Superdotação, Asperger (TEA) e Dupla Excepcionalidade por Claudia Hakim

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domingo, 23 de fevereiro de 2014

Dificuldades Emocionais e Sociais do Superdotado e Superdotados com Dificuldade de Aprendizagem

Alencar, E. M. L., & Virgolim, A. M. R. (1999). Dificuldades emocionais e sociais do superdotado. In F.P. Nunes Sobrinho & A. C. B. Cunha (Org.), Dos problemas disciplinares aos distúrbios de conduta: Práticas e reflexões (89-114). Rio de Janeiro: Qualitymark.  Também publicado em: 
Alencar, E. M. L., & Virgolim, A. M. R. (2001). Dificuldades emocionais e sociais do superdotado. In Alencar. E.M.L.S. Criatividade e educação dos superdotados (pp.174-205). Petrópolis, RJ: Vozes.


Eunice M.L.Soriano de Alencar
Universidade Católica de Brasília
 Angela Mágda Rodrigues Virgolim
Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília

          A literatura existente a respeito de superdotados tem se concentrado especialmente em três temas. O primeiro deles diz respeito à questão da definição de superdotado e superdotação; o segundo, ao processo de identificação; e o terceiro, às diversas modalidades de programas que visam atender às necessidades de aprendizagem deste grupo e promover condições favoráveis ao desenvolvimento do talento e do potencial superior.

          Questões relativas a estes temas vêm mobilizando o interesse crescente de educadores e de sistemas educacionais de diferentes países, fruto de várias fatores, como:

           (1) reconhecimento das vantagens para o país que investe de forma planejada na educação daqueles estudantes que se destacam por um potencial superior;

           (2) necessidade de lidar com as dificuldades de ajustamento e problemas emocionais observados sobretudo entre superdotados que não se sentem compreendidos e que não encontram na escola e na sociedade um ambiente adequado ao desenvolvimento de suas habilidades e aproveitamento de seu potencial superior.

          É o objetivo do presente texto apontar para algumas dimensões do ajustamento e desenvolvimento emocional do superdotado. Salientamos, entretanto, que nos restringiremos aqui apenas ao superdotado que se destaca por um potencial intelectual superior. Como apontamos em textos anteriores (Alencar, 1986; 1987; 1994a), predomina nos dias atuais a idéia de que a superdotação englobaria uma diversidade de facetas, sendo considerados superdotados não apenas aqueles indivíduos que se destacam nas áreas intelectual/acadêmica, mas também os que apresentam um desempenho elevado em música, artes, xadrez, além de esportes e liderança. São, porém, aqueles indivíduos que se destacam na área intelectual/acadêmica os que maior atenção vêm recebendo e serão estes o foco de nossa atenção, sobre os quais os seguintes aspectos serão abordados:

a)  Problemas emocionais e de ajustamento;

b) subrendimento escolar e dificuldades de aprendizagem em alunos superdotados;

c)  diferenças de gênero e os desafios enfrentados pela mulher que se destaca por um potencial superior em uma sociedade marcada por fortes estereótipos sexuais;

d) aconselhamento psicológico e orientação ao superdotado e sua família.

          Aos leitores interessados nas questões de definição, identificação e programas de atendimento, sugerimos a leitura de outros textos de nossa autoria, como Psicologia e educação do superdotado (Alencar, 1986); O superdotado: Derrubando um preconceito (Alencar, 1987); e  Perspectivas e desafios da educação do superdotado  (Alencar, 1994a).


Problemas Emocionais e de Ajustamento

          Uma análise das pesquisas realizadas ao longo das últimas décadas chama a atenção para vários aspectos relacionados à dimensão emocional da superdotação.

          O primeiro aspecto observado é que, dependendo do grau da inteligência da amostra estudada, aliada a outras variáveis, como classe social, gênero e possibilidades de contato com colegas de nível similar de inteligência, dificuldades de ajustamento poderão ou não ser observadas. Terman (1965), por exemplo, que realizou um dos estudos mais conhecidos na área, com uma amostra de 1528 indivíduos superdotados, identificados através de testes de QI durante a sua infância e acompanhados ao longo de várias décadas, chamou a atenção para o fato de que, contrário à idéia prevalente na primeira metade do presente século, os superdotados apresentavam, além de uma inteligência superior, um desenvolvimento físico mais acelerado, eram mais ajustados socialmente e mais estáveis do ponto de vista psicológico. Entretanto, a sua amostra tinha um QI médio de 150, eram todos de status sócio-econômico médio, e muitos dos seus sujeitos tinham sido também apontados pelos professores para compor a referida amostra. Por outro lado, pesquisas com grupos de alunos com QI extremamente elevado, por exemplo, igual ou superior a 180, têm apontado para problemas de ajustamento e dificuldades emocionais menos freqüentemente observados entre superdotados cujo QI esteja na faixa de 130 a 170. Hollingworth, que realizou há mais tempo um estudo com alunos que apresentavam um QI muito elevado (pelo menos de 180) constatou, por exemplo, três problemas principais na amostra por ela estudada. O primeiro dizia respeito a ausência de hábitos adequados de trabalho no ambiente escolar. De modo geral, estes alunos não se empenhavam na escola e passavam considerável tempo alheios e sonhando acordado. Para eles, a freqüência à escola era tida como perda de tempo, dada a distância entre as demandas da escola e as suas competências pessoais. Um segundo problema observado foi a dificuldade por parte destes sujeitos em sua relações sociais. Embora se empenhassem para ter amigos, o seu grupo de idade não compartilhava de seus interesses, o que dificultava a sua interação, levando-os a se isolar. Um terceiro problema observado foi uma certa vulnerabilidade emocional, explicada por Hollingworth em função da capacidade destes sujeitos de entender e se envolver com questões éticas e filosóficas, antes de estarem emocionalmente maduros para lidar com tais questões (Hollingworth, 1942).

