Monografia de André
de Holanda Padilha Vieira, para graduação submetida ao curso de Ciências Sociais,
habilitação Sociologia da Universidade de Brasília, para a obtenção do grau de
bacharel em Sociologia.
Orientador: Luís Augusto
Sarmento Cavalcanti de Gusmão
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
- INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS -
DEPARTAMENTO DE
SOCIOLOGIA - Brasília,
2012.
Tema da Monografia
: “ESCOLA? NÃO, OBRIGADO”: Um retrato da homeschooling no Brasil
A primeira lei
brasileira a proibir a prática foi o Estatuto da Criança e do Adolescente, de
1990, que, no artigo 55, obriga a matrícula na rede regular de ensino. A norma
teria sido referenciada pela Lei de iretrizes e Bases de 1996 (art. 6º), que
prevê igualmente matrícula obrigatória no ensino fundamental. Há
interpretações, no entanto, que consideram o efeito jurídico dessas leis
ordinárias anuladas pela ratificação de tratados internacionais de direitos
humanos da parte do governo brasileiro (MACHADO; MOREIRA, 2008).
Hoje, a educação
domiciliar é oficialmente proibida pela justiça brasileira. Em 2002*, o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) indeferiu (por seis votos a dois) o pedido de Carlos
Alberto C. de Vilhena Coelho, procurador da República, e Márcia Marques O V.
Coelho, bacharel em Administração de Empresas, de educar seus filhos em casa.
Foi a primeira vez em que a modalidade foi objeto de discussão em um tribunal
superior brasileiro. O casal, então residente em Anápolis (GO), defendia o
direito de ensinar o conteúdo do ensino fundamental brasileiro para os seus
filhos (então, com 11, 7 e 9 anos), sem que eles precisassem frequentar escola
(já estavam matriculados em uma), para onde iriam só para serem avaliados.
A interpretação
predominante no julgamento do Mandado de Segurança Nº 7.407, impetrado pelos
pais, foi a do ministro-relator Peçanha Martins. Ele alegou não haver
regulamentação na legislação vigente para a educação domiciliar e acrescentou
que “os filhos não são dos pais... são pessoas com direitos e deveres, cujas
personalidades se devem forjar... no convívio social formador da cidadania”.
Em
2007, o professor universitário Luiz Carlos Faria da Silva, 56, e a pedagoga Dayane
Dalquana, 38, residentes em Maringá (PR), conseguiram autorização da Justiça
para educar em casa. Desde
então, a educação oferecida pelo casal aos filhos Lucas, de 14 anos, e Júlia,
de 12, é acompanhada por meio de provas periódicas (atualmente, anuais)
aplicadas por equipe indicada pelo Núcleo Regional de Educação e por meio da
aplicação de avaliações psicológicas. O caso é o único do país em que houve
admissão formal da modalidade pela Justiça brasileira.
Com a
publicidade do fenômeno, surgiram propostas de regulamentação estatal da
educação em casa. Na história da Nova República, foram oito, todas de autoria
de deputados: seis projetos de lei federais, um distrital e uma proposta de
emenda à constituição (PEC). Desse total, quatro foram apresentados nos últimos
quatro anos e dois pares de projetos tramitaram anexados um ao outro.
Apenas
o mais recente projeto de lei e a PEC continuam em tramitação, o restante foi
rejeitado. Os autores, pertencentes a sete partidos diferentes, sugeriram desde
criar um “Sistema de Educação Domiciliar Cooperativa” até emitir “licenças para
educar em casa” (BRASIL, 2008) e obrigar a matrícula dos estudantes
domiciliares em escolas (BRASIL, 2002).
Todos os projetos
foram a favor de que o Ministério da Educação regulamentasse a educação em
casa, com maior ou menor grau de intervenção: em um deles, os pais ficariam
impedidos de “explorar comercialmente a rede de ensino domiciliar” (BRASIL,
1994), para outro, estariam proibidos de “transferir a tarefa” para terceiros
(BRASIL, 2002). A imposição de currículos e programas escolares é defendida
explicitamente na maioria dos projetos,
e quando não, aparece como conclusão lógica (BRASIL, 2008a, 2009, 2012). Os
motivos dos deputados variaram:
contornar o alto
valor das mensalidades de escolas privadas, evitar a violência e o contato com drogas nas
escolas, permitir uma educação individualizada e desenvolver o autodidatismo, assegurar
aos pais o “direito de escolher” (BRASIL, 2008b, 2009).
