Esta questão da hierarquia das leis, envolvendo ato normativo do
Conselho Municipal de Educação do Rio de Janeiro (Deliberação E/CME nº21/2.010) e Lei Estadual do Rio de
Janeiro ( Lei Estadual de n 5) tem gerado bastante polêmica entre os pais de crianças
que estudam em escolas, tanto particulares quanto as publicas, do Estado do Rio
de Janeiro. Procurarei explicar da forma menos complicada possível, o que gira
em torno deste debate de hierarquia entre “leis” estadual e municipal.
No Rio
de Janeiro, a competência para legislar sobre educação em nível da Educação
Infantil (creche e Educação Infantil) é do Município. Contudo, o que as escolas do Rio alegam como sendo “lei”
a ser cumprida, na verdade, não se trata de lei : Trata-se de Deliberação
E/CME nº 21/2.010, expedida pelo Conselho Municipal de Educação do Rio de
Janeiro, que é hierarquicamente inferior a Lei de Diretrizes Básicas da Educação
e à Constituição Federal e, ao meu ver, também à Lei Estadual n 5.488/2.009 da qual falarei com mais propriedade a seguir.
O Município do Rio de Janeiro, ao fixar
as normas para a matrícula na Educação Infantil nas escolas pertencentes ao
Sistema Municipal de Ensino, da rede pública e privada, através da
Deliberação CME nº 21/10, estabeleceu que, para o ingresso nas modalidades
da Educação Infantil (Creche e Pré-Escola), a criança deverá ter a idade
prevista, completada até 31 de março do ano em que for cursar. Assim, a
criança na modalidade Pré-Escola I deverá ter 4 anos completos e na Pré-Escola
II, 5 anos completos, o que significa que, para ingressar no 1º ano do Ensino
Fundamental, nas escolas da rede pública municipal, a criança deverá ter 6 anos
completos até 31 de março.
A regra geral que vigora em
nosso Direito é a de que não há relação hierárquica entre normas oriundas de
entes estatais distintos, isto é, não se pode falar em hierarquia entre leis
federais, estaduais, distritais e municipais. Portanto, eventuais
conflitos entre essas normas são resolvidos de acordo com a competência do ente
federado para o tratamento da matéria, e não pelo critério hierárquico.
No caso das escolas de Educação Infantil do Rio de Janeiro, a competência
para legislar sobre elas é do Município do Rio de Janeiro. O Município do
Rio segue a norma contida na Deliberação
E/CME nº21/2.010.
Mas, as escolas que possuem alunos na Educação Fundamental
obedecem ao disposto na Lei
Estadual do Rio de Janeiro de n 5.488/2.009, porque a competência,
no Rio de Janeiro, para legislar sobre Educação Fundamental é do
Estado e não mais dos Municípios, como ocorre nos casos das creches e escolas
de educação infantil.
O entendimento das escolas que trabalham com a educação fundamental,
regidos portanto, por uma lei estadual, é o de que podem ser matriculados, no
primeiro ano do ensino fundamental, crianças que completem seis anos até o dia
31 de Dezembro do ano em que a criança completar seis anos.
Ocorre que, a criança para poder entrar no primeiro ano do ensino
fundamental, precisa ter concluído toda a educação infantil e os seus devidos
estágios. Só que, como quem legisla sobre o critério de classificação para
ingresso na educação infantil é o Município e este estabeleceu, através
da sua Deliberação E/CME nº21/2.010) que a criança
deverá ter a idade prevista, completada até 31 de março do ano em que for
cursar, a criança será classificada, na Educação Infantil, ou seja, quando
iniciar a sua escolaridade, nos termos do que prescreve a (Deliberação E/CME nº21/2.010) e não terá concluído
todos os estágios da educação infantil, no ano em que fizer 6 anos (até 31 de
Dezembro), de forma que não lhe será permitido o seu ingresso no ensino
fundamental, no ano em que ela vir a completar seis anos, caso ela aniversarie
depois de 31/03. Isto porque, muitas escolas do Rio de Janeiro, que
trabalham com o ensino fundamental, apesar de cumprirem o que determina a
Lei Estadual 5.488/2.009 acabam não aceitando a matrícula das crianças que
completam 6 anos depois de 31 de Março, que não terminaram a última etapa da
Educação Infantil ! E é este o grande engodo que está acontecendo no Estado
do Rio de Janeiro, aonde, apesar da lei estadual prever a possibilidade de
ingresso, na educação fundamental, de aluno que complete seis anos até 31 de
Dezembro, na prática, isto acaba não acontecendo, porque estas crianças, que
completam seis anos, depois de 31 de Março não terminaram a Educação Infantil,
de forma a serem matriculadas, no primeiro ano do ensino fundamental.
Contudo, ressalte-se que, não obstante não haver
hierarquia entre as leis de cada um dos entes federativos, há relação
hierárquica, respectivamente, entre a Constituição Federal, a Constituição do Estado, equiparada a ela, a
Lei Orgânica do DF e a Lei Orgânica do Município.
Entretanto, alguns doutrinadores ainda mantém o entendimento
de que, a lei magna é a
Constituição Federal, a lei fundamental, a lei primeira. Depois, vêm as leis
federais ordinárias ; em terceiro lugar, a Constituição Estadual; em seguida,
as leis estaduais ordinárias e, por último, as leis municipais. Surgindo
conflito entre elas, observar-se-á essa ordem de precedência quanto à sua
aplicação.
