Estes mitos referem as AHs como uma característica com incidência maior ou exclusiva em parcelas da população (classes privilegiadas, homens), quase inexistente na população geral ou, então, como uma característica que pode ser manipulada. Geralmente, respondem a visões ideológicas que buscam encaixar a existência ou não existência das AHs nos seus paradigmas.
1) Todos temos Altas Habilidades, basta estimulá-las e poderemos “fabricar” uma pessoa com altas habilidades(GERSON; CARRACEDO, 1996). Esta concepção tem sido reivindicada por aqueles que defendem uma falsa igualdadeentre os cidadãos e tem sido fomentada por publicações do tipo “Aumente a inteligência do seu filho” ou “Faça do seu filho um gênio”, que recomendam fórmulas para criar PAHs (EXTREMIANA, 2000). Entretanto, a estimulação cognitiva indicada nestes livros pode fazer que qualquer criança tenha um desempenho melhor, mas não desautorizam os achados fundamentados na Genética e não produzem comportamentos de superdotação em crianças que não apresentem tais indicadores. Segundo Tannenbaum, (1992, apud BECKER, 1997), “sem o requisito do recurso interno na criança, nenhuma quantidade ou tipo de criação pode fazer diferença entre a mediocridade e a excelência” (p. 48), pelo que, se uma criança com indicadores de AHs e outra que não os possua receberem estímulos cognitivos, não se criarão indicadores de AHs na que não os tinha, embora possa haver “desempenhos” diferenciados e até superiores aos observados antes da estimulação em ambas crianças.
2) A incidência das Altas Habilidades na população é muito pequena (ALENCAR; FLEITH, 2001; EXTREMIANA, 2000). Embora a Organização Mundial da Saúde (OMS) estime que 3,5 a 5% da população geral são PAHs, estes dados se baseiam apenas nos escores superiores a 130, obtidos em testes tradicionais de QI, que não são instrumentos confiáveis para identificar todos os tipos de AHs. Segundo Hallahan e Kauffman (apud EXTREMIANA, 2000), este percentual depende da definição adotada, podendo variar entre 1% e mais de 20%. O Estudo de Prevalência realizado pela Associação Brasileira para Superdotados – seção RS (ABSD-RS, 2001) em escolas públicas e privadas da Região Metropolitana de Porto Alegre apontou 7,78% de alunos com indicadores de AHs. Mesmo considerando o limite inferior das estimativas da OMS, o número de PAHs no mundo (aproximadamente 210 milhões) ultrapassaria de longe a população total do Brasil. Em nosso País teríamos quase seis milhões de PAHs. Da mesma forma, se considerarmos o índice de PPDs (Pessoas Portadoras de Deficiência) estimado pela OMS - 10% (todas as áreas de deficiência) - os esforços e ações para atender essa população são muito mais numerosos que os destinados às PAHs, que, sozinhas, totalizariam entre 35 e 50% de todas as áreas de deficiência somadas, segundo as estimativas da OMS, e 77,80% delas, com base no estudo da ABSD-RS.
3) Existem mais homens do que mulheres com altas habilidades. Esta idéia tendenciosamente androgênica corresponde mormente a estereótipos e condicionantes culturais. Segundo Colmenares (apud BRAVO, 1997, p. 117), “as revisões atuais acerca das diferenças cognitivas evidenciam que a variabilidade intersexos é inferior à intra-sexos”. A ausência de modelos femininos bem-sucedidos em áreas de domínio tradicionalmente masculino, a falta de motivação para o sucesso entre mulheres, as maiores dificuldades de identificação (já que elas preferem ocultar seus talentos), o maior índice de baixa auto-estima feminino e a prevalência de incentivos maiores para o desempenho dos homens levam a identificar mais e, conseqüentemente, a buscar mais atendimento para os indivíduos do sexo masculino. No estudo da ABSD-RS (2001), a relação de gênero entre os alunos com indicadores de AHs foi favorável ao sexo feminino (56,1% foram meninas e 45,9%, meninos, enquanto, no universo da amostra, os índices foram, respectivamente, de 50,3% e 49,7%).
4) As PAHs provêm de classes socioeconômicas privilegiadas. A OMS estabelece claramente que a estimativa refere-se a qualquer população, independente de raça, cultura ou proveniência sócio-econômica. O Estudo de Prevalência da ABSD-RS (2001) não apresentou diferenças significativas na proveniência sócio-econômica em relação à população em geral (IBGE) - mais de 40% dos entrevistados provêm de famílias com renda inferior a cinco salários mínimos (à época, R$ 180,00); porém, a média de moradores por residência nos alunos selecionados foi 4,4, enquanto que, no Censo 2000 do IBGE, a média de moradores por residência era 3,4 para o Estado do Rio Grande do Sul, o que reduziria consideravelmente a renda per capita. Obviamente, há maior visibilidade entre as classes mais favorecidas, pelo acesso a uma variedade de oportunidades de desenvolvimento das AHs, e um ofuscamento, nas classes mais desprivilegiadas, pela falta de oportunidades. Como aponta Delou, (2001), em meio à crise do ensino público onde prevalece o fracasso escolar, o alto desempenho é esperado apenas dos alunos de classes médias, tomando-se o fracasso como norma para os alunos de classes desprivilegiadas.
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