Legislação permite,
mas não esclarece em que casos a aceleração de estudos é recomendada. Sem
orientação, professores e gestores evitam medida que pode ser essencial a
alguns alunos
Priscilla Borges-
iG Brasília | 13/12/2012 05:00:00
Para Thiago Amorim, 15
anos, estudar e aprender foram tarefas quase naturais, de tão simples. Sabia
todas as letras do alfabeto com um ano e sete meses. A constatação feita por
uma tia, que trabalhava com ensino especial, o fez participar de um programa da
Secretaria de Educação do Distrito Federal para superdotados.
O acompanhamento ensinava aos pais como lidar com
uma criança tão precoce e estimulava o então bebê na dose certa.
Aos três anos, a
leitura fluente, sem nenhum tropeço, espantava a mãe, a professora Vânia Amorim
Nogueira. Quando chegou o momento de matriculá-lo em uma escola, Vânia, que é
da rede pública, tentou vagas em um colégio público para o seu filho. Inúmeros
laudos de psicólogos e educadores que acompanhavam Thiago orientavam o futuro
colégio a matriculá-lo em uma série de alfabetização, mesmo com cinco anos.
Em todas as
tentativas, Vânia ouviu “não” como resposta. Para gestores, diretores e
coordenadores, acelerar os estudos de uma criança tão pequena era quase um
tabu. “Há resistência. Mesmo com os laudos, os diretores ficaram inseguros,
achavam que estavam fazendo algo errado. Talvez até por desconhecimento”,
reflete Vânia, que acabou matriculando Thiago em uma escola particular.
Alan Sampaio / iG Brasília
Thiago Amorim, 15
anos, começou a ler com três anos e, aos cinco, já estava alfabetizado:
"pude me desenvolver mais"
O colégio da rede privada
entendeu o que muitos especialistas defendem: crianças com altas habilidades,
em muitas situações, precisam se adequar à série não apenas pela idade. Alguns
conflitos precisam ser considerados antes da decisão. O primeiro é o
conhecimento do estudante, em geral muito superior ao dos colegas. O segundo é
a maturidade da criança, que também pode não acompanhar a da turma.
Todos os aspectos
que envolvem a rotina da criança e seu ambiente escolar devem ser avaliados por
profissionais especializados. Estudantes com altas habilidades, avançados na
trajetória escolar ou não, devem ser acompanhados por essa equipe,
especialmente quem deu um salto entre as séries. Mas, de fato, a prática é
pouco realizada. Ainda há desconhecimento sobre os benefícios dessa alternativa
para os alunos e a legislação que apoia a prática é falha.
Boas experiências,
divulgação ruim
Essas constatações
estão em uma tese de doutorado defendida este ano na Universidade de Brasília
(UnB). Apesar de comuns fora do Brasil, os estudos sobre o efeito da aceleração
na vida de crianças superdotadas são raros no País. A pesquisa da pedagoga
Renata Rodrigues Maia-Pinto, intitulada “Aceleração de ensino na educação
infantil: percepção de alunos superdotados, mães e professores”, analisa
resultados pela primeira vez no Brasil, ela conta.
Cássio acelerou os
estudos na 4ª série do ensino fundamental e concluiu o ensino médio com 16
anos. Para ele, período foi de muito aprendizado
O estudo mostra
que, a despeito da falta de informações sobre como crianças que avançaram
alguma série ao longo da vida se saíram em suas trajetórias escolares, as
experiências investigadas pela pedagoga foram positivas. No estudo, Renata
entrevistou professores, pais, mães e 12 crianças que, ainda na educação
infantil, receberam recomendações para avançarem alguma série e participavam do
programa para superdotados do DF.
“A aceleração foi
uma intervenção educacional bem sucedida para os alunos e não trouxe perdas
acadêmicas ou dificuldades socioemocionais a eles. Mas ela enfrenta resistência
porque não há informação sobre resultados, os professores não conhecem os
procedimentos de avanço de série”, critica a pesquisadora.
Renata ressalta que
a prática é recomendada aos superdotados que se deparam com um ambiente pouco
desafiador. Para Thiago, por exemplo, desenhar, pintar e aprender as letras do
alfabeto quando ele já lia tudo sozinho eram tarefas entediantes. “A escola
atendeu a uma necessidade dele, o adaptou melhor aos conhecimentos que ele
tinha. Mas toda a família recebeu acompanhamento, para que ele pudesse
amadurecer também”, conta Vânia.
