Extraído do site do
Jornal “ A Folha de São Paulo” de 24/11/2.013 : http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2013/11/1375633-mae-conta-em-livro-as-dificuldades-e-conquistas-do-filho-autista-de-32-anos.shtml
JULIANA
VINES
DE SÃO PAULO
A empresária Dalva Tabachi, 65, tem quatro
filhos. O mais velho, Ricardo, 32, tem autismo e só começou a falar aos cinco
anos. Hoje ele trabalha com a mãe na confecção da família, no Rio, toca violão
e vai ao cinema com uma amiga. Tudo, segundo Dalva, com muito esforço.
Em 2006, com
base em anotações do dia a dia do filho, ela lançou o livro "Mãe, me
ensina a conversar" (Rocco, 96 págs., R$ 20). Agora lança o segundo livro,
"Mãe, eu tenho direito!".
Leia o
depoimento dela.
Percebemos que o Ricardo tinha algum
problema com três anos. Ele não falava nada, só repetia "bola, bola,
bola". Ficava isolado, não brincava com outras crianças.
Fomos ao
pediatra, à psicóloga, à fonoaudióloga. Naquela época, ninguém sabia o que era
autismo. Quando eu perguntava o que meu filho tinha, diziam: "Ah, esquece
isso". Falavam que ele ia ficar bom.
Dalva
Tabachi, 62, e seu filho Ricardo, 32
|
Mas
até o Ricardo ter 12 anos foi horrível. Ele era bem comprometido. Ficava
fazendo "hummm" continuamente. Quando ficava nervoso, pulava e se
mordia.
A
gente sofria preconceito. Quando ele tinha dez anos, em uma viagem de avião, um
passageiro pediu que o tirassem do voo, porque ele não ficava quieto, gritava.
Com 18 anos, fomos a uma neurologista e perguntei: "Afinal, o que ele
tem?". Autismo.
Nessa
época ele já estava bem melhor. Tudo com muito esforço, muito choro. Corri
atrás de tudo. O que ele podia fazer, fez: aula particular, fonoaudióloga,
psicóloga, violão, natação. Não desistimos. Ele tem três irmãos mais novos que
sempre o puxavam para a realidade, não deixavam que ele se isolasse.
Quem
vê o Ricardo hoje não acredita. Ele fala muito. Claro que ainda tem traços de
autismo, o pior deles é a repetição. Ele repete a mesma coisa dez, 20 vezes.
Conta
tudo o que comeu, diz tudo o que fez hoje e no dia anterior, avisa dez vezes
quando vai dormir. Às vezes, fica remoendo coisas de anos atrás: "Por que
fulano puxou a minha orelha um dia?".
Ele
não se acerta com números --não entende que duas notas de 20 e quatro de dez
são a mesma coisa-- e não entende muito bem o que é quente ou frio: usa blusas
no calor, liga o ar-condicionado no frio.
ANDAR
SOZINHO
Ele
nunca fica sozinho. Não tem como. Tenho uma empregada que mora em casa. Ele
espera meu marido e eu até para escovar os dentes, porque tinha mania de
escovar tanto que já estava se machucando. Quando demoramos para chegar em
casa, ele liga: "Onde vocês estão? Preciso passar fio dental."
A
minha maior preocupação é quem vai cuidar do Ricardo no futuro. Já faz muito
tempo que penso nisso. Fiquei muito angustiada quando um dos meus filhos se
casou. Os irmãos dizem que vão cuidar dele, mas sempre penso que tenho que
viver muito. E, para isso, me cuido.
Eu
nado no time master do Flamengo, não sou gorda e não como gordura. Tenho que
ficar boa, não posso ficar doente. Sempre que vejo um casal sozinho com um
filho autista penso: quem vai cuidar dessa criança no futuro?
O
Ricardo melhora a cada dia. Ele toca violão direitinho, participa de
competições de natação, vai ao cinema todos os sábados e adora ouvir música aos
domingos.
Tudo
o que ele sabe foi ensinado. A fonoaudióloga explicava o que era o teto, o
chão, o nome das coisas.
Ele
tem uma memória incrível. Se você disser que hoje é seu aniversário, ele vai
lembrar daqui a meses e vai dizer: no ano que vem vai ser numa quinta-feira,
porque neste ano foi na quarta.
Antes
ele não entrava nas conversas, hoje já puxa papo. Sempre falando uma besteira,
o que ele comeu no almoço. Eu o repreendo, digo que não é assim que conversa, e
ele pede: "Mãe, me ensina a conversar". Esse foi o título do meu
primeiro livro.
O
segundo livro se chama "Mãe, eu tenho direito!", porque mais recentemente
ele aprendeu a dizer não, a reclamar. Eu digo para ele não comer alguma coisa e
ele repete: "Eu tenho direito!".
O
que mais dá trabalho hoje é comida. Ele é compulsivo. Na adolescência,
engordou. Colocamos ele de dieta e ele emagreceu 18 quilos.
Hoje,
o Ricardo trabalha no escritório comigo, atendendo o telefone. No começo,
quando ligavam perguntando por mim, ele respondia: "Ela está fazendo
xixi."
Ele
é supersincero. E não tem muito tato. Quando o avô morreu, saiu gritando
"o vovozinho morreu", como se anunciasse um nascimento.
Depois
de adolescente, nunca vi o Ricardo chorar. Isso me preocupa às vezes, mas
depois penso que ele não tem por que ficar triste, tem tudo o que precisa.
Todos gostam dele, ele é muito carismático.
Às
vezes fico cansada, principalmente quando ele repete coisas demais. Mas
desanimar, não. Se ele chegou onde chegou foi porque não desistimos.
MÃE,
EU TENHO DIREITO! - CONVIVENDO COM O AUTISTA ADULTO
AUTORA Dalva Tabachi
EDITORA Rocco
PREÇO R$ 24,50 (144 págs.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário