Susana Graciela Pérez Barrera Pérez[2]
Trago este texto, de autoria a Dra. Susana Graciela Pérez que, por ser longo, eu o dividi em algumas partes. Esta é a primeira parte do texto :
Resumo
Nesta recopilação dos mitos e crenças que assombram as pessoas com altas habilidades,principais responsáveis pelos prejuízos decorrentes da sua falta de reconhecimento e atendimento, analisam-se as causas, examinando-os à luz do contexto brasileiro; resgatam-se os mitos apresentados por diversos autores e outros ainda não sistematizados e propõem-se sete categorias : mitos de constituição, distribuição, identificação, níveis ou graus de inteligência, desempenho, conseqüências e atendimento, tecendo-se considerações sobre os esforços necessários para sua eliminação.
Descritores: Altas Habilidades, Superdotação, Educação Especial.
Era uma vez, um castelo mal-assombrado...
Muitas são as dificuldades que enfrentam as pessoas com altas habilidades (PAHs), a começar pela precariedade ou inexistência de atendimento, especialmente no Brasil, onde a temática tem começado a ser discutida com maior profundidade apenas nas últimas três décadas, particularmente após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1971 (Lei 5692/71) e, com maior ênfase, após a aprovação do Plano Nacional de Educação (Brasil, 2001). Esta Lei estabelece, com clareza, a população que deve ser atendida pela Educação Especial, aí incluindo as PAHs, quando refere que:
A educação especial se destina às pessoas com necessidades especiais no campo da aprendizagem, originadas quer de deficiência física, sensorial, mental ou múltipla, quer de características como altas habilidades, superdotação ou talentos (Brasil, 2001, p. 55).
e determina prazos curtos e médios (alguns deles já vencidos) para o levantamento estatístico, formação de professores, oferta de cursos de nível médio e superior e de habilitação específica, estruturação da infraestrutura física, político-administrativa e pedagógica e implantação de serviços para o atendimento multidisciplinar desta população[3]. A implantação de programas de atendimento aos alunos com altas habilidades (AHs) nas áreas artística, intelectual ou psicomotora, uma exigência deste dispositivo legal, deveria ter sido implementada até janeiro de 2002, embora ainda não tenha acontecido na maioria dos estados brasileiros, além de todas as demais ações previstas para as pessoas com necessidades especiais, cuja implementação deve ser garantida até, no máximo, o ano 2011, e que são aplicáveis às PAHs.
Estas determinações, que envolvem tanto o poder público (municipal, estadual e federal) como as instituições de ensino superior - públicas e privadas, têm chamado a atenção para esta parcela da população tão negligenciada, mas serão necessários grande sensibilização e esclarecimento destes agentes e da sociedade para que as medidas propostas no referido Plano possam contribuir para o estabelecimento de políticas públicas para as PAHs, não apenas no âmbito educacional, mas, como estabelece a lei, também no âmbito social.
Assim, um dos primeiros aspectos que devem ser aprofundados são os fatores que têm alicerçado a carência e/ou precariedade de atendimento, entre eles, os mitos e crenças populares, alguns decorrentes de características próprias das PAHs, outros, de preconceitos socioculturais e/ou ideológicos e até da própria desinformação sobre as AHs. Eles são fortes empecilhos para a formação de uma identidade própria das PAHs e contribuem para uma representação negativa ou, pelo menos, distorcida destas pessoas. Mahoney (1998, p.223) refere que “as pessoas que não sentem sua superdotação como válida, podem sofrer desde problemas de autoestima até de baixo autoconceito”, o que se reflete na raridade de adultos que admitam ter indicadores de AHs, muito freqüentemente negando-os, e a escassez de estudos que abordem o tema de PAHs adultas. Quando pergunto, em palestras e seminários, quem, dentre o público “conhece alguma pessoa ou tem algum familiar com altas habilidades”, as mãos que se levantam são muito poucas, e ainda menos (na grande maioria dos casos, nenhuma) quando a pergunta é “quem de vocês é uma pessoa com altas habilidades”. Este comportamento parece estar relacionado a uma representação negativa da PAH, já que, se assim não fosse, ela não hesitaria em identificar-se como tal. As estatísticas que o próprio Ministério de Educação veicula, inclusive na Lei acima citada, onde o diagnóstico da Educação Especial afirma que, em 1998, dos alunos matriculados havia “Apenas 0,3% com altas habilidades ou superdotados” (Brasil, 2001, p. 53), mostram que, nos órgãos encarregados de elaborar os levantamentos estatísticos, ainda não há uma compreensão ou inexistem elementos para identificar estas pessoas.
