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Apesar de estudar quase dez horas por dia, Victor Costa não reclama de sua agenda de atividades e dedica atenção especial para matemática, sua matéria favorita - Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo
Apesar de
estudar quase dez horas por dia, Victor Costa não reclama de sua agenda de
atividades e dedica atenção especial para matemática, sua matéria favorita -
Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo
RIO
— O que você quer ser quando crescer? Médico, jogador de futebol e bailarina
são algumas das opções que rondam o imaginário infantil quando a pergunta é
feita. Victor Costa, de 9 anos, ainda não sabe o que responder, mas tem certeza
de uma coisa:
— Quero ir para a melhor
universidade do mundo: Harvard. Desde que ouvi sobre ela pela primeira vez
pensei ‘preciso ir para essa universidade.
Tamanha obstinação é resultado das horas que dedica aos
números, às fórmulas e aos livros. O aluno da Escola Municipal Senador Corrêa,
no Flamengo, faz parte de um seleto grupo de estudantes superdotados da rede
pública municipal do Rio de Janeiro. Atualmente, 59 alunos com essa
característica são atendidos em 400 salas especializadas espalhadas pelas
escolas do município do Rio, enquanto pelo menos 60 outros recebem
acompanhamento em institutos independentes. Mas o número real de alunos com
altas habilidades pode ser muito maior. Estima-se que de 1% a 3% dos 654 mil
alunos da rede municipal sejam superdotados, ou seja, o número pode chegar a
cerca de 19.600, mas a maioria deles ainda não foi identificada.
Entediado com o conteúdo do 4º
ano do ensino fundamental da Senador Corrêa, Victor agradece e parece aliviado
com as aulas e exercícios extras que tem no Instituto Lecca, uma organização do
terceiro setor, parceira da prefeitura do Rio, que desenvolve acompanhamento e
aperfeiçoamento educacional de alunos da rede pública com altas habilidades.
— Eu já sei a matéria, mas
tenho que fazer, então, termino rápido. Aqui (no Lecca), aprendo coisas novas,
na escola não. Lá só repito o que já aprendi — reclama Victor, que cursa no
instituto uma série adiantada, correspondente ao 5º ano do colégio regular.
LEI NÃO SAIU DO PAPEL
A falta de adequação dos alunos
superdotados ao ensino oferecido na maioria das escolas públicas e privadas é
uma preocupação expressa na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que
determina que esses estudantes tenham um acompanhamento diferenciado. Mas,
segundo especialistas, o que está escrito na legislação até agora não se
concretizou em políticas públicas. Para reforçar a questão, na semana passada,
a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou um
projeto de lei que pretende incluir na Constituição uma cláusula que assegure a
educação especializada para alunos com transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades.
— Países que tiveram um
desenvolvimento fenomenal nos últimos 30 anos procuram esses alunos porque
sabem que eles vão estudar, ser brilhantes e serão o motor do país. Aqui é como
se dissessem “no fundo do jardim eu tenho uma mina de diamantes, mas dá muito
trabalho ir lá furar, procurar. Deixa a mina lá enterrada”. — critica Maria
Clara Sodré, doutora em educação de superdotados pela Universidade de Columbia,
EUA. — Isso (ensino diferenciado) é obrigação das escolas municipais,
estaduais, federais e particulares. Da mesma maneira que o aluno que apresenta
dificuldade de aprendizagem tem o direito roubado quando não está aprendendo,
os superdotados são prejudicados quando tudo que é ensinado ele já sabe.
Além da falta de iniciativas de
ensino especializado, outra dificuldade é identificar uma criança com esse
perfil. A estimativa é de que haja na rede um mar de alunos com altas
habilidades “perdidos”.
— Tudo o que ela pegava queria
saber o que estava escrito, então, com 4 anos, começou a ler. A gente
incentivou, apesar de achar que era muito cedo, e ela acabou sendo alfabetizada
pelo pai. Não pensamos que ela podia ter altas habilidades, só achamos que
estava se interessando muito cedo — conta Mariza Ribeiro, mãe de Ana Beatriz
Ribeiro.
SUPERDOTADO NÃO É SÓ O ‘CDF’
Antes de ser recrutada pelo
Lecca, que faz seleção nas escolas de quatro Coordenadorias Regionais de Ensino
(CRE) do município — na Zona Sul, na Tijuca, no Centro e na região do Engenho
da Rainha e do Complexo da Maré — Ana Beatriz era aluna somente do 5º ano da
Escola Municipal Guatemala, no Centro do Rio, onde, até 2014, as professoras da
escola contavam apenas com a experiência para identificar os alunos
superdotados. No segundo semestre do ano passado, a diretora-adjunta da
instituição, Rose Figueiredo, passou por um treinamento oferecido pela
prefeitura do Rio, em parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF),
para reconhecer alunos com altas habilidades.
— O superdotado pode ter uma
alta habilidade em uma coisa específica, por exemplo, em artes, em esportes. As
pessoas acabam estereotipando como se o superdotado fosse o “CDF” e não é assim
— diz Rose Figueiredo.
De acordo com a professora da
UFF e doutora em Educação Cristina Delou, que coordenou o curso para 200
professores de escolas municipais da cidade e chefes de coordenadorias
regionais, algumas características comuns podem ser observadas no estudantes
com esse perfil:
— O
professor tem que ver mais do que o resultado escolar. É preciso levar em
consideração a história do aluno, seu comportamento. Eles em geral apresentam
rapidez de raciocínio, fácil associação de conhecimentos anteriores com atuais,
capacidade amadurecida de julgamento. Além de apreciarem desafios, terem
flexibilidade de pensamento e serem criativos.
Para reduzir o gargalo na
identificação desses alunos, a secretária de educação do município do Rio,
Helena Bomeny, aposta em qualificação de professores.
— Percebemos que os professores
precisam de uma formação melhor sobre como reconhecer características de altas
habilidades que não são tao óbvias — explica a secretária, acrescentando que o
modelo dos Ginásios Experimentais, que estão se expandindo na rede, é um aliado
e estimula o potencial desses alunos.
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