Extraído do site : http://www.istoe.com.br/reportagens/267206_TALENTOS+DESPERDICADOS?pathImagens=&path=&actualArea=internalPage
MENINO PRODÍGIO
Matheus Camacho conquistou o ouro na Olimpíada Internacional e Ciencias, superando estudantes mais velhos, e chamou
a atencao do júri, ao conquistar a nota máxima
Matheus Camacho conquistou o ouro na Olimpíada Internacional e Ciencias, superando estudantes mais velhos, e chamou
a atencao do júri, ao conquistar a nota máxima
Talentos desperdiçados
Cerca de 5% das crianças e dos adolescentes brasileiros
são superdotados. Por que o País tem tanta dificuldade para identificar e
desenvolver esses pequenos gênios, que acabam indo para o Exterior
Rachel Costa e
Natália Martino
Matheus Camacho é brasileiro, estudante do nono ano e medalha de ouro na etapa experimental da Olimpíada Internacional de Ciências, uma das competições científicas estudantis mais difíceis do mundo. A sua conquista só foi revelada publicamente na semana passada. Do alto de seus 14 anos recém-completados, o tímido aluno que ainda nem terminou o ensino fundamental foi ao Irã no mês passado. Enfrentou adversários do mundo inteiro, a grande maioria garotos mais velhos do ensino médio, e voltou para casa com uma conquista inédita para o País: o primeiro lugar em uma das etapas mais difíceis da Olimpíada. Na competição que venceu, ele e seus dois companheiros tiveram de resolver problemas práticos de biologia, física e química, disciplinas que ele viu pela primeira vez no ano passado, em aulas especiais no contraturno, já que elas não constam na grade do ensino fundamental. Além do pódio, a equipe de Matheus conseguiu outro feito: tirou nota máxima na prova, chamando a atenção até mesmo do júri. Habituado a encontrar indianos, chineses e russos, mas não brasileiros, entre os primeiros lugares, o locutor não se conteve ao anunciar o título: “Olha, o Brasil não é bom só no futebol”, brincou. A surpresa se justifica. Apesar de querer ser grande, falta ao País uma política sólida para a valorização de talentos – coisa que outros emergentes como China e Índia, com seus tropeços e acertos, têm se empenhado mais em desenvolver. É certo que o grande desafio nacional dos últimos 15 anos foi universalizar a educação, esforço inegavelmente necessário, mas que teve como ônus desnecessário a negligência com os alunos com altas habilidades.
Entre
nossas crianças e nossos adolescentes, se usada a base de cálculo sugerida pelo
americano Joseph Renzulli, uma sumidade nas pesquisas de superdotação, teríamos
cerca de 3,15 milhões de brasileiros com altas habilidades. O número equivale a
5% da população infanto-juvenil. “Essa é a percentagem mais usada, embora haja
outros sistemas de identificação possíveis que levam a outros percentuais”,
afirma o pesquisador, diretor do Centro Nacional de Pesquisa em Superdotados e
Talentosos da Universidade de Connecticut, nos Estados Unidos. Mas, se pela
régua de Renzulli estamos falando em milhões, nos dados do Ministério da
Educação (MEC) o número de superdotados nas escolas não passa de 11 mil, de
acordo com o Censo de 2011. Onde estariam, então, nossas crianças e nossos
adolescentes com altas habilidades? “Na própria escola, mas não há quem as
identifique”, diz Susana Barrera Pérez, presidente do Conselho Brasileiro para
a Superdotação e uma das poucas referências sobre o tema no País. “Não há uma
só linha de pesquisa sobre o assunto nas universidades brasileiras e o tema
passa batido para os alunos de graduação, que serão os futuros educadores. Sem
formação adequada, como eles vão saber identificar esses alunos?” No ensino
superior, a única instituição a oferecer uma cadeira sobre superdotação a seus
futuros educadores é a Universidade de Brasília (UnB) e, em todo o País, há
apenas 13 doutores dedicados ao assunto, incluindo Susana. Nos Estados Unidos,
país com maior número de prêmios Nobel, são 29 Estados com programas de
mestrado e, em pelo menos 21 Estados há linhas de pesquisa no doutorado
voltadas para a superdotação, segundo o último relatório da Associação
Americana para Crianças Superdotadas.
