Altas habilidades/superdotação e deficiência: dupla necessidade educacional
Maria de Piedade Resende da Costa, Rosemeire de Araújo Rangni
httpp//piwik.seer.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/3484/0
O PORTADOR DE ALTAS HABILIDADES / SUPERDOTADO E A DEFICIÊNCIA:UM RELATO DE VIDA.
Haydéa Maria marino de Sant’Anna Reis (UERJ)
Maria Cláudia Dutra Lopes Barbosa
Marsyl Bulkool Mettrau
A deficiência vem, a partir deste contexto primitivo, significar uma desgraça que marcará para sempre, de alguma forma, aquele clã, aquela família ou aquele povo, através de uma incapacidade qualquer de um de seus membros. Uma vez desqualificado para as tarefas da produção executada por todo o grupo, seja por deficiência física ou mental, o sujeito marcado pelo estigma da maldição é a lembrança viva do mal que se abateu sobre estes sujeitos e um peso eterno para todos eles. Eliminá-lo seria uma forma de não tê-lo por perto exposto à delação do olhar.
A organização social do ser humano sempre privilegiou o trabalho de cada um em benefício do grupo. Do homem primitivo ao moderno, ver-se incapacitado, de uma hora para outra, por um acidente ou doença, perpetuou-se como uma desgraça que se impôs sobre este sujeito, tirando-lhe a liberdade e a capacidade de produzir.
A desqualificação imposta pelo imaginário social em relação à deficiência envolve o deficiente numa aura de incapacidade geral, produzindo um alijamento completo deste, face ao descrédito que lhe é atribuído. Se a deficiência é visual, auditiva ou motora, amplia-se na concepção das pessoas, o conceito de inoperância do sujeito, que para eles é física e mentalmente afetado. O resultado é o de que a visão da sociedade e contida nela está a escola, é a de que o deficiente é um todo incapaz e inoperante.
Nossas escolas não conseguem compreender que a criança deficiente não pode ser considerada uma inválida. A tendência do sistema é desqualificar como um todo o sujeito. Goffman (1988) diz que “tendemos a inferir uma série de imperfeições a partir da imperfeição original”. A escola desenhou uma imagem distorcida e tentou inserir nela um sujeito que, graças à atuação da família, sabia-se muito além do estereótipo que lhe queriam imputar. Este é um problema mundial, incorre-se aí, na lembrança do “imaginário social da deficiência”. Mesmo nos EUA, crianças deficientes, portadoras de altas habilidades, são muito mais focalizadas em suas deficiências do que habilidades, pela inexperiência dos professores que lidam com elas[1].
[1] DAVIS, G. & RIMM, S. Gifted Children with Handicaps. In: EDUCATION OF THE GIFTED AND TALENTED. 3. ed. EUA: Wisconsin, 1995, p. 366.
Este trabalho é um recorte do projeto de pesquisa em curso no Programa de Pós- Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos - UFSCAr. A pesquisa busca apresentar a viabilidade da dupla necessidade educacional especial : altas habilidades/superdotação e deficiência ; ou seja, queeducandos com deficiências podem possuir talento em áreas adversas àquelas que apresentam desvantagem. Os resultados preliminares do estudo apontam que educandos com deficiências têm sido atendidos nos programas educacionais acerca de sua desvantagem e não são vistos, pelo sistema educacional, com a possibilidade de apresentarem talento em outras áreas de domínio contempladas nas altas habilidades/superdotação. Verifica-se que a escassez de estudos na área contribui para que educadores e familiares desconheçam a possibilidade da dupla necessidade educacional especial.
A literatura especializada para a dupla necessidade educacional especial no que concerne às altas habilidades/superdotação e à deficiência é bastante escassa, necessitando de desenvolvimento de mais pesquisas e publicações. Em breve busca ao site do Council for Exceptional Children (CEC), há cerca de uma dúzia de artigos que trata da dupla necessidade especial, o que configura baixa produção.
Além do mais, a dificuldade de aprendizagem é enfatizada na literatura estrangeira e no Brasil não está elencada na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) a ser atendida pela Educação Especial.
E quais as dificuldades apontadas pela escassa literatura na abordagem da dupla necessidade educativa especial – talento e deficiência ? Starr (2003), Montgomery (2003) apontam o foco na “incapacidade”, procedimentos de identificação não confiáveis, exclusão de deficientes em programas para talentosos, entre outros. Diga-se de passagem, que essas autoras situam países como Austrália, Reino Unido e Estados Unidos que têm grande avanço em relação ao Brasil em matéria de programas e pesquisas.
Winstanley (2003, p.110, tradução nossa) assinala que “[...] a pesquisa neste campo é escassa e há necessidade de atualização. Procurar por material sobre crianças altamente capazes as quais são surdas, provou ser tarefa complexa.”
Porém, mesmo a questão da afluência material nos países do norte ser significativa, segundo Guenther (2006), estranhamente, Corn e Johnson (1989) citados por Starr (2003) indicam a verba como dificuldade de programas para inserir os sujeitos com deficiência em programas para talentosos nos países ricos.
Os pouquíssimos programas brasileiros para educandos talentosos, apenas, estão direcionados para o talento e não para a possibilidade dos milhares de deficientes na rede escolar terem e desenvolverem seus talentos. Starr (2003) caminha para a mesma direção.
Se a literatura internacional é escassa na área das altas habilidades/superdotação e deficiência, no Brasil é quase inexistente. No que concerne à dupla necessidade educacional especial, o caminho é mais estreito porque os educadores brasileiros não têm a consciência ou conhecimento dessa possibilidade. O desconhecimento da temática acerca das altas habilidades/superdotação, especificamente sobre as áreas de domínios, pode dificultar a extensão para além da deficiência.