As razões apresentadas pelos relatores dos
projetos para a sua rejeição foram igualmente divergentes. O primeiro, o
projeto de lei 4.657, de 1994, foi recusado porque, segundo a relatoria, não
havia impedimento constitucional à educação domiciliar, pelo que a proposta
perderia sentido.
Já os relatores dos
projetos de 2001, 2002 e os de 2008 consideraram a modalidade contrária à Constituição
e à legislação vigente. O relator dos dois primeiros, à época, o deputado
Rogério Teófilo (PPS/AL), defendeu que a escolarização obrigatória é o meio pelo qual “a sociedade protege-se de uma
formação deficiente para a cidadania” (BRASIL, 2005, p. 4), além de que os argumentos
dos autores dos projetos teriam “natureza claramente elitista” (BRASIL, 2005,
p. 5). O parecer foi aprovado por unanimidade.
As propostas de 2008 tiveram dois relatores,
que apresentaram quase a mesma justificativa:
o convívio escolar
tem um papel importante nas vidas das crianças
e adolescentes, e o ensino domiciliar tem despertado polêmica nos países
em que a prática é legal. O segundo relator, o então deputado Waldir Maranhão
(PP/MA), acrescentou que “não se encontra ainda suficientemente demonstrada a
eficácia desse sistema” (BRASIL, 2011) e “além disso, este tipo de experiência escolar
pode também levar a desvios comportamentais e posturas segregacionistas nos
alunos”. (BRASIL, 2011). O voto do deputado também foi acatado por toda a
Comissão.
O projeto de lei nº 3.179, de 2012
O deputado federal
Lincoln Portela (PR/MG) é o mais novo parlamentar a propor a regulamentação da
educação domiciliar no país. Esse é o objetivo do seu projeto de lei, o de nº 3.179,
que apresentou em 8 de fevereiro. O deputado, que está no quarto mandato, é
líder do Partido da República, na Câmara, e do bloco parlamentar
PR/PTdoB/PRP/PHS/PTC/PSL. Portela é formado em Teologia, pastor batista há 38
anos, e presidente da Igreja Batista Solidária, sediada em Belo Horizonte.
Radialista e apresentador de televisão, trabalha também na emissora estatal
mineira Rede Minas, na qual apresenta o programa de entrevistas 30 Minutos. No
Congresso Nacional, o parlamentar integra a Frente Parlamentar de Combate à
Obesidade e a Frente Parlamentar Evangélica. Em abril deste ano, ele foi o
fundador da Frente Parlamentar para regulamentar a Educação Domiciliar (FPRED),
a primeira criada no Congresso Nacional dedicada ao tema.
Lincoln Portela
alega ter conhecido a educação domiciliar na prática, em sua própria casa:
“Eu fui
alfabetizado pela minha mãe e pela minha avó. Mesmo quando eu fui matriculado
em escola, minha mãe sempre me levava, em casa, para além daquilo que a grade
curricular convencional tem”. O parlamentar, que hoje milita pela causa,
começou a pesquisar o assunto depois que apresentou o projeto de lei: “Eu até
apoiei as outras propostas, de forma quieta, ideologicamente. Quando soube que
tinham sido arquivadas, apresentei o meu projeto. Foi quando comecei a
pesquisar mais sobre o assunto”. Seguiram-se, então, os contatos com a ANED e
com outros grupos de pais praticantes. Hoje, Portela parece convicto das
vantagens da educação em casa:
“Ela possibilita
uma educação individualizada, os alunos tornam-se autodidatas, passam a se interessar
pelos estudos, pela pesquisa, não ficam bitoladas em determinadas matérias”.
O projeto de lei do deputado Portela adiciona
um terceiro parágrafo ao Artigo 23 da Lei nº 9.394, de 1996 (a LDB). O conteúdo
proposto para esse parágrafo foi:
§ 3º É facultado
aos sistemas de ensino admitir a educação básica domiciliar, sob a
responsabilidade dos pais ou tutores responsáveis pelos estudantes, observadas
a articulação, supervisão e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos
próprios desses sistemas, nos termos das diretrizes gerais estabelecidas pela
União e das respectivas normas locais. (BRASIL, 2012).
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