Sem conhecimento adequado, proliferam mitos e
preconceitos sobre as crianças com altas habilidades dentro das escolas
brasileiras. Um deles é o de que esses meninos e meninas são casos raríssimos
de prodígios ou gênios com grande conhecimento acadêmico – o que não é
necessariamente verdade (leia quadro à pag. 45). Nas quase duas décadas em que
trabalha com o tema, Susana se acostumou a ouvir em suas palestras professores
dizendo que não possuíam alunos com altas habilidades. “Trabalho na periferia,
isso é coisa de escola particular”, costumam bradar os educadores. “Com duas
horas de palestra, porém, eles já mudam de opinião e conseguem se lembrar de
estudantes com altas habilidades.” Para tentar corrigir esse problema, o MEC
iniciou em 2008 um tímido projeto de criação dos Núcleos de Atividades de Altas
Habilidades (NAAHs), que deveriam servir como centros para reunir e desenvolver
nossos pequenos talentos. Cinco anos depois, porém, além de poucos (são apenas
27 centros, restritos às capitais), vários desses núcleos não estão nem em
funcionamento, como atestou Susana ao fazer um estudo sobre os NAAHs. “E a
dificuldade para capturar os talentos não é exclusiva à rede pública. Ocorre
também na rede privada.” Para ser brilhante no Brasil, mais que ter altas
habilidades, é preciso ter sorte.
Simone Camacho, mãe de Matheus, reconhece que se seu filho hoje está satisfeito
com suas conquistas foi por uma feliz conjunção de fatores. Uma professora mais
dedicada na infância, a sorte de encontrar uma psicóloga especializada em altas
habilidades quando suspeitou que o menino estava deprimido, um vizinho que
também tinha altas habilidades e um professor que passou a atuar como guia de
Matheus nos estudos. Nem todos, porém, contam com essa sorte e por isso é
preciso existir uma política pública nacional para encontrar esses jovens
talentos. “Talvez, os alunos que estejam em situação mais desconfortável na
escola hoje sejam os talentosos, em especial na rede pública”, diz Ricardo
Madeira, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade
de São Paulo (USP). “Sem estímulo, eles se sentem perdidos”, afirma Madeira,
que no último ano divulgou um estudo mostrando que só de mudar esses pequenos
talentos de escola – dando-lhes a oportunidade de estudar em instituições de
melhor qualidade – o potencial de aprendizagem deslancha.
Em muitos casos, a reclamação da aula enfadonha poderia ser resolvida com uma
atitude simples: avançar a criança para o ano seguinte. “No Brasil, porém, a
aceleração ainda é um tema bastante polêmico, embora em outros países seja
muito claro que a criança deve ser acelerada quando necessário”, afirma a
professora Ângela, da UnB. A
advogada Cláudia Hakim, 41 anos, conhece bem de perto esse drama. Seus dois
filhos, uma menina de 11 anos e um menino de 8, têm superdotação e a sugestão
para que fossem avançados de turma foi feita por um psicopedagogo que os
avaliou após a coordenadora pedagógica do colégio perceber o desenvolvimento
acelerado das crianças. A dificuldade, porém, veio de cima, da diretoria de
ensino, órgão ligado à Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. No caso da
menina, a batalha já está resolvida e a matrícula legalizada. Já o menino se
mantém na turma avançada por uma liminar judicial. Os problemas consecutivos
tornaram a mãe uma militante da causa. Só no último ano, Cláudia advogou para
15 famílias em situação semelhante. “É direito nosso e temos de lutar por ele”,
diz. O nó quando se fala em aceleração não está na
lei, mas sim no sistema educacional. “Nossas escolas não contam com a figura do
psicológo educacional, que é o profissional que vai comparar o desempenho
acadêmico com a maturidade emocional e dar o parecer sobre a possibilidade de a
criança acompanhar as aulas com alunos mais velhos”, diz a professora Ângela.
Negligenciar o
desenvolvimento desses talentos não é prejudicial apenas para eles. Ao agir
dessa forma, o País perde, no mínimo, boas oportunidades. “Crianças com altas
habilidades são um precioso recurso nacional que precisa ser protegido, nutrido
e desenvolvido”, disse à ISTOÉ Steven Pffeifer, professor da Universidade
Estadual da Flórida e autor do “Manual para Superdotação em Crianças” (2009).
Pffeifer é autor de um teste para identificar superdotados, bem popular entre
colégios americanos. Sem investir em programas para altas habilidades, esse
recurso se esvai. “Perdem-se líderes, invenções, profissionais com potencial
para se tornar nomes de destaque em diversas áreas do conhecimento”, afirma o
brasileiro Nielsen Pereira, docente da Universidade de Kentucky, nos Estados
Unidos, ele próprio um pesquisador que saiu do País para desenvolver suas
pesquisas.