          Hollingworth observou, entretanto, mudanças radicais que ocorriam no comportamento de alunos excepcionalmente inteligentes, quando tinham oportunidade de passar a interagir com pares similares em inteligência. Alunos que, por exemplo, eram retraídos, socialmente distantes, não-participantes nas atividades escolares, uma vez em contato com grupos de idade mental similar, passavam a atuar de uma forma adequada, dando contribuições significativas nas atividades de grupo e se comportando como um indivíduo socializado e feliz (em Oshea, 1965).

          Observações similares às de Hollingworth quanto ao isolamento de alunos com inteligência extremamente elevada também foram feitas por nós em um estudo de caso com um aluno de inteligência excepcionalmente elevada, cujo QI era de 172 e que obteve  no Scholastic Aptitude Test 710 pontos na parte de matemática quando tinha 11 anos e 10 meses, resultado este correspondente ao percentil 96 de amostras universitárias norte-americanas (Alencar & Fleith, 1995). O aluno que, na época em que coletamos os dados a seu respeito, tinha 12 anos, era, segundo seus professores, reservado, quieto e preferia trabalhar isoladamente. Tinha poucos amigos, o que era explicado por seus professores em função da diferença de idade entre ele e seus colegas de classe.

          Muitos dos problemas que se observam entre alunos que se destacam por um potencial superior têm a ver com o desestímulo e frustração sentida por eles diante de um programa acadêmico que prima pela repetição e monotonia e por um clima psicológico em sala de aula pouco favorável à expressão do potencial superior. A escola não responde de forma adequada aos alunos que apresentam habilidades intelectuais superiores, o que ajuda a explicar a apatia e ressentimento apresentados freqüentemente por estes alunos. Neste sentido, Cropley (1993) destaca:

  "Um número substancial de crianças superdotadas iniciam a escola com altas expectativas e grande entusiasmo (como é o caso da maior parte das crianças), mas logo se tornam frustradas e entediadas. Muitas entram em uma aspiral de desapontamento, passando a rejeitar a instituição escola e/ou a duvidar de suas próprias habilidades e mesmo seu valor como pessoa. Muitas lidam com esta questão através do isolamento, hostilidade ou agressividade, mas podem também aprender em uma idade precoce que tais problemas podem ser evitados adotando deliberadamente a tática de "faking bad". Este é um problema especialmente freqüente entre meninas e membros de grupos minoritários, dada a forte pressão para se conformar aos valores antagonísticos à alta realização na escola" (p. 96).

          Uma análise do que ocorre com a maior parte dos alunos que apresentam habilidades intelectuais significativamente superiores na escola foi feita por Terrassier (1981), que chama de "efeito pigmalião negativo" o que acontece no ambiente acadêmico. Nota-se que efeito pigmalião foi um termo introduzido por Rosenthal e Jacobson em 1968 para chamar a atenção para resultados observados por estes autores em estudos onde professores, que foram informados a respeito da competência acadêmica e intelectual superiores de alguns alunos escolhidos ao acaso, passaram a agir de forma diferenciada com relação a estes alunos, levando-os efetivamente a apresentar um desempenho que correspondia à avaliação que os seus professores haviam recebido a seu respeito. No caso do aluno que apresenta um potencial superior, aspecto este, porém, desconhecido pelo professor, um fenômeno inverso pode ocorrer. Como o professor não tem idéia do potencial real de alunos que apresentam habilidades superiores ou uma precocidade intelectual, ele passa a esperar do mesmo um desempenho na faixa da média, encorajando-o a apresentar um desempenho muito aquém de suas reais capacidades. Isto, segundo Terrassier, dificultaria ao superdotado expressar o seu potencial. Acresce-se ainda a influência do grupo de colegas da mesma série e/ou idade, que também têm expectativas sobre os seus colegas mais brilhantes, gerando pressão que podem levá-los a um desempenho muito aquém das possibilidades do superdotado, a par de várias dificuldades de natureza emocional.

          O descompasso entre o desenvolvimento intelectual e o emocional é também fonte de tensões e origem de desajustamento. Landau (1990) lembra este descompasso e a necessidade de que o superdotado seja compreendido com relação a este aspecto, destacando:

  "Em algumas situações, vejo a criança superdotada como o atleta que corre longas distâncias. À frente de outras crianças, no entanto, apenas intelectualmente ou em campos específicos. Se não nos mantivermos a seu lado, para ensiná-la a vencer o intervalo entre o desenvolvimento emocional cronológico e o intelectual, mais adiantado, ela se sentirá dividida, solitária e usará toda a sua energia para tentar equilibrar esses extremos de sua personalidade" (p. XXIV).

          Esta assincronia entre distintas dimensões do desenvolvimento tem sido sistematicamente apontada por autores os mais diversos. Foi talvez Hollingworth a primeira pesquisadora a chamar a atenção para este aspecto, ao destacar que ter a inteligência de um adulto e as emoções de uma criança em um corpo de criança envolve certas dificuldades (Silverman, 1993). É comum, por exemplo a família esperar comportamentos típicos de uma criança mais velha por conta das habilidades intelectuais mais avançadas, o que, entretanto, não ocorre, gerando insatisfação e irritação de ambas as partes. Estas dificuldades são penosas de se lidar, tanto pela criança quanto pela sua família. Esta última se espanta com as reações da criança superdotada, uma vez que espera dela um comportamento com base unicamente na sua capacidade intelectual mais avançada.

          O desenvolvimento heterogêneo de diferentes áreas foi também investigado por Terrassier (1979), que propôs o termo  síndrome da dissincronia para caracterizar a disparidade entre diferentes facetas do desenvolvimento do superdotado. Este autor contrasta dois tipos de dissincronia. Uma, de ordem interna,  que ocorre no interior da própria criança e outro entre a criança e seu ambiente, incluindo tanto a escola como a família.

          A dissincronia de ordem interna diz respeito aos diferentes ritmos de desenvolvimento que podem ser observados entre as áreas intelectual, psicomotora, lingüística e afetivo-emocional. Terrassier lembra, por exemplo, que é muito freqüente o superdotado aprender a ler facilmente em uma idade precoce, encontrando, porém, dificuldades na área da escrita. A discrepância entre o nível mental e os níveis psicomotor e gráfico, estes últimos muito mais de acordo com a idade cronológica do que a idade mental, é mais freqüentemente observada entre meninos, fazendo com que muitos se sintam frustrados diante de sua inabilidade de usar as mãos na mesma velocidade de seu ritmo mental, levando-os a reagir inicialmente com tentativas de controle, que mal-sucedidas geram ansiedade, o que, por sua vez leva a uma escrita ainda mais irregular acompanhada de sentimentos de desconforto e frustração.

          Outra disparidade comum é o aluno ter uma habilidade matemática excepcional, sendo, porém, medíocre em ortografia e escrita. Como a escola tende a esperar que o aluno progrida de uma maneira homogênea em diferentes campos do conhecimento, isto pode gerar dificuldades para o aluno, sobretudo de natureza emocional.

          Também a discrepância entre o desenvolvimento intelectual e a maturidade afetiva é analisada por Terrassier (1979). Este autor considera que o superdotado pode ser, por exemplo, dominado por medos e ansiedades, oriundos de reflexões que faz a respeito de problemas enfrentados pela humanidade ou a partir de leituras sobre temas geradores de ansiedade, com as quais ele não sabe lidar.

          Uma análise dos principais problemas associados às características do superdotado foi feita por Webb (1993), que lembra que alguns dos atributos intelectuais e de personalidade comuns entre superdotados fazem com que estes indivíduos experienciem mais freqüentemente problemas de ordem social e emocional. Alguns dos principais problemas relacionados por este autor (Webb, 1993, p. 528) são apontados a seguir, embora Webb lembre também que nenhuma destas características é inerentemente problemática, sendo antes a combinação de algumas delas que pode levar a um padrão problemático de comportamento.

·     Característica: Adquire e retém informações rapidamente.

æ  Problema: Impaciente diante da lentidão dos colegas; não gosta da rotina e da repetição.


·     Característica: Curiosidade intelectual e atitude inquisitiva; motivação intrínseca; busca por significados.

æ  Problema: Faz perguntas que incomodam ao professor; tem vasta gama de interesses, esperando o mesmo dos outros.


·     Característica: Amplo vocabulário e proficiência verbal; tem amplas informações em áreas avançadas.

æ  Problema: Torna-se entediado com a escola e colegas; visto pelos outros como o "sabe tudo".


·     Característica: Pensamento crítico elevado; tem altas expectativas; é auto-crítico e avalia os demais.

æ  Problema: Intolerante ou crítico dos demais; pode tornar-se desencorajado ou deprimido; perfeccionista.


·     Característica: Criativo; gosta de novas maneiras de fazer as coisas.

æ  Problema: É questionador e tende a rejeitar o que é tido como conhecido; visto pelos outros como diferente e fora de compasso. Seu pensamento e ação divergentes não são sempre apreciados, podendo levar à rejeição por parte dos pares.

·     Característica: Intensa concentração; longos períodos de atenção em áreas de interesse; comportamento dirigido a metas; persistência.

æ  Problema: Resiste à interrupção; neglicencia deveres ou pessoas durante períodos de interesse focalizados; obstinação.


·     Característica: Sensibilidade e intensidade emocionais; empatia com os outros; desejo de ser aceito pelos outros.

æ  Problema: Sensibilidade excessiva à crítica e/ou à rejeição dos colegas; espera que os outros tenham valores semelhantes; sente-se diferente e alienado.


·     Característica: Independente; prefere trabalho individualizado; confiante em si mesmo.

æ  Problema: Pode rejeitar o que é imposto pelos pais ou colegas; não conformista.


