Extraído do site : http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/03/1600024-jovem-do-sertao-da-pb-realiza-sonho-de-estudar-em-universidade-nos-eua.shtml
Escolher a universidade é tarefa difícil para os
estudantes, mas não foi assim para o paraibano Matheus Augusto Silva, 22.
Nascido no sertão, em uma família de pescadores numa cidade de 17 mil
habitantes, ele tinha uma certeza: iria estudar nos Estados Unidos.
Hoje, faz economia e engenharia química
simultaneamente na renomada WPI (Worcester Polytechnic Institute), perto de
Boston, nos EUA.
Matheus Augusto Silva, que é aluno de engenharia e economia nos EUA
Depoimento...
Tudo
aqui nos Estados Unidos é muito diferente de onde eu vim. Na verdade, eu nem
sabia que existia no mundo um lugar como o que vivo hoje. Mas eu sabia que eu
queria estudar em um lugar assim.
Nasci
em Boqueirão, no sertão da Paraíba, uma cidade bem pequena na região
metropolitana de Campina Grande. Lá, estudei em uma escola pública da cidade.
Hoje, faço economia e engenharia química no WPI (Worcester Polytechnic
Institute), nos EUA, e já tenho uma espécie de diploma intermediário –o chamado
"minor"– em bioquímica e em alemão.
Sempre
gostei muito de química. Aos dez anos, tive de fazer um trabalho na minha escola
e acabei estudando um açude da cidade. Vi que a matéria orgânica e inorgânica
se acumulava no açude, ocupando um espaço que poderia ser da água. Sua remoção
aumentaria consideravelmente o volume do reservatório. Acabou que fui
apresentar o projeto que desenvolvi na escola para os vereadores e o manejo do
açude foi modificado por causa do meu trabalho.
Depois,
mais velho, no 1º ano do ensino médio, acabei desenvolvendo, também para um
trabalho da escola, um sabão com base de tamarindo. É um fruto muito comum na
Paraíba, tem em qualquer esquina. E ele tem propriedades detergentes.
Desenvolvi o sabão e até hoje tem gente produzindo.
Eu
gosto dessa coisa de ver uma oportunidade, uma solução e sair fazendo. Havia
tamarindo, a gente precisava de sabão, por que não fazer o sabão com o
tamarindo? Eu gosto de empreender e os Estados Unidos são um país perfeito para
isso. Eu já tinha lido sobre como as gigantes de tecnologias tinham sido
fundadas aqui. Só que eu nunca tinha conhecido ninguém que tivesse estudado
fora; ninguém da minha família havia chegado à universidade.
Sou
descendente de uma família de pescadores, meu pai tem um pequeno comércio onde
vende materiais de pesca e de construção. Em Boqueirão, meu avô é conhecido
como "João dos covos" (covos é um material de pesca). Meu pai, Carlos
de João dos covos. Eu sou o Matheus de Carlos de João dos covos! A pesca ainda
está bem presente na família. Mas eu resolvi seguir outro rumo.
Quando
tinha 11 anos, comecei a pesquisar sobre ensino superior e achei, em uma
revista, um ranking internacional de universidades. Vi que sete das dez
melhores instituições de ensino do mundo estavam nos Estados Unidos.
Aí
eu pensei: se naquele país estão as melhores do mundo, então é pra lá que eu
vou!
O
problema é que na época eu falava pouco inglês. Consegui me matricular em um
curso gratuito, de extensão, na Universidade Federal de Campina Grande e
viajava para fazer as aulas. Aprendi rápido o inglês, acho que tenho facilidade
com línguas. Hoje também falo francês, espanhol, alemão e mandarim.
Com
inglês ficou mais fácil fazer as provas e entrar em uma universidade dos EUA. O
problema era como eu iria me manter. Aí, tive de me virar de novo. Consegui uma
bolsa quase integral do WPI (Worcester Polytechnic Institute) e mais um recurso
da Fundação Estudar, do Brasil. É o suficiente para me manter na graduação o
curso todo.
Eu
gosto de mexer nas coisas, descobrir as coisas. Lembro que uma vez meu pai
comprou uma secretária eletrônica para a loja dele e eu comecei a mexer para
ver como funcionava. Acabou que o aparelho gravou, sem querer, meu pai dizendo
"Para de mexer, Matheus!" E eu respondia "É mexendo nas coisas
que se aprende como elas funcionam, pai." Quem ligava na loja por muito
tempo ouvia essa conversa (risos).
Eu
mexo em tudo, fuço em tudo. Eu descobri sozinho como era o processo para
ingressar em uma universidade norte-americana.
Também
descobri que os EUA valorizam os estudantes que tiram um ano sabático entre o
ensino médio e a universidade. Assim que fui aprovado, decidi fazer o mesmo.
Pedi adiamento da matrícula e fui para a China para trabalhar e estudar
mandarim.
Foi
fantástico. Acabei virando representante comercial de uma empresa chinesa e
viajava o mundo pela empresa. Eu tinha 19 anos. É uma cultura muito diferente.
Sabia que na China você tem de pegar o cartão comercial das pessoas com as duas
mãos? Se não fizer isso, é sinal de desrespeito.
Desde
que me mudei para os EUA já fiz mais dois intercâmbios: no Canadá e na
Alemanha. Aqui há muitas oportunidades internacionais.
Tem
muito brasileiro aqui nos Estados Unidos na mesma situação que eu [em 2013,
havia 10.868 brasileiros em universidades dos EUA, de acordo com governo
daquele país]. Fiquei pensando que era preciso conectar essas pessoas para
trocar informações e ideias para desenvolver o Brasil. Foi aí que criei a
Brasa, sigla em inglês para "associação brasileira de estudantes [nos
EUA]".
A
ideia é unir os estudantes brasileiros nos EUA criando plataformas de impacto
direto no nosso país. Já estamos em mais de 30 universidade americanas, temos
mais de 600 membros e parcerias com empresas como BTG Pactual, McKinsey, AmBev
e Heinz. Quanto mais ideias para melhorar o Brasil, melhor.
Eu
quero voltar assim que me formar. No longo prazo, quero empreender, quero
melhorar o país. Às vezes penso também em política, mas acho que vou acabar
sendo empreendedor mesmo. O que me importa é construir algo que promovesse o
desenvolvimento sustentável do Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário