Extraído do site : http://www.antroposofy.com.br/wordpress/musica-neurociencia-e-desenvolvimento-humano/
“As crianças, de
maneira geral, expressam as emoções mais facilmente pela música do que pelas
palavras. Neste sentido, o estudo da música pode ser uma ferramenta única para
ampliação do desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças, incluindo
aquelas com transtornos ou disfunções do neurodesenvolvimento como o déficit de
atenção e a dislexia. A música não apenas é processada no cérebro, mas afeta
seu funcionamento: a experiência musical modifica estruturalmente o cérebro.
Ciência e arte compartilham o dinamismo do desenvolvimento, que não é um estado,
mas um processo permanente de aprendizagem e busca de equilíbrio e abrange a
capacidade de conhecer, conviver, crescer e humanizar-se com as várias
dimensões da vida.”
Na última década,
houve uma grande expansão nos conhecimentos das bases neurobiológicas do
processamento da música devido, em parte, às novas tecnologias de neuroimagem.
Tais técnicas permitem revelar em tempo real como océrebro processa, dá sentido
e emoção à impalpabilidade de sons organizados e silêncios articulados.
O processamento
musical envolve uma ampla gama de áreas cerebrais relacionadas à percepção de
alturas, timbres, ritmos, à decodificação métrica, melódico-hamônica, à
gestualidade implícita e modulação do sistema de prazer e recompensa que
acompanham nossas reações psíquicas e corporais à música. De que maneira o
cérebro sincroniza durações, agrupa e cria distinções entre sons e timbres,
reconhece consonância e dissonâncias, programa movimentos precisos na execução
instrumental e leitura, armazena e evoca melodias familiares e ritmos?
Como tais processos
modulares integram percepções múltiplas em uma experiência singular,
essencialmente emocional que seduz e direciona ao mesmo tempo nossos sentidos,
nosso corpo e cognição. Entender o cérebro musical pode elucidar aspectos
fundamentais da mente humana, da emergência da consciência a partir da emoção,
da percepção implícita à consciência autorreflexiva. Se por um lado, a
neurociência tradicionalmente lida com a objetividade dos dados e sinais que
cartografam o funcionamento cerebral, por outro, a música não pode ser
entendida sem levarmos em conta a subjetividade, o envolvimento lúdico e a
transitividade que caracterizam a arte.
Ciência e arte compartilham
o dinamismo do desenvolvimento, que não é um estado, mas um processo permanente
de aprendizagem e busca de equilíbrio e abrange a capacidade de conhecer,
conviver, crescer e humanizar-se com as várias dimensões da vida.
Processamento
Musical
A atividade musical
mobiliza amplas áreas cerebrais, tanto as filogeneticamente mais novas
(neocórtex) como os sistemas mais antigos e primitivos como o chamado cérebro
reptiliano que envolve o cerebelo, áreas do tronco cerebral e a amígdala
cerebral. As vibrações sonoras, resultantes do deslocamento de moléculas de ar,
provocam distintos movimentos nas células ciliares (receptoras) localizadas no
ouvido interno e são transmitidas para centros do tronco cerebral.
A frequência de
vibração dos sons tem uma correspondência com a localização das células
ciliadas do ouvido interno e a intensidade dos sons está diretamente
relacionada ao número de fibras que entram em ação. Quanto mais intenso o som,
mais fibras entram em ação.
Existe uma relação
entre a localização da célula sensorial na cóclea e a frequência de vibração
dos sons. A frequência que mais excita uma célula sensorial muda
sistematicamente de alta (sons agudos) para baixa frequência (sons graves).
Assim, os estímulos sonoros nas chamadas células ciliares são levados pelo
nervo auditivo de maneira organizada ao córtex auditivo (lobo temporal).
O primeiro estágio,
a senso-percepção musical, se dá nas áreas de projeção localizadas no lobo
temporal no chamado córtex auditivo ou área auditiva primária responsável pela
decodificação da altura, timbre, contorno e ritmo. Tal área conecta-se com o
restante do cérebro em circuitos de ida e volta, com áreas da memória como o
hipocampo que reconhece a familiaridade dos elementos temáticos e rítmicos, bem
como com as áreas de regulação motora e emocional como o cerebelo e a amígdala
(que atribuem um valor emocional à experiência sonora) e um pequeno núcleo de
substância cinzenta (núcleo acumbens) relacionado ao sentido de prazer e recompensa.
Enquanto as áreas temporais do cérebro são aquelas que recebem e processam os
sons, algumas áreas específicas do lobo frontal são responsáveis pela
decodificação da estrutura e ordem temporal, isto é, do comportamento musical
mais planejado.
Há uma
especialização hemisférica para a música no sentido do predomínio do lado
direito para a discriminação da direção das alturas (contorno melódico), do
conteúdo emocional da música e dos timbres (nas áreas temporais e frontais)
enquanto o ritmo e duração e a métrica, a discriminação da tonalidade se dá
predominantemente no lado esquerdo do cérebro. O hemisfério cerebral esquerdo
também analisa os parâmetros de ritmo e altura interagindo diretamente com as
áreas da linguagem, que identificam a sintaxe musical.