Subrendimento Escolar e Distúrbios de Aprendizagem em Alunos Superdotados


À primeira vista parece paradoxal falar do superdotado com subrendimento escolar e/ou distúrbios de aprendizagem, uma vez que a característica mais conhecida deste grupo seria seu desenvolvimento intelectual superior. No entanto, há crianças que, apesar de demonstrarem dificuldades de aprendizagem, que podem ser, inclusive, muito graves,  demonstram, não raro fora do ambiente escolar, um desempenho superior em alguma atividade que lhe é particularmente motivadora. A literatura internacional tem dado, nos últimos anos, especial atenção a este grupo, a que se denomina “superdotados subrealizadores” (underachieving gifted), do qual também fazem parte o GLD (Gifted/Learning Disabled) ou SDA (Superdotado com Distúrbios de Aprendizagem). São lembradas como SDA pessoas que se destacaram no âmbito de suas contribuições ao nível mundial, como Thomas Edison, Albert Einstein e Auguste Rodin, mas que também apresentavam dificuldades para ler, escrever e soletrar (Karnes & Johnson, 1991; Yewchuk, 1993; Yewchuk & Lupart, 1993).

Antes de abordarmos os aspectos mais particulares do superdotado com Distúrbio de Aprendizagem, vamos caracterizar o grupo dos superdotados que não apresentam um  desempenho acadêmico correspondente ao nível de seus talentos e habilidades. 


Subrendimento escolar

Um dos mitos mais difundidos a respeito da superdotação é o de que se o indivíduo é realmente superdotado, esta condição emergirá por si própria, e que a criança apresentará sempre alto desempenho, independentemente das suas condições ambientais e emocionais. Nada mais longe da verdade. A literatura tem demonstrado que a superdotação, por si só, não garante sucesso educacional ou produtividade criativa, e que são as condições relacionadas aos ambientes familiar e escolar, assim como as relações com os colegas, os maiores determinantes do desempenho acadêmico do superdotado, seja em direção das suas reais possibilidades, ou em direção ao subrendimento e fracasso escolar (Karnes & Johnson, 1991; Rimm, 1991).

A grande discrepância entre o desempenho acadêmico do aluno (as notas obtidas na escola) e as manifestações do seu alto potencial (sejam alto Q.I., produtividade criativa ou elevado desempenho em áreas artísticas, de liderança ou psicomotoras) caracterizam estes alunos como superdotados subrealizadores (Butler-Por, 1993). Esta condição é o resultado de complexas interações entre o ambiente e as variáveis de personalidade do indivíduo.

Butler-Por (1993, p. 652) ressalta alguns fatores que se constituem ambiente de risco para a subrealização ou fracasso escolar: a rejeição da criança, seja na gravidez, seja em seu desenvolvimento, de forma consciente ou não pelos pais; a comparação da criança com seus irmãos, feita de forma negativa ou depreciativa; a falta de apoio e reforçamentos apropriados nas diversas situações de vida da criança; o divórcio ou separação dos pais, quando tumultuada ou litigiosa; expectativas irrealísticas dos pais sobre a capacidade da criança; excessiva pressão parental para que o filho atinja os níveis esperados; atitudes inconsistentes dos pais a respeito das realizações da criança; falta de segurança e estabilidade no lar. Estes fatores, combinados ou separados, podem gerar reações emocionais adversas na criança, como autoconceito negativo, insegurança, comportamento social inadequado, hostilidade e agressão, expressos pela alta necessidade de afiliação e busca constante de atenção tanto em casa como no ambiente escolar. Encontra-se também em risco de fracasso escolar a criança altamente criativa, que pode encontrar relutância em seu ambiente para aceitar seu pensamento divergente e inconformismo, geralmente fonte de tensão e conflito com seus pais e professores.

Whitmore (1986) pondera que toda criança gosta de aprender e de se sair bem na escola e, principalmente no caso dos superdotados, de buscar a excelência em alguma área do conhecimento que é valorizada pessoal e socialmente. Não se trata de dizer que a criança é desmotivada; na verdade, ela apenas desloca sua motivação das atividades escolares para outras atividades que lhes são mais compensadoras, tais como interação social e devaneio. Talvez sejam estas uma forma de obter alívio da pressão para buscar a excelência, ou aumentar o conforto pessoal na tentativa de proteger seu autoconceito do medo do fracasso ou mesmo medo do sucesso.

Ambientes escolares não apropriados também colocam a criança em risco de subrealização escolar. Seeley (1993) ressalta que muito do fracasso escolar do aluno é devido ao fracasso da própria escola em prover ambientes de aprendizagem apropriados para as crianças em seus diferentes estilos de aprendizagem. Para tal, seria necessário que professores e pais trabalhassem juntos, promovendo as modificações necessárias ao atendimento tanto das necessidades especiais da criança superdotada, quanto oferecendo a ela o necessário suporte e apoio. Modificando o programa escolar neste sentido, a motivação para um bom desempenho acadêmico certamente irá aumentar. Conforme pontua Whitmore (1986), a motivação para realização é a resposta normal e esperada que segue o desejo da criança de obter conhecimento, habilidades específicas, se tornar competente e obter sucesso em metas valorizadas, de forma a ter suas necessidades especiais adequadamente atendidas. O correto diagnóstico do que acontece no ambiente que a dificulta desenvolver o seu potencial de forma plena é de fundamental importância para reverter o dramático quadro da subrealização em alunos superdotados.


Distúrbios de aprendizagem em alunos superdotados


Tradicionalmente, aqueles alunos que apresentam uma substancial discrepância entre o desempenho acadêmico e suas reais habilidades são diagnosticados como portadores de Distúrbios de Aprendizagem (Baum, 1984; 1988; Baum & Owen, 1988). No entanto, tal diagnóstico fica ligado à questão de como reconhecer e avaliar o potencial individual acuradamente (Butler-Por, 1993) em um grupo de alunos que, pela própria natureza do distúrbio, têm suas habilidades verdadeiras mascaradas. Para compreender melhor o problema, vamos inicialmente caracterizar os dois grupos separadamente: o portador de Distúrbios de Aprendizagem e o Superdotado com Distúrbios de Aprendizagem, já que este último compartilha com os primeiros diferentes aspectos,como por exemplo, características comportamentais e motivacionais.


