Extraído do site : http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1677-04712009000200011&script=sci_arttext
Texto de autoria de :
Izabel Hazin ; Síntria Labres Lautert ; Jorge Tarcísio da Rocha Falcão ; Danielle Garcia ; Ediana Gomes ; Mariana Borges
Izabel Hazin ; Síntria Labres Lautert ; Jorge Tarcísio da Rocha Falcão ; Danielle Garcia ; Ediana Gomes ; Mariana Borges
I Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Natal, Brasil
II Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil
II Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil
A contribuição da Escala Wechsler de Inteligência para Crianças
(WISC-III), não com o objetivo único de encontrar escores de QI que
quantifiquem e, portanto, embasem a atribuição do diagnóstico de altas
habilidades, mas sobretudo na compreensão do perfil cognitivo de crianças com
altas habilidades no domínio intelectivo. Tal ferramenta de avaliação deve ser
considerada instrumento auxiliar apto, por seu rigor e pressupostos teóricos de
construção (Primi, 2003), a contribuir para o avanço na compreensão acerca do
funcionamento interdependente das funções psicológicas superiores neste
subgrupo específico. A escolha por esta escala é justificada pela anuência em
relação à concepção de inteligência proposta por seu autor, David Wechsler,
para quem a inteligência é mais um efeito do que uma causa, podendo ser
descrita como um conjunto de componentes intelectivos e não-intelectivos que
permitem ao sujeito agir intencionalmente, pensar e lidar com o seu ambiente
(Nascimento & Figueiredo, 2002).
A Escala Wechsler de Inteligência para Crianças (WISC-III), padronizada
para a população brasileira por Vera Lúcia Marques de Figueiredo e publicada em
2002 (Cruz, 2005), é composta por 12 subtestes, distribuídos em dois grupos:
verbal e de execução. Os escores brutos obtidos nos subtestes são transformados
em escores ponderados que juntos fornecem o QI total (QIT), o QI verbal (QIV), no
caso dos subtestes verbais e o QI de execução (QIE), no caso dos subtestes
não-verbais, além de quatro Índices Fatoriais: Compreensão Verbal (ICV),
Organização Perceptual (IOP), Resistência à Distração (IRD) e Velocidade de
Processamento (IVP).
O WISC-III tem sido largamente utilizado por psicólogos e
neuropsicólogos no âmbito da avaliação de grupos especiais (Fiorello, Hale,
McGrath, Ryan, & Quinn, 2002; Simões, 2002). Estudos realizados com
crianças diagnosticadas com transtorno do déficit de atenção/hiperatividade
(TDA/H), autismo de alto e baixo funcionamento e altas habilidades têm
demonstrado que nestes subgrupos os desempenhos encontrados nos Índices
Velocidade de Processamento (IVP) e Resistência à Distração (IRD) são mais
baixos que os dos Índices Organização Perceptual (IOP) e Compreensão Verbal
(ICV), com destaque para o subteste Código onde são encontradas as pontuações
mais baixas (Calhoun & Mayes, 2005; Mayes & Calhoun, 2007; Naglieri,
Goldstein, Iseman, & Schwebach, 2003).
Conclusões
A utilização do WISCIII na identificação e
compreensão do funcionamento intelectivo de crianças com altas habilidades tem
gerado certa polêmica, notadamente em torno de dois aspectos centrais, a saber,
a discrepância entre os escores encontrados para o QI verbal (QIV) e o QI de
execução (QIE) na população de crianças com altas habilidades (Sweetland,
Reina, & Tatti, 2006; Legree, Pifer & Grafton, 1996) e a ênfase do
WISC-III na dimensão da velocidade de processamento das respostas (Fishikin
& Kampsnider, 2000; Winner, 2000; Kaufman, 1992) que poderia estar
subjacente à discrepância supracitada.
Tais discrepâncias podem ser igualmente
problematizadas a partir das proposições de Winner (2000), para quem alguns
mitos acerca das altas habilidades, foram historicamente construídos, dentre os
quais se destacam dois, diretamente relacionados com o estudo ora apresentado,
a saber: (i) a crença segundo a qual crianças com altas habilidades no domínio
intelectual apresentam um desenvolvimento homogêneo de todas as funções cognitivas;
(ii) a expectativa de que a capacidade intelectual e o desempenho
escolar/acadêmico sejam fortemente correlacionadas.
Nesta direção, estudos desenvolvidos com
crianças com altas habilidades mostraram que a superioridade em determinadas
habilidades pode conviver com o déficit e que comumente tais crianças
apresentam assincronias no seu desenvolvimento que não se referem apenas à
distância entre a capacidade intelectual e a idade, mas igualmente a
assincronias entre os domínios da linguagem e da visoespacialidade (Colangelo;
Kerr; Chrstnsen & Maxey, 1993; Winner & Casey, 1993) ou do raciocínio
lógico-matemático quando comparado ao desenvolvimento psicomotor (Silverman,
2007; Pérez, 2004) o que levou Geschwind e Galaburda (1987) a cunharem o termo
"patologia da superioridade".
Condizente com tais reflexões,
pesquisas desenvolvidas com crianças com altas habilidades discutem que tal
subgrupo pode vir a apresentar dificuldades de aprendizagem como conseqüência
de déficits atencionais, de funcionamento executivo, de linguagem e/ou de
memória (Silverman, 2007; Rech & Freitas, 2005; Webb & Dietrich, 2005).
Entretanto, crianças com altas habilidades mobilizam mecanismos que mascaram
tais déficits, tornando os mesmos imperceptíveis no contexto de uma investigação
generalista (Robinson, Zigler & Galagher, 2000). Tais aspectos refletem as
dificuldades envolvidas na identificação da criança com altas habilidades e
conseqüentemente vêm exigir esforços em termos de problematização, discussão e
aprofundamento das técnicas e instrumentos utilizados para circunscrever o
fenômeno das altas habilidades.
Os déficits acima referidos podem
igualmente ter relação com escolhas de crianças com altas habilidades
intelectivas por atividades sócio-culturais que ressaltam os pontos fortes
deste subgrupo, assim como o afastamento destes dos esportes e da dança, o que
contribui para as dificuldades de socialização vivenciadas por estas crianças.
Salienta-se por fim que o presente estudo
demonstrou que o WISC-III é um instrumento a ser utilizado não apenas na busca
do cômputo de QIs e Índices Fatoriais, mas essencialmente é uma ferramenta que
contribui para a compreensão do funcionamento cognitivo de subgrupos
específicos, destacando pontos fortes, mas também fornecendo pistas relevantes
sobre o perfil cognitivo de tais subgrupos, que podem contribuir para a
proposição de projetos de intervenção junto a estes. No caso das altas
habilidades, tais contribuições não têm necessariamente o objetivo de
aceleração do desenvolvimento, mas especialmente de oferta de situações de
aprendizagem que contemplem as assincronias de desenvolvimento cognitivo aqui
empiricamente demonstradas, contribuindo para minimizar tais assincronias
características do seu funcionamento e, conseqüentemente, subsidiando uma
socialização mais eficaz destas crianças.
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