com bolsa de estudos integral para estudar matemática, economia e direitos humanos, tendo em vista um diploma de ciências avançadas. Agora, com cerca de 22 anos (ele não sabe a data de seu aniversário), ele poderia ser só mais um dos 1.667 calouros da universidade, de calça jeans, moletom e tênis de lona. Mas é claro que não é.

Ele é um exemplo do potencial enterrado em alguns dos lugares abandonados pela humanidade e um lembrete de como é difícil escapar dessa situação. Nos 13 anos que se passaram desde que ele escapou do lixão onde vivia, Uwayesu fez mais que chegar ao topo dos estudantes de seu país. Estudando em Ruanda, ele aprendeu inglês, francês, suaíli e lingala, era supervisor do programa de tutorado em seu colégio, e ajudou a criar uma fundação de caridade que se espalhou por escolas dos Estados Unidos, comprando seguros de saúde para estudantes pobres e oferecendo ajuda médica e escolar a outros. Ainda assim, ele fica impressionado com os hábitos e costumes da terra estrangeira.

— Provei lagosta e achei que foi bem difícil. Você tem que dar duro pra tirar a carne lá de dentro — Além disso, ele não gostou do sabor do prato.

Recém-chegado de um país dominado por dois grupos étnicos (a maioria hutu e os tutsi, que morreram aos montes ao lado dos hutus moderados durante o conflito de 1994), ele afirma que gosta de ver o caldeirão de nacionalidades e estilos de vida dos corredores de Harvard. Fica impressionado com a aceitação dos alunos abertamente gays.

— Isso não é uma coisa comum em Ruanda —

Ele também se diz assustado ao ver quantos sem-teto existem em um país tão rico, "que não dá pra dizer quem tem dinheiro e quem não tem". Ele comenta que seus quatro colegas de quarto, que vêm de Connecticut, do Havaí e de outros lugares dos EUA, o ajudaram a se habituar à vida em Boston. Mas ele ainda não conseguiu entender muito bem a cultura dos EUA, país mais frenético e barulhento que sua terra natal.

— As pessoas dão duro para conseguir qualquer coisa. Fazem tudo rápido e vivem para cima e para baixo. Aqui todo mundo diz a verdade; fala sobre suas experiências e medos. Em Ruanda, temos uma forma diferente de falar com os adultos. Não gritamos. Não fazemos bagunça. Mas aqui, as pessoas pensam de forma independente —

Nascido no leste rural de Ruanda, em 1991, Uwayesu tinha só três anos quando seus pais, agricultores analfabetos, morreram no conflito político que matou cerca de 800.000 pessoas em apenas 100 dias. Ele, um irmão e duas irmãs foram salvos por funcionários da Cruz Vermelha, além de outras quatro crianças que sobreviveram em outros lugares, que cuidaram deles até 1998, quando o número crescente de órfãos obrigou os funcionários a devolverem as crianças para seu vilarejo de origem. Eles chegaram quando a seca e a fome atacava sua província natal e Uwayesu ficou desnutrido.

— Meu irmão me dizia: 'Vou sair atrás de comida', mas voltava sem nada. Algumas vezes, a gente passava o dia inteiro sem comer — lamenta.

No ano 2000, o jovem Justus e seu irmão caminharam até Kigali, a capital de Ruanda, com quase um milhão de pessoas, em busca de comida e ajuda. Ao invés disso, eles acabaram em Ruviri, um enorme lixão nos arredores da cidade, lar de centenas de órfãos e porcos. Justus encontrou um lar com duas outras crianças em um carro abandonado, cobrindo as janelas quebradas e o assoalho com papelão. Durante um ano e meio, ele procurava alimento e abrigo no lixão, às margens da sociedade.

— Não tinha chuveiro, nenhum lugar pra tomar banho — afirmou. — A única coisa que tínhamos que fazer era nos manter quentes, muito quentes à noite —

Ele aprendeu a reconhecer os caminhões que vinham de hotéis e padarias, que traziam o lixo mais delicioso, e saltar para pegar sua parte antes dos menos ágeis. Durante dias não havia o que comer – os caminhões não vinham aos domingos e as crianças maiores ficavam com a melhor parte do lixo. Ele guardava seu alimento em velhas latas de óleo, colocadas em fogueiras para manter o alimento sempre quente. Uwayesu lembrou que caiu de um caminhão de lixo em movimento e uma vez quase foi enterrado vivo por um trator que jogava pilhas de lixo em um buraco. Aos nove anos de idade, passava as noites apavorado, temendo que tigres aparecessem no lixão para atacá-lo (embora não existam tigres na África). Durante o dia, pedindo dinheiro nas ruas, ele via um mundo muito além de suas possibilidades.

— À noite, as crianças voltavam uniformizadas da escola, correndo e brincando nas ruas. Às vezes, elas me chamavam de nayibobo (literalmente, criança esquecida). Elas sabiam que éramos diferentes delas, foi uma época terrível, porque não conseguia enxergar o futuro — emocionou-se. — Não sabia como a vida poderia melhorar, nem como eu poderia sair daquele lugar —

Por pura sorte, Effiong salvou o menino. A organização de caridade de New Rochelle, em Nova York, que Effiong criou, a Esther's Aid, decidiu em 2000 que iria se dedicar aos inúmeros órfãos de Ruanda. Certo domingo, em 2001, depois de entregar um contêiner cheio de comida e roupas, ela pegou um táxi até o lixão, viu um monte de órfãos e, depois de conversar um pouco, se ofereceu para levá-los a um lugar seguro. Todos recusaram, menos Justus.

— Eu o levei para onde eu estava, dei banho, troquei suas roupas, cobri seus machucados e o matriculei na escola primária — contou. No primeiro ano, ele já era o melhor da sala. Isso era um sinal do que viria no futuro: ele só tirava 10 no ensino médio e conseguiu uma vaga em uma escola técnica. Uwayesu se mudou para um orfanato operado pelo Esther's Aid, então, com duas de suas irmãs, para o lugar onde Effiong vivia quando estava em Kigali. Durante toda a sua educação, ele trabalhou na instituição, que desde então abriu uma escola de gastronomia para meninas e está criando um campus para os órfãos.

— Minha vida mudou por causa dela — afirmou. Contudo, ele não teria sido capaz de competir por uma vaga em uma universidade americana sem ajuda externa. Depois de terminar o colegial, concorreu e conseguiu uma bolsa de estudos oferecida por uma instituição de caridade em Little Rock, no Arkansas, a Bridge2Rwanda, que prepara estudantes talentosos para o processo de inscrição a uma vaga na universidade. Durante praticamente toda a década passada, o diretor de admissões internacionais da Harvard procura talentos em toda a África. Como a maioria das universidades de ponta, a Harvard escolhe seus calouros sem levar em conta se serão capazes de pagar as mensalidades. Mas até este ano, o campus de Cambridge só contava com uma pessoa de Ruanda, Juliette Musabeyezu, entre os alunos matriculados. Só ela.

Dos cerca de 25 candidatos africanos que foram admitidos este ano, três são de Ruanda, incluindo outro que chegou com a ajuda da Bridge2Rwanda. Nada mal para um paisinho que tem menos de um por cento de toda a população da África. Agora, uma fotografia dos alunos de Ruanda em Harvard aparece no Facebook de Musabeyezu.

A legenda diz:

— Meu povo finalmente chegou —


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