O portador de distúrbios de aprendizagem

A definição oficial americana de Distúrbios de Aprendizagem, de 1975, define as categorias de excepcionalidade e sugere procedimentos apropriados de identificação e educação. Os alunos com distúrbios de aprendizado são definidos como

“... aquelas crianças que apresentam uma desordem em um ou mais processo psicológico básico envolvido no entendimento e uso da linguagem, falada ou escrita, cuja desordem pode se manifestar na habilidade imperfeita para ouvir, pensar, ler, escrever, soletrar ou fazer cálculos matemáticos. Tais desordens incluem condições como deficiências perceptuais, dano cerebral, disfunção cerebral mínima, dislexia e afasia desenvolvimental. O termo não inclui crianças com problemas de aprendizagem resultantes principalmente de deficiências visuais, auditivas ou motoras, de retardamento mental,  de distúrbio emocional ou deficiências ambientais, culturais ou econômicas.

Uma equipe pode determinar que uma criança tem uma dificuldade de aprendizagem se (1) a criança não apresenta um desempenho acadêmico de acordo com o esperado para sua idade e níveis de habilidade em uma ou mais áreas [sete das quais estão especificadas - expressão oral ou escrita, compreensão auditiva, compreensão ou habilidade de leitura básica, cálculo e raciocínio matemáticos] quando provida com experiências de aprendizagem apropriadas para sua idade e níveis de habilidade; e (2) a equipe percebe que a criança tem uma severa discrepância entre desempenho acadêmico e habilidade intelectual em uma ou mais destas áreas” (Baum, Owen e Dixon, 1991, p. 8).

A definição oficial, no entanto, gerou discordâncias no campo dos Distúrbios de Aprendizagens (DA), pois deixa de considerar questões como: o tamanho da discrepância para que o indivíduo seja considerado portador de DA; a não inclusão dos  adultos na definição; a probabilidade do déficit nem sempre envolver disfunções do sistema nervoso ou problemas com os processos psicológicos; e finalmente o fato de que também crianças com outras deficiências ou desvantagens poderiam apresentar este distúrbio  (Baum & cols., 1991).

Para combater a confusão criada por essa definição, outras organizações profissionais propuseram suas próprias definições, como, por exemplo, a Associação para Crianças e Adultos com Distúrbios de Aprendizagem - ALCD - que define Distúrbios de Aprendizagem Específicos como

“... uma condição crônica de origem presumivelmente neurológica que interfere seletivamente no desenvolvimento, integração e/ou demonstração de habilidades verbais e/ou não verbais... Distúrbios de Aprendizagens Específicos existem como uma condição incapacitante  mesmo na presença de inteligência média ou superior, adequados sistemas sensorial e motor, e adequadas oportunidades de aprendizagem. A condição varia em sua manifestação e no grau de severidade... No decorrer da vida, esta condição pode afetar a auto-estima, a educação, a vocação, a socialização e/ou as atividades da vida diária do indivíduo” (Baum & cols., 1991, p. 10).

Esta definição enfatiza alguns pontos interessantes, como:

a) É uma condição de origem neurológica bastante específica, e não geral, apesar de suas múltiplas manifestações;

b) afeta ou interfere com algumas habilidades, deixando outras intactas, independente do grau de inteligência aferido;

c) apresenta-se em variados graus de severidade na população e pode afetar não só a vida acadêmica do seu portador, como também a vida familiar e social, com repercussões na sua vida adulta.


Romero (1995) investigou, na literatura, as relações sociais das crianças portadoras de Distúrbios de Aprendizagem em comparação com as não portadoras de DA. Observações sistemáticas na escola revelaram que estas crianças apresentam maior nível de distração e são mais dispersivas, apresentando comportamentos inadequados (levantam-se, falam em momentos não oportunos, gritam, incomodam os demais, etc.), além de participarem menos das tarefas e atividades de grupo. Testes sociométricos realizados no contexto escolar também apontaram este grupo como sendo pouco popular, rejeitado ou ignorado pelos colegas, principalmente quando se trata de trabalhos de grupo, por serem eles mais agressivos, menos hábeis na realização das tarefas escolares, incomodarem mais os outros na sala-de-aula e demandarem maior proporção da atenção do professor, o qual passa a ter uma conduta fundamentalmente corretiva. Por sua vez, os professores tendem a avaliar de forma negativa os portadores de DA  e a ter baixas expectativas quanto ao seu futuro. Observa-se que esta postura, comum entre professores, faz com que este deixe de ser um modelo adequado, afetando não só o rendimento escolar da criança, como também suas relações sociais. Assim, em sala-de-aula teremos um aluno mais agressivo, dispersivo, menos atento às tarefas escolares, com menos habilidade para compreender e participar das conversações em aula, menos responsável, menos discreto, com menos tato social, com menos habilidades para enfrentar situações novas, mais frustrado  e mais rejeitado socialmente (Romero, 1995, p. 74).

