Extraído
do site : http://www.dm.com.br/cultura/2017/04/o-incrivel-mundo-de-heitor.html
Heitor Lucas tem conseguido interagir com o mundo a sua volta através a arte
Dizem
muito por aí que a vida imita a arte. Mas, poderia a arte imitar a vida? No
caso do estudante Heitor Lucas, 15 anos, isso tem acontecido e, felizmente, com
frequência. Diagnosticado aos 5 anos com síndrome de Asperger, o garoto,
amante dos desenhos animados e das história em quadrinhos, tem conseguido
reproduzir para a vida real–através da interação entre os personagens que
cria–o que representa o maior desafio para quem sofre desta síndrome: a
interação social.
Nomeada
em homenagem ao pediatra austríaco, Hans Asperger, que em 1944 estudou e
descreveu crianças com problemas de socialização e comunicação não-verbal, esta
síndrome é entendida como um tipo mais brando de autismo. Algumas das
diferenças entre as duas doenças–que aliás são muito discutidas–é que seus
portadores não possuem prejuízos intelectuais ou verbais. Porém, se a síndrome
de Asperger não for precocemente diagnosticada e tratada pode deixar o
indivíduo completamente isolado do mundo.
E
isso não é caso de Heitor. Logo quando a escola informou à mãe que o garoto
poderia ter algum distúrbio, a técnica de apoio à regulação médica Karla Rosa,
apesar do abatimento inicial, não perdeu tempo. Tratou de procurar um
especialista e informar-se sobre tratamentos possíveis.
“Quando
recebi o diagnóstico meu mundo caiu. Fiquei com medo que o meu filho sofresse
ou que desenvolvesse outras doenças. Mas logo me fortaleci e vi que há
tratamento eficaz. Hoje trato os meus filhos de igual para igual”, disse Karla,
que além de Heitor, cuida sozinha de mais dois filhos: outro adolescente e uma
criança.
Equipe
multidisciplinar
O
que Karla ainda não sabia é que a saída para uma vida tranquila e sem muitos
danos sociais, já havia nascido com Heitor e tratava-se de um talento nato
para desenhar, criar histórias e personagens. E foi o Centro Especializado
de Reabilitação (CER), uma unidade que funciona dentro Lar São Vicente de
Paulo, na cidade de Goiás–onde Heitor mora -, que fez desabrochar esta
possibilidade.
No
tratamento em conjunto desenvolvido pela neuropsicóloga Lílian Scartezine e
pela terapeuta ocupacional Vera Lúcia Silva, elas descobriram uma forma bem
sucedida e criativa para Heitor desenvolver suas potencialidade e se
entender como um ser social.
“Eu
vejo claramente a evolução na complexidade da interação social nos personagens
de seus quadrinhos. No começo, era uma coisa mais simples. As relações
interpessoais eram superficiais. Mas hoje ele tem conseguido na arte uma grande
interação e isso tem refletido nas interações pessoais dele no dia a dia”, conta
a neuropsicóloga Lílian.
È
claro que tudo tem sido uma evolução. Os primeiros quadrinhos que Heitor criou,
por exemplo, não eram autorais e sim inspirados nos personagens de seus
desenhos favoritos, como: o seriado Chaves e os quadrinhos da Turma da Mônica.
Porém, aos poucos, a equipe multidisciplinar começou a “pegar no pé” de Heitor,
para que ele começasse a criar os próprios personagens.
Se
alguém aí pensou que isso foi um problema, cometeu um ledo engano. Aos poucos,
o adolescente tem criado personagens como o Mateus, um menino que gosta de ler
livros de matemática. Ou então histórias muito criativas como: “O Dia Em que A
Internet Acabou”, que traz uma narrativa e personagens bem construídos. A
história tem espaço até uma crítica contemporânea–e coerente–a respeito da
dependência tecnológica, já que no quadrinho em questão, sem internet, a
sociedade viveria em um mundo distópico.
Se
conseguiremos sair desta “fria” na história Heitor, não podemos dizer. Heitor
ainda está escrevendo e desenhando os últimos capítulos. E a terapeuta
ocupacional Vera Lúcia Silva tem feito certa pressão para ler logo o desfecho
da trama. “Achei que o desenho tinha coerência e é feita co. agilidade, além de
trazer uma abordagem interessante e criativa, a respeito do assunto”, reflete a
T.O.
Sim,
o que era tratamento envolveu a todos, que convivem com Heitor. E por isso,
Lúcia também ressalta a importância de um trabalho em equipe que foca nas
individualidades de cada paciente. “Não há receitas de bolo em um tratamento.
As pessoas não são iguais por terem nascido com a mesma síndrome. Não há
generalizações”, analisa. “E também acho que às vezes, a gente fica tão focado
em trazer materiais caros para o consultório que esquecemos de usar aquilo que
já é um dom”, completa Lilian.
O próximo
passo das profissionais é publicar as tirinhas de Heitor em uma página no
Facebook, se a internet não acabar, claro. E esse deve ser o começo ideal, para
o garoto começar a atuar, com o que já escolheu fazer no futuro. “Quero ser
quadrinista ou animador de desenho animado”, conta.
Futuro
Falando
em desenhos animados, eles são a maior inspiração de Heitor. Produções como O
Incrível Mundo de Gumbel e Os Simpsons, já serviram para dar asas à sua
imaginação. Contudo, apesar de adorar ficção, as “anteninhas” de Heitor estão
bem ligadas no que acontece ao seu redor. Quando contava sobre como as
conversas paralelas na sala de aula o afeta, no momento da entrevista, ele
exclamou: “Vou fazer um desenho sobre isso!”.
Em
questão de minutos, começou a esboçar o desenho, que rapidamente foi tomando
forma. Imerso naquela sala de aula barulhenta, ele já não ouvia as perguntas.
Riscava freneticamente a folha. Quando queria, distribuía algumas explicações
sobre o desenho. “Este está cantando, aquelas duas conversando. O barulho é
tanto que parece que tem um alto falante. Este no meio sou eu, zangado com toda
bagunça”, detalha. Ou seja: sua arte também é de protesto.
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