De onde vem os fantasmas ?
Historicamente, os mitos (do grego mўthos, ‘fábula’) surgem para explicar situações ou pessoas reais que a lógica humana não consegue compreender e têm sua raiz no medo aonovo que todo ser humano enfrenta.
O sentimento de amor/ódio em relação às PAHs vislumbrava-se no Renascimento, quando os “gênios” eram alvo dele e dos mitos que a sociedade criara para estas pessoas. Assim como quem apresenta uma deficiência é alvo de pena e comiseração, quem manifesta uma aparente vantagem é alvo de inveja e agressão. O primeiro é privado de manifestar suas potencialidades, em detrimento de sua desvantagem, enquanto que, ao segundo, é negada a existência de suas reaisdesvantagens. A PAH é encoberta por um manto de inverdades que ofusca sua visualização e, em conseqüência, seu atendimento, cuja necessidade, chega a ser inclusive questionada.
Juntamente com a dificuldade de aceitar a diversidade e entender a singularidade como um direito individual, os mitos e crenças que pairam sobre as PAHs são responsáveis pela suatransparência, seja nas políticas públicas e no discurso oficial; na escassez de publicações, especialmente em português, e na precariedade ou inexistência de serviços para esta população.
As causas da assombração
Como qualquer mito, as suas causas estão vinculadas ao desconhecimento e dubiedade das informações sobre as AHs na sociedade. Algumas delas são apontadas por Extremiana (2000):
1) O termo em si. A falta de universalização do conceito de inteligência e, em conseqüência, de Altas Habilidades/Superdotação e Talento, gera confusão sobre o fenômeno. Também podemos acrescentar aqui a diferença que alguns autores, fundamentalmente norte-americanos e europeus, apresentam entre superdotação e talento, hierarquizando os saberes e associando ao primeiro termo apenas as AHs nas áreas lingüística e lógico-matemática, que são as que a escola privilegia. Estas visões que contemplam as AHs em outras inteligências (como a musical, a interpessoal, a intrapessoal ou a corporal-cinestésica, por exemplo) como indicadores de“talento”, apenas, e não de “superdotação” são combatidas por autores como Gardner (2000), Renzulli et al. (1976); Renzulli (1986)[4] e Winner (1998), entre outros, que enfatizam que a PAH geralmente se destaca em uma área ou num grupo delas e que suas características são equivalentes em qualquer área.
2) O desconhecimento de suas características. A falta de informações provoca concepções errôneas sobre as PAHs e isto se percebe no tipo de perguntas que as pessoas que entram em contato pela primeira vez com o tema de Altas Habilidades/Superdotação fazem. Indagam, por exemplo, se existem diferenciações físicas, comportamentos negativos de personalidade e/ou psicológicos e inclusive se há maior incidência de suicídios entre esta população. Estes aspectos não são percebidos como comportamentos decorrentes de dificuldades emocionais enfrentadas por estes ou qualquer outro sujeito, mas como conseqüências das características de superdotação. Também se constata a desinformação na afirmação de diretores, supervisores e orientadores (principalmente de escolas públicas) que, ao serem indagados sobre alunos com AHs nas suas escolas, costumam garantir que “não existem pessoas assim” nos seus cotidianos.
3) A confusão com outros termos. A sinonímia direta entre AHs e genialidade ou prodígio, assim como a forte vinculação ao alto desempenho acadêmico, fazem que se pressuponha a raridade de sua incidência. A confusão com a precocidade também leva à tentativa de “fabricar” crianças com AHs e, talvez a mais grave destas confusões seja a que se tem observado nos últimos tempos, com a hiperatividade, patologia neurológica que apresenta alguns sintomas que, quando não suficientemente investigados, podem ser confundidos com algumas características de AHs, o que tem resultado em PAHs erroneamente diagnosticadas e até medicadas com drogas indicadas para pessoas hiperativas (EXTREMIANA, 2000). Isto, porém, não quer dizer que não possa haver PAHs que sejam, também, hiperativas.
4) A atitude de rejeição e prevenção. Embora Extremiana (2000) refira esta atitude entre alguns indivíduos que equiparam as PAHs a super-homens, é fundamentalmente o medo do novo, do desconhecido e/ou do diferente o que a gera, provocando o aparecimento de mitos e crenças que permitam lidar com este sentimento de forma mais confortável.
é isso ai
ResponderExcluir