O fato das crianças portadoras de Distúrbio de Aprendizagem  demandarem mais a atenção do professor pode ser confundido com a questão da criança dependente, mas não portadora da condição. Rimm (1991) compara a criança dependente com a portadora de DA, e relaciona as seguintes diferenças entre os dois grupos:

a)    Enquanto a criança dependente (D) pede explicações regularmente, com relação a qualquer matéria, a criança portadora de Distúrbio de Aprendizagem  (DA) o faz somente na área em que tem dificuldade.

b)   D faz perguntas sobre instruções dadas, independente do estilo de ensino/aprendizagem usado pelo professor, seja ele auditivo ou visual; já o DA necessita de instruções apenas no estilo contrário ao seu (ou visual ou auditivo, mas não ambos).

c)    As perguntas de D não são específicas do material utilizado, parecendo serem feitas apenas para chamar a atenção do professor; já o DA faz perguntas específicas e, uma vez explicado o processo, passa a trabalhar eficientemente.

d)   D mostra desorganização ou lentidão, mas torna-se mais eficiente quando recebe reforço, o que não acontece com o DA, cujo progresso não se dá em função de reforçamento.

e)    A criança D trabalha apenas com um adulto por perto; o DA trabalha independentemente, uma vez que o processo tenha sido claramente explicado.

f)     Testes individuais e medidas de aprendizagem demonstram que a criança D é capaz de aprendizagem, tendo seu desempenho melhorado com o encorajamento e suporte da pessoa que administra o teste. Testes individuais ou grupais aplicados ao DA demonstram falta de habilidades específicas, que não se aprimoram com o encorajamento.

g)   D exibe uma linguagem corporal do tipo “pobre de mim” (lágrimas, desamparo, sentimentos de mágoa) regularmente, frente a um novo trabalho; a atenção do adulto (que geralmente é alguém em especial, não todos os adultos) serve para facilitar tais sintomas. Já a criança DA pode  exibir tais sintomas apenas nas tarefas relacionadas às suas áreas deficientes e, mesmo com a atenção seletiva de um professor mais solícito, o desempenho na tarefa ainda se mostra inadequado; no entanto, o DA aceita desafios em suas áreas fortes.

h)   Os pais de D relatam lamentações, reclamações, busca de atenção, acessos de temperamento e falta de espírito esportivo em casa; pais de DA encontram mais esporadicamente estes mesmos sintomas.

i)      D tem dificuldades em aprender em grupo, mesmo quando o modelo instrucional é variado; já o DA, apesar de ter uma aprendizagem mais efetiva individualmente, pode vir a aprender eficientemente em grupo, quando suas deficiências são levadas em consideração ao ser instruído.

 É evidente que também a criança com reais distúrbios de aprendizagem pode se tornar dependente, o que pode ser percebido quando ela passa a  produzir ou realizar seus trabalhos escolares apenas quando tem o apoio de um adulto, independente do material que lhe é apresentado.

Para Romero (1995) as alterações nas relações sociais das crianças com distúrbios de aprendizagem poderiam se dar em função das seguintes influências separadas ou combinadas:

a) Percepção e compreensão das situações sociais - A criança com DA teria dificuldades em perceber e compreender corretamente  as situações sociais, os pensamentos, sentimentos e motivos dos outros, tendo também dificuldades em entender perspectivas alheias  em situações sociais.

b) Déficits emocionais - a motivação para o sucesso estaria sendo negativamente afetada pela história de repetidos fracassos e pela tendência de se deixar guiar passivamente pelos outros, afetando também seu interesse pelas aprendizagens e atividades escolares.

c) Percepção de si mesmo e dos demais - a criança com DA tenderia a superestimar as capacidades e habilidades dos demais, o que se refletiria numa baixa auto-estima, cujos aspectos definidores (sentimentos de fazer parte de um grupo, reconhecimento do valor pessoal por parte dos demais e conhecimento das próprias habilidades e competências) estariam negativamente desenvolvidos. Os elevados níveis de ansiedade e o baixo desempenho acadêmico fortaleceriam ainda mais a percepção negativa de si mesma, perfazendo um ciclo de difícil ruptura.

d) Déficits-excessos condutuais - é ainda possível que os problemas sócio-emocionais da criança portadora de DA estejam apoiados em suas dificuldades motoras e de autocontrole para dar respostas adequadas e oportunas aos diferentes ambientes e situações. Isto seria responsável por distúrbios de conduta, hiperatividade, agressividade, condutas dispersivas, retração social e outros comportamentos considerados negativos no ambiente escolar.


Uma vez caracterizados os Distúrbios de Aprendizagem, passemos a entender o superdotado que apresenta esta condição. Como veremos a seguir, o superdotado com Distúrbio de Aprendizagem  (SDA) compartilha com o grupo típico de alunos que apresentam DA as mesmas áreas de deficiência, ao mesmo tempo em que apresentam habilidades distintamente acima da média em uma ou mais áreas.


O superdotado com distúrbios de aprendizagem (SDA)

Dois estudos de caso bastante interessantes que retratam a realidade de crianças superdotadas com Distúrbio de Aprendizagem (SDA) são apresentados por Baum e cols. (1991).