A música não apenas
é processada no cérebro, mas afeta seu funcionamento. As alterações
fisiológicas com a exposição à música são múltiplas e vão desde a modulação
neurovegetativa dos padrões de variabilidade dos ritmos endógenos da frequência
cardíaca, dos ritmos respiratórios, dos ritmos elétricos cerebrais, dos ciclos
circadianos de sono-vigília, até a produção de vários neurotransmissores
ligados à recompensa e ao prazer e ao sistema de neuromodulação da dor.
Treinamento musical
e exposição prolongada à música considerada prazerosa aumentam a produção de
neurotrofinas produzidas em nosso cérebro em situações de desafio, podendo
determinar não só aumento da sobrevivência de neurônios como mudanças de
padrões de conectividade na chamada plasticidade cerebral.
Música
e Plasticidade Cerebral
A experiência
musical modifica estruturalmente o cérebro. Pessoas sem treino musical
processam melodias preferencialmente no hemisfério cerebral direito, enquanto
nos músicos, há uma transferência para o hemisfério cerebral esquerdo.
O treino musical
também aumenta o tamanho, a conectividade (maior número de sinapses-contatos
entre os neurônios) de várias áreas cerebrais como o corpo caloso (que une um
lado a outro do cérebro), o cerebelo e o córtex motor (envolvido com a execução
de instrumentos). Ativação maior de áreas do hemisfério cerebral esquerdo pode
potencializar não só as funções musicais, mas também as funções lingüísticas,
que são sediadas neste mesmo lado do cérebro.
Vários circuitos
neuronais são ativados pela música, uma vez que o aprendizado musical requer
habilidades multimodais que envolvem a percepção de estímulos simultâneos e a
integração de varias funções cognitivas como a atenção, a memória e das áreas
de associação sensorial e corporal, envolvidas tanto na linguagem corporal
quanto simbólica.
As crianças, de
maneira geral, expressam as emoções mais facilmente pela música do que pelas
palavras. Neste sentido, o estudo da música pode ser uma ferramenta única para
ampliação do desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças, incluindo
aquelas com transtornos ou disfunções do neurodesenvolvimento como o déficit de
atenção e a dislexia.
Estimulando
o Cérebro Musical
O uso da música
para fins terapêuticos data de tempos ancestrais e apoia-se na capacidade da
música de evocar e estimular uma série de reações fisiológicas que fazem a
ligação direta entre o cérebro emocional e o cérebro executivo.
A música estimula a
flexibilidade mental, a coesão social fortalecendo vínculos e compartilhamento
de emoções que nos fazem perceber que o outro faz parte do nosso sistema de
referência.
Vários estudos
revelam efeitos clínicos da música na precisão dos movimentos da marcha, no
controle postural, facilitando a expressão de estados afetivos e
comportamentais em indivíduos com depressão e ansiedade. Tais efeitos positivos
da música têm sido observados em transtornos do desenvolvimento como o déficit
de atenção, a dislexia, na doença de Parkinson, na doença de Alzheimer ou em
doentes com espasticidade, nos quais a reabilitação com música ou estímulos a
ela relacionados como dança, ritmos ou jogos musicais potencializam as técnicas
de reabilitação física e cognitiva.
A inteligência
musical é um traço compartilhado e mutável que pode estar presente em grau até
acentuado mesmo em crianças com deficiência intelectual. Crianças com síndrome
de Willians, um tipo de doença genética, apresentam deficiência intelectual e
habilidades de percepção, de identificação, classificação de diferentes sons e
de nuances de andamento, mudança de tonalidade, muitas vezes, extraordinárias.
O período do
neurodesenvolvimento mais sensível para o desenvolvimento de habilidades
musicais se dá nos primeiros 8 anos de vida. Estudos com potenciais evocados
mostram que bebês já nos primeiros 3 meses de vida apresentam várias
competências musicais para reconhecer o contorno melódico, diferenciam
consonâncias e dissonâncias e mudanças rítmicas. A exposição precoce à música
além de facilitar a emergência de talentos ocultos, contribui para a construção
de um cérebro biologicamente mais conectado, fluido, emocionalmente competente
e criativo.
Crianças em
ambientes sensorialmente enriquecedores apresentam respostas fisiológicas mais
amplas, maior atividade das áreas associativas cerebrais, maior grau de neurogênese
(formação de novos neurônios em área importante para a memória como o
hipocampo) e diminuição da perda neuronal (apoptose funcional).
A educação musical
favorece a ativação dos chamados neurônios em espelho, localizados em
áreas frontais e parietais do cérebro, e essenciais para a chamada cognição
social humana, um conjunto de processos cognitivos e emocionais responsáveis
pelas funções de empatia, ressonância afetiva e compreensão de ambigüidades na
linguagem verbal e não verbal.
O avanço das correlações
da música com a função cerebral exige cada vez mais, um trabalho
multidisciplinar (músicos, neurologistas, educadores musicais) que dê acesso à
multiplicidade de experiências musicais, lúdicas, criativas, prazerosas, na
análise do impacto da música no neurodesenvolvimento. Este alcance poderá
significar um resgate do sentido integrado da arte, educação e ciência e um
novo status para invenção e criatividade, pois nas palavras de Drummond, o
problema não é inventar, é ser inventado, hora após hora e nunca ficar pronta
nossa edição convincente.
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