Ourofino (2007, p.47) alerta que estudiosos se surpreendem ao estudar uma subpopulação entre os indivíduos altos habilidosos/superdotados – aqueles com dupla excepcionalidade (termo utilizado pela referida autora) e pontua:
Esses estudiosos buscam compreender os indivíduos superdotados que exibem processos diferenciados em seu desenvolvimento, tais como dificuldades emocionais e comportamentais, dificuldades de aprendizagem, dislexia, síndrome de Asperger, entre outras condições incompatíveis com as características de altas habilidades. Esses indivíduos geralmente fazem parte de um grupo de pesquisa que enfoca os superdotados com baixo rendimento escolar. Também nesse grupo destacam-se os superdotados com Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), uma condição típica de dupla excepcionalidade.
Deste modo, a dupla excepcionalidade ou dupla necessidade especial não se restringe na categoria de deficiências ou síndromes, vai mais além.
Se essa condição surpreende estudiosos experientes, refere-se Ourofino (2007), como se comportam os educadores e familiares ? O desconhecimento e o preconceito ainda são obstáculos para que essa parcela de educandos tenham o reconhecimento adequado.
Por outro lado, acredita-se, que os estudos referente à dupla necessidade especial sejam precários o que colabora para que o conhecimento não se dissemine entre os interessados.
Assim, corre-se os riscos desses educandos serem atendidos, apenas, em suas dificuldades obscurecendo-os em seus talentos.
Para Smith (2008) ao se referir aos alunos superdotados com deficiências, assinala pessoas proeminentes como Stephen Hawking, Beethoven, Thomas Edison Helen Keller, para citar alguns, que se destacaram independente de suas deficiências e que os preconceitos sociais em relação às pessoas com deficiências podem encobrir as potencialidades, desta forma, assinala: “Lembre-se de que, não importa qual seja a deficiência, alguém pode ter capacidades, habilidades ou criatividade excepcionais. Nunca forme uma idéia a respeito de um indivíduo baseando-se em um encontro casual.” (SMITH, 2008, p.211).
Ourofino (2007, p.51) comenta que “[...] a identificação da dupla excepcionalidade está diretamente relacionada ao processo de avaliação do indivíduo com altas habilidades/superdotação que, por sua vez, está associado à concepção de superdotação.”
Conclui-se que se a concepção de superdotação estiver na área acadêmica, por exemplo, e o educando não tiver bom desempenho, então, sua situação de alto habilidoso está comprometida. Ourofino complementa:
A literatura mostra que muitos profissionais da área médica e psicológica não estão familiarizados com as características emocionais e sociais dos indivíduos com altas habilidades/superdotação, o que leva a elaboração de diagnósticos imprecisos. Em geral, a confusão diagnóstica ocorre porque o comportamento inadequado é atribuído a uma condição patológica, em vez de comportamentos típicos dos indivíduos com altas habilidades superdotação. (OUROFINO, 2007, p.51).
No contexto das atitudes assistencialistas e filantrópicas que, ainda, permeiam a sociedade acerca das pessoas em situação de desvantagem, Negrine (2009) ao desenvolver um estudo acerca das altas habilidades/superdotação, em uma instituição para surdos, revela a necessidade da abertura de olhar para os sujeitos em situação de deficiência e assinala:
[..]estes alunos com altas habilidades/superdotação podem estar matriculados em escolas de surdos, podem fazer parte de outra cultura, outros grupos, mesmo que sejam minoritários, o que evidencia que as características de altas habilidades/superdotação podem estar presentes em tanto e tantos sujeitos, de diferentes regiões, etnias e classes, se relacionando constituindo diferentes identidades. Além disso, é necessário se pensar que estes alunos estão constituindo suas identidades nestas relações com o outro, com seus pares, e por isso o reconhecimento de suas características se torna uma maneira deste sujeito também melhor conhecer suas habilidades e suas necessidades pedagógicas. (NEGRINE, 2009, p.124-125).
Resultados e conclusão :
Os resultados preliminares do estudo indicam que educandos com deficiências têm sido atendidos nos programas educacionais acerca de sua desvantagem e não são vistos com a possibilidade de apresentarem talento em outras áreas de domínio das altas habilidades/superdotação que são : inteligência, acadêmica, criatividade, artes, liderança e psicomotricidade, de acordo com as Políticas Nacionais de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). Verifica-se que a escassez de estudos na temática (dupla necessidade educacional especial ou dupla excepcionalidade) contribui para que educadores e familiares desconheçam essa possibilidade, talvez, pela maneira assistencialista e comisseração que os educandos em situação de deficiência são vistos pela escola e pela sociedade. No entanto, muitos exemplos de superação têm sido registrados ao longo da história demonstrando que apesar das dificuldades esses sujeitos podem contribuir, e muito, com suas potencialidades.
Outra constatação, é que apesar do crescimento de alunos para as escolas regulares, face a Educação Inclusiva, os educandos são “categorizados” e atendidos, apenas, nas desvantagens que possui. Em decorrência da área do talento ser, ainda, pouco difundida entre os educadores e escassez de políticas públicas que engajem os educandos no atendimento educacional especializado, a identificação e provisão da dupla necessidade educacional especial são mais problemáticas.
Lindo artigo e linda a tese de quem a desenvolveu.. Espero que este tema seja bem ventilado pelos especialistas.. e que esta parte da população composta de superdotados deficientes tenham acesso a este tipo de informação e acompanhamento..
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