Fonte : http://gizmodo.uol.com.br/10-por-cento-cerebro-verdade-ou-mito/
Nós só usamos 10% da capacidade do nosso
cérebro: verdade ou mito?
Por: Andrew
Tarantola
A voz de Morgan Freeman faz com que qualquer
coisa pareça verdade, seja ela cientificamente plausível ou não. No filme Lucy, que estreou nos EUA na semana
passada, o personagem de Freeman cita o “fato” de que os humanos usam apenas
10% dos seus recursos cerebrais. E isso não poderia estar mais errado. Mas se
está errado, por que esse mito continua sendo divulgado? E quanto da capacidade
do nosso cérebro nós realmente usamos?
As
origens do mito dos 10%
A ideia que os seres humanos operam com apenas
um décimo de uma capacidade cerebral está por aí desde a Era Vitoriana, quando
a medicina moderna ainda estava cambaleando entre ciências como a frenologia (o estudo dos crânios) ou a medicina manipulativa osteopática (holística).
E como acontece com muitas das lendas urbanas, a raiz do mito dos 10% tem nada
menos que meia dúzia de possíveis inventores.
A fonte em
potencial mais antiga vem do trabalho de Jean Pierre
Flourens, um dos pais
fundadores da ciência cognitiva moderna, inventor da anestesia e o homem que
provou que a consciência reside no cérebro, e não no coração. Seu trabalho
pioneiro em demonstrar as funcionalidades regionais dos hemisférios do cérebro
frequentemente chama uma grande parte da massa cinzenta de “córtex silencioso”,
o que pode ter influenciado os pesquisadores que vieram depois a acreditar que
essa região, agora conhecida como córtex associativo, não tinha função
alguma.
Outra fonte do mito
poderia ser o charlatanismo da Teoria da Reserva
de Energia,
apresentada pelos psicólogos de Harvard William James e Boris Sidis na década
de 1890. A pesquisa deles, que consistiu em elevar a prodígio o filho
de Sidis, William (a criança tinha um QI relatado entre 250 e 300, quase o
dobro dos 160 pontos de Einstein) num ambiente de desenvolvimento acelerado. Os
pesquisadores levaram o enorme intelecto da criança como prova de que todo ser
humano deveria ter algumas reservas escondidas de energia mental e física. Em
um ensaio chamado The Energies of Men, James afirma: “Nós só estamos
fazendo uso de uma pequena parte dos nossos recursos mentais e físicos”. Essa
ideia foi popularizada mais tarde por Lowell Thomas no prefácio do livro Como fazer amigos e influenciar
pessoas: “O Professor William James de Harvard costumava dizer que o
homem comum desenvolve apenas dez por cento de sua habilidade mental latente”.
O mito dos 10%
acabou ganhando ainda mais credibilidade nas décadas de 1920 e 1930, por conta
do trabalho psicólogo americano Karl Lashley. Através de suas tentativas
de quantificar a relação entre massa e função no cérebro, Lashley descobriu que
ratos poderiam reaprender tarefas específicas depois de terem sofrido danos no
córtex cerebral. No entanto, nosso entendimento da função cerebral naquela
época ainda era muito verde e as conexões que ele sugere entre a ação de massa
(o aprendizado é governado pelo córtex cerebral como um todo, e não há regiões
específicas para ele) e equipotencialidade (a percepção sensorial pode ser
reaprendida por outras regiões do cérebro depois do dano) podem ter dado origem
ao mito.
Como nós sabemos
que usamos mais de 10% do nosso cérebro?
Felizmente, o campo da neurociência avançou aos
trancos e barrancos desde a primeira metade do século passado e nós aprendemos
que, assim como acontece com o esperma, cada célula cerebral é extremamente
importante.
O cérebro humano
constitui 1/40 da massa total de um ser humano, em média, mas consome um quinto
das calorias que ingerimos. Do ponto de vista evolutivo, no qual todos
os nossos órgãos foram criados e naturalmente selecionados ao longo de eras
para a eficiência, ter um cérebro que suga 20% de nossas reservas energéticas
diárias para ter uma eficiência de 10% simplesmente não faz nenhum sentido.
Pesquisas clínicas
feitas nos últimos 80 anos têm trazido evidências similares. Mesmo
um pequeno dano a qualquer região da sua massa cinzenta — causado por um AVC,
por uma lesão ou doença — pode resultar em declínios neurológicos
catastróficos. “Vários tipos de estudos de imagem cerebral mostram que nenhuma
área do cérebro é completamente silenciosa ou inativa”, dizem a Dra. Rachel C.
Vreeman e o Dr. Aaron E. Carrol em um estudo sobre os mitos médicos.
“Uma sondagem detalhada do cérebro não foi capaz de identificar os 90% que não
funcionam”.
Por outro lado, as terapias de estimulação
elétrica ainda precisam descobrir quaisquer reservas de intelecto, embora a
prática venhamostrando promessas
para o tratamento de epilepsia e de um pequeno número de outras doenças
neurológicas. Um
estudo de 2008 publicado na Scientific American por
Barry Gordon, um neurologista da Escola John Hopkins de Medicina, afirma
inequivocamente que “virtualmente, nós usamos cada parte do nosso cérebro, e [a
maior parte] do cérebro está ativa quase o tempo todo”. De fato, pesquisas com
ressonância magnética e outras tecnologias de imagem têm mostrado que todo o
cérebro está ativo quase o tempo todo — mesmo quando estamos fazendo tarefas de
rotina.
“Vamos colocar dessa forma”, ele disse à
Scientific American. “O cérebro representa 3% do peso do corpo humano e usa 20%
da energia do corpo”.
Então o que aconteceria se nós realmente só
usássemos 10% dos nossos cérebros?
Digamos que remover 90% do seu cérebro não fosse
te matar de imediato. O que aconteceria? De acordo com a Universidade de
Washington, os resultados não seriam nada legais:
Em média o cérebro humano pesa cerca de 1.400
gramas. Se 90% dele fosse removido, sobrariam cerca de 140 gramas de tecido
cerebral, o que é mais ou menos do tamanho do cérebro de uma ovelha. É sabido
que o dano causado a uma área relativamente pequena do cérebro — como o que
acontece quando alguém tem um derrame –, pode causar deficiências devastadoras.
Algumas doenças neurológicas, como o Parkinson, também afetam áreas específicas
do cérebro. O dano causado por essas doenças é bem menor do que a remoção de
90% do cérebro, é óbvio.
Então é isso: elimine 90% do cérebro e você pode
ser oficialmente reclassificado como uma ovelha.
Então quando você assistir a esse filme com a
Scarlett Johansson ganhando poderes telecinéticos enquanto ela vai
“destravando” mais e mais de seu potencial cerebral, saiba que isso é só mais
uma lenda que um roteirista resolveu usar como parte de um roteiro.
[Britannica -
Wiki 1, 2 - Scientific American - About - John Hopkins University - News.Au -University of Washington]
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