O que
irá definir qual norma (se
federal, se estadual/distrital, ou ainda, se municipal/distrital) irá
prevalecer é a repartição de competências traçadas pela própria Constituição
Federal – esta sim hierarquicamente superior para escolher quais casos vai
prevalecer um ou outro. Portanto, a definição da matéria é que interessa para
efeito de incompatibilidades entre normas de dois ordenamentos jurídicos
parciais. Dependendo da matéria o intérprete trará a solução adequada.
Em se tratando de educação
infantil, a Constituição Federal delega competência para que o Município
do Rio de Janeiro possa legislar sobre matéria atinente à Educação Infantil.
Em se tratando de ensino fundamental, por sua vez, o Estado é
competente para legislar a respeito. No caso em questão, se a matrícula da
criança for objeto de discussão enquanto a criança está na Educação Infantil, a
norma a ser seguida, será a do Município, que, neste caso, seria a Deliberação /CME
nº21/2.010.
Ocorre que, se por
um lado, quem tem competência para legislar sobre a Educação Infantil, no Rio
de Janeiro, é o seu Município, por outro lado, ele o faz, através de um ato
normativo, denominado Deliberação, que em nosso ordenamento jurídico não tem
força de lei e é hierarquicamente inferior á lei estadual. Ademais, ainda que
esta Deliberação, para alguns poucos doutrinadores ou juízes tenha força
de lei, ao meu ver, por mais outro argumento jurídico, ela não tem validade
e é inconstitucional e ilegal, eis que ela fere preceitos de nossa
Constituição Federal, em seus artigos 5, 295, 206 e 208, bem como de nossa
Legislação Federal, (LDB e Estatuto da Criança do Adolescente). Portanto, em
meu entendimento, esta Deliberação do Conselho Municipal do Rio de Janeiro é
inconstitucional e ilegal, de forma que, se for questionada em juízo (o que eu recomendo fortemente que se façam), ela poderá
ser considerada inconstitutional e ilegal, de forma a permitir a matrícula de
aluno que complete 6 (seis) anos, depois de 31/03, no primeiro ano do ensino fundamental,
e consequentemente, nas séries inferiores ao primeiro ano do ensino
fundamental, considerando-se a data /corte como sendo a de 31/12 e não a de
31/03 para ingresso na série pretendida.
OS ATOS SECUNDÁRIOS
(tais como uma Resolução do Conselho Municipal da Educação) BUSCAM
FUNDAMENTO DE VALIDADE NA LEI E NÃO PODEM, VALIDAMENTE, INOVAR NO ORDENAMENTO
JURÍDICO. POR ISSO, QUANDO UMA NORMA DESTE GRUPO NÃO SE CONFORMAR À
CONSTITUIÇÃO SE FALARÁ EM INCONSTITUCIONALIDADE.
Os atos normativos
secundários devem ser produzidos conforme as leis e tendo em vista a
competência territorial determinada na Constituição Federal, nas Constituições
Estaduais e nas Leis Orgânicas. Caso estes atos sejam produzidos em
desconformidade com as Constituições ou Leis poderão ser declarados
inconstitucionais ou ilegais – vai depender da autonomia do ato normativo –
se autônomo, geral, abstrato e em desconformidade direta com a Constituição
pode-se falar em inconstitucionalidade, quando, por qualquer forma contraria a
lei que o fundamenta se falará em ilegalidade. Os atos normativos secundários
servem, precipuamente, para especificar os comandos gerais e abstratos das
leis, ou seja, para dar concretude às leis.
As Resoluções,
assim como os Decretos Legislativos, não podem invadir o campo normativo próprio
das Lei Complementares e das Leis Ordinárias, muito menos da Constituição
Federal.
Por
sua vez, as leis estaduais são hierarquicamente inferiores às leis federais. Se
os deputados estaduais fizerem uma lei em desacordo com Leis Federais, a lei é
ilegal.
Alguns juristas entendem que as leis municipais são hierarquicamente inferiores às leis federais e estaduais. Se os vereadores fizerem uma lei em desacordo com as leis federais e/ou estaduais, a lei é ilegal, mesmo se o Prefeito sancionar a lei. (Notem, que a Deliberação em questão não é nem lei municipal, posto que não fora feita por vereadores e nem sancionada pelo Prefeito !)
Assim, se uma lei
federal invade a competência estadual ou municipal, torna-se inválida e
inconstitucional. Porém, por óbvio, não se trata de hierarquia, mas de conflito
de competências, a ser resolvido sempre com base na Constituição Federal.
Entendo não ser possível
que o Município estabeleça a idade corte com base numa Deliberação que não tem
a mesma força que uma lei. E, em não sendo lei, este ato normativo, a
Deliberação, não pode se sobrepor à uma lei, que no caso seria a Lei Estadual de n 5.488/2.009.
Por isso, pais que possuem filhos nas escolas do Rio de Janeiro, saibam que vocês podem questionar a decisão adotada pela escola de seus filhos, que determina como data corte, a de 31/03, com base na Deliberação emanada do Conselho Municipal de Educação, através de medida judicial. Por isso, procure sempre um advogado. Nestes caso, um especializado em Direito de Educação, que irá saber como conduzir esta questão de forma cautelosa.
Claudia que aula heim? Vou passar este link para os pais que me procurarem. Parabéns!! Obrigada também pela dedicação ! Abraços Sônia Maria Aranha
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