Extraído do site : http://educacao.estadao.com.br/blogs/ana-maria-diniz/desperdicio-de-genios/
Investir em crianças e jovens com altas habilidades ou superdotação é fundamental para qualquer nação, mas infelizmente esta é uma questão que está fora do radar das nossas políticas públicas
Ana Maria
Diniz
05 Abril
2018 | 12h34
Talentos são
o que há de mais precioso em um país, mais do que dinheiro ou do que qualquer
outro recurso. Pessoas talentosas agregam conhecimento, favorecem a geração de
riqueza e contribuem enormemente para elevar a capacidade real de
desenvolvimento de uma nação. Ao contrário do que muita gente pensa, os
talentos estão distribuídos na sociedade numa curva que não tem nada a ver com
classe social ou condição econômica e existem em todos os extratos da
população.
E o que
estamos fazendo com os talentos brasileiros? Segundo a Organização Mundial de
Saúde, em média de 5 a 8% da população mundial possui altas habilidades ou é
superdotada, o que nos leva a uma estimativa de quase 20 milhões de brasileiros
nessas condições. No entanto, eles não chegam a 17 mil nas escolas brasileiras,
segundo os últimos dados do Censo Escolar. Para começar, nós não estamos sequer
enxergando nossos talentos, o que é lamentável.
Como
demonstrou brilhantemente o Nobel de Economia James Heckman, investir no
desenvolvimento das crianças o mais cedo possível é a ação mais efetiva no
combate à desigualdade e fundamental para o progresso de um país. É também de
Heckman a constatação, mais específica, de que os mesmos investimentos,
incluindo os alunos com altas habilidades ou superdotação, resultariam em taxas
muito maiores e perenes de retorno em termos de PIB, inovação e
competitividade. Mas esta é uma questão que está completamente fora do radar
das nossas políticas públicas.
Em muitos
países, entre os quais o Brasil, uma legião de crianças virtuosas está sendo
negligenciada. Esse desperdício de talentos, ou perda de “gênios”, foi assunto
de uma reportagem da última edição da revista The Economist. A matéria traz um
panorama sobre o que está acontecendo no mundo no sentido de identificar
crianças altamente inteligentes, especialmente as oriundas de famílias mais
pobres – as que mais sofrem pela falta de detecção de suas habilidades. Alguns
países, como Cingapura, têm políticas públicas dedicadas à identificação de
superdotados, mas fazem a busca por seus talentos apenas medindo o quociente
intelectual (QI) de seus estudantes. Em muitos outros, porém, essa abordagem
está sendo revisada.
Nos Estados
Unidos, Inglaterra e Finlândia, por exemplo, os educadores têm usado uma gama
bem mais ampla de testes para identificar as crianças especialmente talentosas.
Eles enxergam a questão de forma mais sistêmica e focam em características e
comportamentos comuns aos alunos bem-sucedidos e que se destacam em diferentes
áreas, como ter uma capacidade de raciocínio espacial, uma mentalidade de
superação de erros, positividade e persistência. Afinal, como já foi provado,
alguns traços de inteligência são reconhecidamente hereditários, mas sem outras
habilidades, como as socioemocionais, esses traços não levam ninguém a lugar
algum.
Outra
mudança significativa nos esforços de alguns países para se identificar a
superdotação é passar a testar todas as crianças em todas as escolas, sem
exceção. Uma das razões para milhares crianças pobres e brilhantes passarem a
vida acadêmica sem terem suas habilidades notadas é que, geralmente, os casos
de superdotação são percebidos e levados pelos pais às escolas ou instituições
especializadas. É o que um distrito escolar do estado americano da Flórida está
fazendo, com resultados surpreendentes. Ao introduzir exames universais para
identificar estudantes com capacidade acima da média, o programa oficial de
superdotação deste distrito registrou aumento de 180% nas admissões de crianças
pobres, 130% nas inscrições de alunos hispânicos e 80% na participação de
alunos negros em relação aos resultados obtidos com a abordagem anterior.
Segundo
especialistas no assunto, os superdotados são alunos que demonstram alto
potencial em pelo menos uma das seguintes áreas: intelectual, criativa,
liderança, artística e psicomotora. Quando crianças, apresentam boa memória,
vocabulário muito rebuscado para a idade, curiosidade fora do comum, alta
capacidade de abstração, muito envolvimento com as tarefas e são extremamente
criativos. Não são talentosas em tudo: costumam tirar notas altas em algumas
matérias, mas não em em todas. E, o mais importante: eles precisam de
tanta atenção do professor quanto os outros alunos.
A ideia
do gênio, aquele que se sobressai em qualquer disciplina, independentemente do
estímulo e das adversidades sociais, é totalmente equivocada. Sem o incentivo
apropriado, muitas das crianças e jovens talentosos se perdem sob o rótulo de
problemáticos, desobedientes, preguiçosos.
O Brasil
precisa começar a pensar em políticas públicas para identificar e dar suporte
aos talentos brasileiros. Desenvolver um instrumento para fazer essa avaliação
precoce nas escolas, além de preparar professores e outros profissionais da
Educação e da Saúde no reconhecimento e acolhimento destas crianças e jovens, é
uma urgência nacional.
Num país com
uma Educação tão precária quanto a nossa, parece que não é politicamente
correto, ou é injusto, olharmos para os supertalentosos, pois somos uma
sociedade que preza a igualdade mais do que a excelência. Porém, só seremos de
fato uma sociedade que oferece oportunidades para todos se tivemos coragem de
encontrar nossos reais talentos para ajudar a impulsionar o nosso
desenvolvimento sustentável.
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