Extraído dos sites : http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572010000200012&tlng=pt
O objetivo geral deste estudo é realizar uma investigação a respeito dos
mitos e concepções equivocadas que ainda perpassam o tema das altas habilidades
/ superdotação na atualidade, estabelecendo um paralelo com a evolução das leis
e políticas públicas voltadas para o atendimento aos superdotados no Brasil.
Para alcançar os objetivos propostos, este estudo pretende: (a) examinar a
evolução de leis e políticas públicas voltadas para o atendimento ao
superdotado no Brasil; (b) abordar os principais mitos e concepções equivocadas
que perpassam o universo das altas habilidades / superdotação, encontrados numa
revisão bibliográfica dos últimos dez anos; (c) analisar, a partir da revisão
bibliográfica realizada, se a evolução nas leis e políticas públicas favoreceu
a superação dos mitos abordados. Cabe ressaltar que, neste estudo, estão sendo
consideradas como "mito" tanto as afirmações equivocadas quanto as
crenças imaginárias sobre a superdotação. Uma definição mais específica sobre
mitos será abordada posteriormente.
Espera-se, com esse estudo, que a análise crítica da literatura consultada
possa suscitar novos questionamentos sobre o tema, favorecendo a investigação
de novas temáticas referentes a um melhor atendimento aos indivíduos com altas
habilidades. Espera-se, também, que o presente texto contribua para uma maior
sensibilização do público em geral, educadores e familiares a respeito da superdotação,
de forma que os mitos e ideias equivocadas possam ser questionados e superados,
favorecendo um atendimento mais adequado a essa parcela da população. Além
disso, espera-se que o conteúdo deste estudo possa auxiliar na implementação de
programas de atendimento às famílias, escolas, professores e todos aqueles que
lidam com a superdotação.
Atendimento às pessoas com altas habilidades e a educação especial na
perspectiva da educação inclusiva
A Educação Especial visa à formalização do direito à igualdade de
oportunidades educacionais e surge em decorrência de uma série de
transformações que foram ocorrendo na forma de atendimento às pessoas com
deficiência e, posteriormente, às pessoas com altas habilidades. Uma das ideias
que prevalecem é a do respeito às diferenças individuais e do direito à
igualdade de oportunidades, sem privilégios ou discriminações (Brasil, 2001). A
construção de políticas públicas para embasar a Educação Especial visa garantir
educação para todos, de forma a amparar ações que enfrentem desigualdades
sociais, democratizando o acesso a bens e serviços públicos, dentre eles, a
educação.
No que diz respeito à educação de pessoas com altas habilidades, será
apresentado, a seguir, um breve histórico de como esse atendimento teve seu início
no Brasil até a instituição da Educação Especial visando à inclusão.
No Brasil, a preocupação com os bem-dotados existe desde 1929, quando a
psicóloga e educadora russa Helena Antipoff sensibilizava a todos para a
necessidade de se levar em conta essa parcela da população, buscando
alternativas que pudessem favorecer o desenvolvimento pleno desses indivíduos.
O primeiro atendimento educacional especializado aos bem-dotados foi criado em
1945, por Helena Antipoff, na Sociedade Pestalozzi do Rio de Janeiro (Brasil,
2001). Dessa época até o início da década de 1970, a menção aos bem-dotados é
pouco enfatizada. Somente em 1971, acontece o I Seminário sobre Superdotação do
país, em Brasília. Neste mesmo ano, aparece, pela primeira vez, a menção ao
superdotado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, enfatizando a
necessidade de essa parcela da população receber um atendimento diferenciado:
"os superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com
as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação". (Brasil, 1971,
art 9º ).
Helena Antipoff, que foi uma das primeiras pessoas no país a se preocupar e
dar atenção ao desenvolvimento de talentos no quadro geral da Educação
Especial, sensibilizada com a realização do I Seminário sobre o tema em
Brasília, teve a motivação necessária para colocar em prática um projeto
voltado para a educação de talentosos em Minas Gerais. Em 1973, funda a "ADAV-
Associação Milton Campos para o Desenvolvimento e Assistência de Vocações de
Bem-Dotados", instituição que buscava oferecer aos jovens talentosos:
ambiente físico, educativo, cultural e social, que estimulasse e propiciasse o
desenvolvimento de suas personalidades, mediante encontros semanais nos fins de
semana, ou colônias de férias (Antipoff, 1992).
O Ministério da Educação e Cultura, ciente da necessidade de colocar em
prática a proposta de atender as necessidades diferenciadas dessas crianças e
jovens talentosos, cria, em 1973, o Centro Nacional de Educação Especial
(CENESP), órgão responsável pela gerência da Educação Especial no Brasil, que
buscava dar apoio às questões referentes ao tema da superdotação no país. Mas,
nessa época, as ações empreendidas para o atendimento às pessoas com
deficiência e às superdotadas ainda tinham características assistencialistas,
sendo empreendidas em ações isoladas por parte do governo ou de particulares.
Em 1978, cria-se a Associação Brasileira para Superdotados. Quase uma década
depois, em 1987, é publicado o documento: "A hora do superdotado: uma
proposta do Conselho Federal de Educação", apresentando orientações sobre
a superdotação, além de sugestões de programas de atendimentos para essa
parcela da população (Alencar & Fleith, 2001).