Um deles é o de um garoto de nove anos de idade, chamado Jimmy. Dado como mentalmente retardado na pré-escola, Jimmy experenciou grande dificuldade para ler e escrever. Possuidor de uma concentração bastante limitada, ele se distraía com tudo e com todos; freqüentemente se queixava de dores de cabeça ou de estômago para não ir à escola, que detestava. Ao ser testado pela equipe escolar por ocasião da primeira série, obteve uma pontuação de 134 no WISC-R (Wechsler Intelligent Scale for Children, Revised), o que caracteriza uma  habilidade intelectual  muito superior à média. Jimmy foi recomendado para o programa de enriquecimento para superdotados em sua escola, cujos objetivos se focalizavam nas áreas fortes e nos interesses da criança, e não em seus déficits e pontos fracos.  Na quarta série, Jimmy resolveu que iria ser pesquisador e fez um projeto sobre a necessidade do uso de capacetes para bicicleta; montou seus dados com a ajuda de pessoal especializado na universidade, e levou seu projeto para o departamento de polícia. Naquele ano, os pais de Jimmy relataram, emocionados, uma forte mudança nas atitudes da criança com relação à escola, motivação e realização acadêmica, e o grande esforço que passou a colocar nas atividades de ler e escrever.

O caso de Neil, relatado pelos mesmos autores, também ilustra adequadamente o SDA. Para Neil, um adolescente que cursava o 2o grau, a escola era como “um jogo de basquete, completamente irrelevante para a vida” (p.2). Seus professores o descreviam como preguiçoso, embora sentissem que ele poderia fazer mais se aplicasse mais. Seus colegas o viam como o palhaço da classe, e ele próprio se percebia como desajeitado. Neil começou a ter dificuldades na 4a série, e a partir daí sentiu muita dificuldade em acompanhar a turma. Entrou em depressão e seu estado psicológico era tão precário que se tornou necessário a ajuda de um psicólogo. A avaliação educacional demonstrou que Neil apresentava Distúrbio de Aprendizagem, que se manifestava em dificuldade de organização escrita e de realizar tarefas seqüenciais de álgebra e matemática; mas que também era um adolescente bastante sensível, perceptivo e criativo, com alta inteligência. Suas preocupações e interesses eram de natureza mais global, transcendendo os interesses de seus pares. Por exemplo, munido de sua câmara fotográfica, Neil buscava captar as diversas disposições de humor das pessoas, e assim perseguia seus interesses extra-curriculares com entusiasmo e compenetração. Passou a se oferecer para fotografar festas e ocasiões, e seus ensaios fotográficos lhe valeram prêmios em competições de fotógrafos amadores. Aprendeu sozinho a tocar piano e violão, passando horas tocando para seu próprio divertimento. Na escola, fez um criativo ensaio fotográfico mostrando a profundidade dos seus sentimentos sobre o tema “Como eu me sinto a respeito da escola”, uma vez que se sentia incapaz de realizar tal tarefa através da escrita.

 Como pode ser visto através destes estudos de caso, o SDA (superdotado com Distúrbio de Aprendizagem) exibe fortes talentos e habilidades em algumas áreas (como pensamento abstrato e resolução de problemas) e fraquezas e deficiências em outras (como memória e habilidade perceptual). Sem o devido acompanhamento escolar, esta dicotomia pode levar a severos problemas de comportamento, depressão e falta de esforço nas atividades escolares (Baum, 1984; 1988). É especialmente confuso para os próprios indivíduos se perceberem como portadores tanto de altas habilidades quanto de problemas de aprendizagem, o que leva a sentimentos de desamparo e frustração, baixo autoconceito e perda de confiança em si mesmos (Baum & Owen, 1988). Na escola, estes alunos são geralmente agressivos, bagunceiros, não fazem as tarefas escolares, e quando o fazem, tendem a ser relaxados e pouco esforçados.  Buscando a perfeição, estes alunos estabelecem altos padrões para si mesmos, e quando não podem atingi-los, sentem-se fracassados. Sentimentos de desconforto, embaraço e vergonha, intensa frustração e raiva, assim como dificuldades interpessoais com os pares, professores e com a família são também características dos SDA, que podem se transformar em dificuldades emocionais e comportamentais (Gunderson, Maesch & Rees, 1987; Yewchuk & Lupart, 1993).

Em ambientes não-acadêmicos, porém, os mesmos alunos imprimem consideráveis esforços para atingir as metas relacionadas a seus hobbies e interesses; mostram ser ativos solucionadores de problemas, pensadores analíticos e demonstram forte motivação para a realização das tarefas (Baum & cols., 1991).

Isto sugere que as dificuldades se originam não apenas na inabilidade do aluno em prestar atenção, mas também em um ambiente insensível às reais necessidades e pontos fortes destes alunos. O ambiente escolar, como tradicionalmente o conhecemos, é claro a respeito de suas demandas: os alunos devem ser dóceis, permanecerem concentrados, passivos e quietos por longos períodos e interessados naquilo que o professor está interessado. Assim, na escola tradicional, o SDA encontra-se em duplo risco: pelo lado superdotado, tem urgência em descobrir, entender e dominar, preferindo engajamento ativo na situação de aprendizagem; pelo lado DA, quando a matéria é vista como aversiva, frustrante ou não-significativa, e quando seus estilos preferenciais de aprender não são contemplados na tarefa acadêmica, seus níveis de atividade tendem a aumentar a patamares não permitidos no ambiente escolar, tomando, muitas vezes, a forma de hiperatividade.

Baum e cols. (1991) explicam a discrepância entre os pontos fortes e fracos dos  SDA através da Inteligência Integrativa e Dispersiva.

