Muitos de vocês, meus
leitores, assim como alguns clientes meus, devem estar assustados, com a
notícia que veiculou, hoje, sobre a
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, por seis votos a
cinco, julgou constitucional a fixação da data limite de 31 de março, para que
estejam completas as idades mínimas de quatro e seis anos para ingresso,
respectivamente, na educação infantil e no ensino fundamental. A decisão da
Corte foi tomada, nesta quarta-feira, (1º) na conclusão do julgamento conjunto
da Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADC) 17 e da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 292, que questionavam exigências previstas na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996) e em normas do Conselho Nacional de Educação (CNE).
A decisão ainda não foi redigida e ainda cabe recurso, por parte da Procuradoria-Geral da República (PGR), que foi
a Autora da ADPF 292, ajuizada contra duas normas do CNE (Resoluções 01 e a 06
de 2010 do CNE).
Tenho acalmado e
explicado aos meus clientes que já entraram com ação e que já tiveram suas
sentenças confirmadas pelo Tribunal de Justiça, que será assegurado à criança
que teve uma decisão judicial em seu favor, o direito de seguir a sua
escolaridade, sem ter que voltar de série, por conta da decisão do Supremo
Tribunal Federal.
Mas, preciso traduzir, juridicamente, o que
significa esta decisão, por enquanto :
Não há decisão por
escrito (que se chama acórdão). O Ministro Roberto Barroso, que redigirá o
acórdão deste caso, provavelmente o fará em alguns dias. Este acórdão será
publicado no Diário Oficial. E, mesmo depois de sua publicação, os efeitos deste acórdão não serão
imediatos. Portanto, não adianta os pais ficarem desesperados, e explico o
motivo a seguir :
Enquanto advogada
atuante no Direito Educacional passei e acompanhei várias mudanças de data
corte, aqui no Brasil. A mais impactante que acompanhei, foi a do Estado de São
Paulo, no ano de 2.011, ocasião em que impetrei mais de 200 ações judiciais
para garantir o direito de prosseguimento de escolaridade de meus clientes que
corriam o risco de repetir de série.
Cumpre explicar que cada
Estado é responsável pela instituição da data de corte que nele prevalecerá (a
isto chamamos de competência concorrente dos Estados para legislar), de acordo
com o seu sistema de ensino. Quem
institui esta data de corte, dentro de seu Estado, é a Secretaria de Educação,
através de seus Conselhos de Educação,
que, por sua vez, realiza um estudo de como será realizada esta mudança e edita
uma Deliberação, Resolução, Portaria ou Parecer manifestando-se sobre a
implementação da data de corte escolhida pelo seu Estado.
A chamada competência
concorrente que cada Estado tem para legislar sobre educação e ensino é atribuída
pela nossa Constituição Federal. São
Paulo, por exemplo, já se manifestou,
em 2015, através de um Parecer, que não
adotaria a data de corte de 31/03, em seu sistema de ensino, apesar e após a
Decisão proferida nos autos do Recurso Especial nº 1.412.704 e assim o fez, mesmo tendo uma decisão, em âmbito
nacional, determinando a legalidade da data de corte para 31/03. O mesmo
fizeram outros Estados Brasileiros, após a decisão do Rec. Especial julgada
pelo STJ em 2.015, quando alguns Estados continuaram usando a data de corte de
30/06 ou a de 31/12 para matrícula de seus alunos.
Toda mudança de data de corte requer um planejamento por
parte de seu Estado e não será diferente, desta vez, caso os Estados que não adotaram, ainda, a data de corte de
31/03 resolvam adotar, após esta decisão do STF.
Pela minha experiência
na área, afirmo que nem todos os Estados irão aderir ao disposto nesta decisão
do STF. Como disse, precisamos saber o teor deste acórdão, para ver o que e se ele irá falar a respeito de como esta decisão deverá ser (ou não) acatada pelos Estados Brasileiros.
Os casos individuais
poderão e deverão continuar a serem
analisados à individualmente, através de ações judiciais, e os alunos que
comprovarem a sua aptidão para cursar determinada série, terão o direito de
pleitear, em juízo, a matrícula na série desejada. Explico :
Há vários outros
argumentos e fundamentos jurídicos que garantem o direito de continuidade do
aluno em sua escolaridade, o direito adquirido e o fato consumado, bem como
garantem o direito individual do aluno, segundo a sua capacidade para cursar
determinada série.
Reafirmo, então, que os Conselhos de Educação de cada Estado
terão que se manifestar, através de
Pareceres, Deliberações, Portarias ou Leis sobre
qual data de corte irão adotar em seu Estado e, se, a norma publicada pelo referido Estado prejudicar o direito de Educação
e desenvolvimento da criança, os pais das crianças que forem prejudicadas pela
data corte, sejam as que já estão em sua escolaridade em curso e corram o
risco de serem obstadas em seu prosseguimento ou que os pais acreditam que seus
filhos tenham capacidade de cursar a série seguinte (ainda que não esteja
cursando a série anterior) e cujas crianças tenham sua capacidade e aptidão
para cursar determinada série atestada (seja
pela escola ou por uma psicopedagoga) poderão
discutir, judicialmente, e assim garantir o seu direito de matrícula na série
almejada.
As perguntas que mais têm sido feitas pelos meus clientes :
Se a decisão proferida pelo STF irá afetar os casos já
resolvidos pela Justiça ?
Minha resposta é : não deverão ser afetados os casos já
julgados pela Justiça em segundo Grau (Tribunal de Justiça), pois temos a
figura jurídica do Direito Adquirido e do Fato Consumado, que são princípios de
ordem constitucional. Assim, os casos garantidos por decisão judicial serão
preservados.