Entre as décadas de 1970 e 1990, vários programas voltados para o superdotado
surgiram em diferentes Estados, dentre eles : Bahia, Minas Gerais, Rio de
Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, Goiás, Pará, Piauí, Rio Grande do Sul e
Rondônia (Brasil, 1994) e, também, no Distrito Federal que, desde 1977, tem um
programa de atendimento voltado para os superdotados. Entretanto, essas
iniciativas ainda não garantiriam o acolhimento e efetivo atendimento dessa
clientela pelas escolas e autoridades. No que tange à educação das crianças
superdotadas, não chegou sequer a ser formulado um atendimento especializado às
suas singularidades de aprendizagem.
Em 1994, a Secretaria de Educação Especial lança a série Atualidades
Pedagógicas. Nesta, um dos volumes refere-se às "Tendências e Desafios
da Educação Especial", no qual Alencar (1993), ao comentar a dificuldade
de um atendimento realmente voltado para crianças com altas habilidades,
ressalta que "o ensino no país está voltado para o aluno médio e
abaixo da média, deixando-se de lado os alunos mais capazes" (p.
9). Em 1995, a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação
apresenta as políticas federais e as diretrizes para a educação do aluno com
altas habilidades. Em 1996, com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei 9.393 de 20 de dezembro de 1996) e o Plano Nacional da
Educação, em 2001, o atendimento à criança talentosa na rede de ensino foi
reconhecido legalmente (ressaltando a necessidade desses indivíduos de obter um
atendimento especializado que favorecesse o enriquecimento e aprofundamento dos
conteúdos, além da autorização para, quando necessário, concluírem a série ou
etapa em menos tempo do que o convencional). Um pouco antes, em 1999, a
Secretaria de Educação Especial (SEESP) publica a série Atualidades
Pedagógicas cujo grande objetivo era intensificar as ações iniciadas em
1973, embasando programas que tivessem por finalidade identificar e atender
essa clientela (Mettrau & Reis, 2007). Em 2002, o Ministério da Educação
publica um texto visando contribuir para a formação de professores: "Adaptações
curriculares em ação: desenvolvendo competências para o atendimento às
necessidades educacionais de alunos com altas habilidades / superdotação"
(Brasil, 2002, p.4). Em 2005, são criados os Núcleos de Atividades de Altas
Habilidades / Superdotação – NAAH/S no Distrito Federal e em todos os Estados.
Dessa forma, foram criados centros de referência na área, voltados para o
atendimento educacional especializado para essa clientela. Dentre os objetivos
desses centros, destacam-se: orientação às famílias e a formação continuada
para professores como forma de garantir um atendimento diferenciado para esses
alunos na rede de ensino.
Cabe colocar ainda que as decisões políticas brasileiras emanadas do
Ministério da Educação em muito foram influenciadas pela Declaração de
Salamanca, promulgada, na Espanha, em junho de 1994, sobre princípios, política
e prática em Educação Especial. (UNESCO & Ministério da Educação e Ciência
da Espanha, 1994); mais especificamente no que diz respeito à atenção
educacional dispensada ao aluno com necessidades educacionais especiais. Dentre
algumas passagens dessa declaração, ressalta-se: "cada criança tem
características, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem que
lhes são próprios". E, ainda, "os sistemas educativos devem ser
projetados e os programas ampliados de modo que tenham em vista toda gama
dessas diferentes características e necessidades" (Oliveira, 2007, p. 37)
Apesar de todo esse amparo de
leis e políticas públicas e de um crescente interesse por parte das autoridades
governamentais para com a atenção e o atendimento ao superdotado, a prática vem
sendo "bombardeada" com desafios e dificuldades. É o que salienta Melo e Rocha
(2008): "A questão, cuja ênfase incide normalmente no trato com alunos com
necessidades especiais, não é simples e apenas reflete a complexidade das
polêmicas e mudanças a enfrentar nas escolas regulares" (p. 83).
Assim, os desafios que vêm sendo colocados para a área educacional, no que
diz respeito ao desenvolvimento de altas habilidades e talentos, são grandes e
complexos. Entretanto, ao analisar a realidade nos
contextos educacionais atuais, percebe-se que o amparo dado aos educadores, no
sentido de lidarem com as crianças talentosas, tem sido limitado. Dessa forma, o professor ou não sabe identificar a
criança portadora de altas habilidades ou, quando a identifica, não sabe o que
fazer para auxiliá-la no incremento de suas habilidades (Maia-Pinto & Fleith, 2002). Isso quando
acredita que essa criança necessita de um atendimento especializado, o que nem
sempre acontece. Em muitos casos, a criança, erroneamente, é considerada
como capaz de se desenvolver e desenvolver seus estudos e talentos por conta
própria. Extremiana comenta esse mito construído a respeito da criança com
altas habilidades: "por ser superdotados tienen el êxito asegurado; no
necesitan ayuda ni en la escuela ni en hogar porque triunfan de forma natural"
(2000, p. 102). Questionando essa visão e destacando a importância de um
trabalho diferencial para esse aluno com altas habilidades em sala de aula e
sensibilizando para as possíveis consequencias ao não fazê-lo, destaca Gross:
"correm sério risco de isolamento social e rejeição dos pares, a menos que
o sistema educacional proporcione a eles um grupo de colegas baseado não em idade
cronológica, mas em habilidades, interesses comuns e nível de
desenvolvimento" (2002).
Guenter (2000), assim como Alencar e Fleith (2001) destacam a importância
do reconhecimento e estimulação do potencial dessa criança em sala de aula.
Analisando a literatura da área, percebe-se que existe uma desinformação
significativa quanto à existência dessa parcela da população e, mais ainda, da
necessidade de identificá-la e proporcionar meios de aprimorar os talentos
encontrados. Como resultado, o que se encontra é uma enorme dificuldade de
identificação e, consequentemente, de atuação efetiva e favorável junto a essas
crianças.
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