Na opinião da
pesquisadora, que agora é doutora em Processos e Desenvolvimento Humano e
Educação pelo Instituto de Psicologia da UnB, é preciso regulamentar a aceleração
de estudos. “A legislação educacional brasileira ampara o superdotado, mas traz
barreiras à aceleração no primeiro ano do ensino fundamental, não define formas
ou critérios para adoção dessa prática, tampouco prevê outras modalidades de
aceleração”, diz.
A Lei de Diretrizes
e Bases da Educação, em seu artigo 24, prevê a possibilidade de aceleração de
estudos, mas reforça a possibilidade no contexto dos alunos “com atraso
escolar”. Exige o bom desempenho acadêmico para o avanço, mas não detalha
regras. Em pareceres e resoluções, o Conselho Nacional de Educação tratou do
tema, sempre destacando que a medida deve “promover o desenvolvimento da
aprendizagem e não aligeirar o seu percurso”.
Renata acredita que
os sistemas de ensino precisam pressionar por normas mais claras. “Essas
crianças precisam de apoio, de um ambiente educacional que estimule seu
potencial. E as escolas precisam entender que há mais chances de uma criança
superdotada achar pares entre crianças com o mesmo nível de conhecimento que
ela. Problemas emocionais podem acontecer independentemente da aceleração”,
ressalta.
A prática
No horário
contrário das aulas, Thiago desenvolveu projetos com os companheiros de
programa para superdotados. As atividades exploram a curiosidade das crianças,
as ajudam a desenvolver ainda mais suas habilidades e são oportunidades para
que eles convivam com “seus pares”. “Aqui, eles têm a noção de pertencimento a
um grupo, que é importante”, comenta Samuel de Oliveira José, professor de
Altas Habilidades do DF.
Thiago brinca que,
ainda na alfabetização, percebia que não era da mesma altura dos colegas. Mas
só descobriu que havia sido acelerado quando estava na 5ª série do ensino
fundamental. “Foi bom porque pude desenvolver mais meus interesses. O lado mais
difícil é o relacionamento com os colegas e agora acho que vou sair da escola
muito cedo”, afirma sorrindo. Thiago vai terminar o ensino médio com 16 anos
mal completados.
Cássio Eduardo
Silveira Xavier, de 16 anos, vive situação semelhante. Ele, no entanto, avançou
nos estudos mais tarde. Sua mãe demorou mais tempo a conseguir mostrar aos
professores que o jovem vivia um descompasso. Cássio foi acelerado quando
estava na 4ª série do ensino fundamental. O professor Samuel conta que o
estudante foi sempre “um fenômeno”. Antes mesmo de terminar o ensino médio, foi
aprovado no vestibular da UnB (no 2º ano).
Acompanhado na sala
de altas habilidades, Cássio desenvolveu projetos acadêmicos e artísticos.
Hoje, toca violão, teclado e baixo. Aprendeu tudo sozinho. “Foi importante a
aceleração e o acompanhamento. Isso modificou minha vida, aprendi muito”, diz.
O secretário de
Educação Básica, César Callegari, destaca que as regras da LDB e as normas do
CNE estabelecem a possibilidade de “reclassificação de alunos por vários
motivos”. “Mas esse é um atributo da autonomia das escolas, que precisa ser
feito mediante rigorosa avaliação”, diz. Ele lembra que não apenas o
desenvolvimento acadêmico deve ser considerado nessa decisão, mas também
possíveis ganhos sociais e emocionais da criança.
Renata reconhece
que o desafio não é simples. Em sua tese, ela define: “é uma medida complexa a
ser adotada pela escola e pela família. A ausência de regulamentação legal
sobre procedimentos de aceleração transfere para a escola a responsabilidade de
decidir em que condições a criança poderá ou não ser promovida e qual tipo de
acompanhamento será necessário”, critica.
Alan Sampaio / iG
Brasília
Thiago é acompanhado desde
bebê pelo programa de superdotados da Secretaria de Educação do Distrito
Federal. Hoje, desenvolve habilidades artísticas
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