Inteligência Integrativa é a capacidade de entender e descobrir padrões e conexões em amplas extensões de informação, o que permite ao aprendiz resolver problemas de formas diferentes e criativas. O pensamento integrativo mantém intactos os princípios essenciais, padrões e conexões de uma área do conhecimento, mesmo que suas partes tenham sido mudadas, experimentadas, manipuladas ou vistas de uma perspectiva totalmente nova. Atividades escolares que exigem escrita criativa, compreender a idéia subjacente a uma estória, fazer conclusões, entender quando somar, subtrair, dividir ou multiplicar, planejar e conduzir um experimento científico, construir uma maquete, desenhar num mural, entre outras, pressupõem pensamento integrativo, um sentido do todo e de como suas partes se juntam para formar um todo significativo. Os SDA demonstram ter pouca ou nenhuma dificuldade com relação a este tipo de tarefa.

Por outro lado, a Inteligência Dispersiva é a que nos permite lembrar e usar fatos isolados e associações que não necessariamente precisam fazer sentido em um todo maior, tais como o número do seu telefone ou o nome daquele artista que pintou  a Mona Lisa; ou perceber como uma determinada palavra é soletrada, não importando se o  som emitido segue outra lógica - a palavra táxi, por exemplo, pode ser percebida como t-á-q-u-i-s-i, embora apenas a seqüência t-a-x-i seja considerada correta.

Observa-se que a Inteligência Integrativa é amplamente recompensada na escola. Não importa quais outras coisas surpreendentes a criança possa fazer, pois se ela não conseguir dominar os detalhes dispersivos da leitura, escrita, aritmética, tudo o mais perde a significância (Baum & cols., 1991). Em suma, superdotados com Distúrbio de Aprendizagem  tendem a ter como área intelectual forte a Inteligência Integrativa, que os permitem ver padrões subjacentes e conexões em amplos conceitos e idéias abstratas. Em contraste, eles demonstram uma inabilidade em desempenhar bem tarefas que envolvem a Inteligência Dispersiva, como lembrar de fatos isolados e fazer associações para as quais não percebem conexões. Como já mencionado, esta discrepância explica porque alunos SDA têm tanta dificuldade com tarefas relativamente simples enquanto desempenham com facilidade tarefas mais criativas e complexas.

Assim, estas crianças necessitam ser corretamente identificadas tão logo demonstrem dificuldades no âmbito escolar, devendo ser planejadas atividades que venham a satisfazer tanto suas necessidades educacionais quanto suas áreas de interesse e produção criativa. Esta proposta de atendimento não deve ocorrer em um ambiente de remediação e sim em um programa que ofereça o desafio necessário para que estes alunos suplantem suas próprias dificuldades e possam trabalhar utilizando seus pontos fortes como apoio (Baum, 1984; Wees, 1993).

Yewchuk (1993) pontua que a identificação destas crianças pode se tornar difícil, uma vez que crianças com talentos excepcionais podem desenvolver estratégias para compensar as áreas deficientes, que só aparecerão se forem realmente severas. Daí a grande necessidade dos professores estarem conscientes das características dos SDA. O ideal seria que estes alunos tivessem oportunidade de participar de um programa de enriquecimento (Gunderson & cols., 1987; Yewchuk & Lupart, 1993), o que, infelizmente, é ainda uma utopia no caso do Brasil.

Testes como o WISC-R tendem a mostrar, no grupo de crianças SDA, maiores pontuações nas medidas de conceituação/compreensão verbal (Similaridades, Vocabulário, Compreensão) e pontuações mais baixas nas medidas de seqüenciação/concentração (Aritmética, Códigos e Seqüência numérica) (Baum & cols., 1991; Gunderson & cols., 1987; Yewchuk, 1993; Yewchuk & Lupart, 1993). Mas, da mesma forma que o grupo de superdotados, as crianças SDA não são um grupo homogêneo, podendo mostrar padrões bastante diferentes entre si. Esta é, pois, uma área que necessita ser melhor investigada.

          Yewchuk e Lupart (1993) recomendam que a identificação dos alunos SDA seja feita em dois estágios. No primeiro estágio devem ser feitas entrevistas e testes para identificar o grau de inteligência, criatividade, nível de desempenho acadêmico e autoconceito do aluno, e entrevistados o professor e os pais a respeito das características do aluno. Em um segundo estágio, o aluno é convidado para uma entrevista de longa duração (2 a 2 ½ horas), durante a qual ele realiza algumas atividades  acadêmicas e todo o material escolar significativo é também examinado. Procura-se observar ainda como ele organiza, desenvolve ou lida com tarefas acadêmicas, identificando também seu estilo cognitivo pessoal de aprender e sua auto-percepção como aprendiz. Com base nos dois estágios, deve-se delinear um programa específico para o aluno, onde suas áreas fortes serão reforçadas e as fracas trabalhadas, com o auxílio dos pais e professores.

          O aluno que apresenta a condição dupla de ser superdotado com dificuldades de aprendizagem necessita de apoio psicológico especializado. Mendaglio (1993) considera o domínio afetivo o aspecto mais importante de toda a intervenção com este grupo, devido às implicações que acarreta nas outras esferas do funcionamento do indivíduo. Na área de aconselhamento, o “currículo” deve enfocar tópicos como habilidades de comunicação, conceitos relativos à mudança comportamental, auto-estima, autoconsciência e aceitação de si e dos outros. Pais e professores devem também ser engajados no processo de dar suporte afetivo à criança e trabalharem juntos na obtenção dos mesmos objetivos.



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