Acredito, também, que os casos que já tiveram liminar e sentença confirmando a liminar deverão respeitar o direito adquirido da criança. Se houver recusa da escola, cabe ação judicial para garantir a matrícula e direito de seguir a escolaridade.
SOBRE COMO EU ACREDITO QUE O ESTADO DE SÃO PAULO IRÁ SE
PORTAR DIANTE DA REFERIDA DECISÃO:
O Estado de São Paulo não usa a data de corte de 31/03. Ele adotou a
data de corte 30 de junho.
O Conselho Estadual de Educação, órgão normativo, deliberativo e
consultivo do Sistema de Ensino do Estado de São Paulo em atendimento à nova
regulamentação aprovou a Deliberação CEE
nº 73/2008, que disciplina a implantação do Ensino Fundamental de 9 Anos,
no âmbito do Sistema Estadual de Ensino e, em seu artigo 2º fixou em 30 de junho a data máxima
para a completude dos 6 anos de idade, ou seja, o Conselho Estadual admitiu a matrícula de crianças de até 5 anos e meio
no Ensino Fundamental.
Por sua vez, as
normas do Conselho Nacional de Educação, que são objeto desta decisão julgada
pelo STF (Deliberações 01 e 06 de 2010 do CNE) estabeleceram para as
instituições de seu sistema a idade de 6 anos completos até 31 de março do ano em que ocorrer a
matrícula para o ingresso das crianças no primeiro ano do ensino
fundamental e 04 anos para ingresso na educação infantil. Vejam que o Estado de
SP, assim como outros Estados não adotam as Resoluções que foram consideradas como
constitucionais pelo STF.
Em Parecer sobre o tema
da data de corte, em 2015, o Conselho de Educação do Estado de São Paulo já se
posicionou no sentido de que : “Não se pode deixar de considerar a questão sob o
ponto de vista prático, pois eventual
alteração da data de corte tenderia a causar grande e negativa repercussão
sobre as crianças e, de resto, ao Sistema Estadual de Ensino, que há anos
adotou a data mediana de 30 de junho, como data limite. Restringir o ingresso de crianças que tenham completados os 6 anos até
31 de março significaria impedir um contingente considerável criando ociosidade
de vagas em um determinado ano, para fatalmente criar excesso de alunos no ano
seguinte, em visível prejuízo pedagógico e administrativo, por tudo
recomendando a manutenção da data hoje em vigor em São Paulo. A norma
editada pelo Conselho Estadual de Educação é – sem dúvida – mais razoável que a
norma do Conselho Nacional, uma vez que divide as crianças ingressantes no
Ensino Fundamental em dois períodos iguais, ao menos em tese proporcionando
melhor distribuição e acomodação nas salas de aula”.
Ações judiciais
questionando a legalidade de tais atos propagaram-se por todo o País e irão
continuar se propagando, sendo a maioria delas em defesa de direito individual do aluno que se sentir prejudicado.
As Resoluções 01 e 06 de
2010 do CNE contrariam a Constituição
Federal, que assegura o acesso aos
níveis mais elevados do ensino, segundo a capacidade de cada um, direito este de eficácia plena que não
comporta restrição ou limitação por legislação infraconstitucional em
detrimento da criança. Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente repete
o texto acima, não havendo margem para
imposição da restrição etária, sustentada pelo Conselho Estadual de Educação.
E, ainda, cite-se o precedente do Superior Tribunal de Justiça "a capacidade de aprendizagem da criança
deve ser analisada de forma individual, não genérica, porque tal condição não
se afere única e exclusivamente pela idade cronológica" (Resp
753.565-MS, rel. Min. Luiz Fux).
Entendo que as orientações expedidas pelos
Conselhos de Educação, atos meramente administrativos, não podem obstar o direito constitucional da criança ao seu regular
desenvolvimento intelectual.
Então, meu conselho aos pais que se encontram nesta situação de insegurança acerca da
escolaridade de seu filho, que aguardem os próximos passos com a redação do
acórdão, o que ele irá ou não definir e como os Conselhos de Educação de cada
Estado irá reagir diante desta decisão. As escolas são obrigadas a seguir as
determinações dos Conselhos de Educação. Porém, caso a escola se pronuncie no sentido de proibir o avanço ou a
matrícula da criança, na série desejada, por conta da data de corte, os pais conseguindo
provar a aptidão da criança para cursar a série desejada, poderão entrar com ação
judicial, cabendo pedido de liminar, para
garantir o direito da criança de seguir a sua escolaridade.
Por enquanto, só lhes resta aguardar, mas, saibam que o
Judiciário tem sido bem receptivo com estes casos de crianças que provam que
têm aptidão para serem matriculadas na série desejada (seja para evitar a
retenção, o retrocesso de série, seja para o avanço de série pretendido, bem
como o Judiciário não vê com bons olhos, a criança ter que voltar de série só
para atender uma Deliberação administrativa do Conselho de Educação.
Assim sendo, diante de tal decisão proferida pelo STF, acredito que os casos individuais ainda poderão
ser apreciados e julgados de maneira individualizadas e subjetivas pelo
Judiciário, uma vez comprovada a aptidão da criança em seguir a sua
escolaridade.
Sobre a Autora :
Claudia Hakim
OAB/SP 130.783
Advogada atuante no Direito
Educacional
Especialista em Neurociências e Psicologia Aplicada
Palestrante e escritora na área do Direito Educacional
Contato : claudiahakim@uol.com.br
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