O professor da USP
comparou estudantes do sétimo ano da rede pública “fisgados” pelo Instituto
Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos (Ismart) com seus pares.
Enquanto os primeiros foram para colégios melhores, os demais seguiram nas
mesmas instituições. Após dois anos, a média daqueles que haviam mudado estava
muito maior. Marco Antônio Pedroso, 21 anos, foi para o programa em 2005, após
conquistar um ouro na Olimpíada Paulista de Matemática. A oportunidade
representou uma guinada para o menino, que, em um colégio melhor, se sentiu
desafiado. “Antes eu só tirava 10, mas estava acomodado”, afirma. A dose de
ânimo fez Pedroso ganhar outros prêmios olímpicos e criar, ele próprio, com a
ajuda do irmão mais novo, um projeto para formar outros medalhistas em sua
cidade natal, Santa Isabel, a 60 quilômetros de São Paulo. “Queria que os
alunos soubessem das olimpíadas para que elas os ajudassem da mesma forma como
me ajudaram”, diz. Desde junho de 2010, Pedroso acompanha de longe o projeto
que criou. Nos Estados Unidos o jovem agora dedica seu tempo às aulas do
Massachusetts Institute of Technology (MIT).
“A educação inclusiva
está falhando ao excluir esses alunos com altas habilidades”, diz Ângela
Virgolim, referência brasileira quando o assunto é superdotação e professora do
departamento de psicologia escolar e desenvolvimento da UnB. Do mesmo modo que
as crianças com déficit, as altamente talentosas estão incluídas no capítulo da
educação especial do sistema educativo brasileiro. A razão é porque nos dois
extremos deve-se ter atenção extra para ajudar os estudantes a se desenvolver
de forma saudável.
O que ocorre na realidade das escolas, porém, passa longe do
previsto. “Ao contrário da deficiência, na alta habilidade não existe uma marca
física, o que torna mais difícil definir quem são esses estudantes”, diz
Susana. Somem-se a isso os mitos que acompanham os alunos com altas
habilidades. “O pior deles é aquele que diz que o superdotado não precisa de
ajuda porque vai cumprir tudo por sua conta”, disse à ISTOÉ Ella Cosmovici,
autora de “Nossas Crianças Superdotadas” (2011) e professora da Universidade de
Stavanger, na Noruega. Abandonado pelo sistema, é comum esse aluno não saber
que caminho percorrer, como aconteceu com Leonardo Florentino, 14 anos. “Eu não
gostava da aula porque era tudo muito básico. Aí os professores me mandavam ir
estudar sozinho na biblioteca”, diz. O conflito com a escola só terminou no
terceiro ano, quando ele conseguiu uma bolsa em outra instituição, repleta de
aulas extras na grade curricular, e começou a acumular troféus em campeonatos
de conhecimento. Em casa, coleciona medalhas de matemática, física, química,
astronomia, robótica e redação.
O resultado é que seja
no futebol, seja na academia ou nas artes, os brasileiros com altas habilidades
geralmente têm o mesmo destino: o Exterior. Só na Universidade de Harvard, nos
Estados Unidos, o número de estudantes do País subiu 20% entre 2007 e 2011. Um
deles é Gabriel Guimarães, 19 anos, recém-admitido pela instituição. A decisão
de buscar formação fora foi tomada há quatro anos e veio depois de seguidas
frustrações no sistema de ensino brasileiro. O primeiro contato com a universidade
americana foi por meio de um de seus cursos online, no fim do ensino médio.
Enquanto a maior parte dos alunos levou quatro meses para assistir a todas as
aulas virtuais, Guimarães viu tudo em três semanas. Quando fez a aplicação para
Harvard, não deu outra: foi selecionado. A aplicação é apenas uma das formas
que essas instituições mantêm para conseguir as melhores cabeças. “Nas
olimpíadas acadêmicas internacionais sempre há ‘olheiros’ das grandes
universidades. Quando o aluno desce do pódio, eles já entregam o cartão
convidando-o a conhecer a instituição”, diz o professor de física Ronaldo Fogo,
responsável pelas turmas olímpicas de física do Colégio Objetivo de São Paulo.
Fogo foi quem ajudou Matheus Camacho a se encontrar no universo das ciências.
Acostumado a lidar com alunos olímpicos, o professor sabe que o futuro que
espera Matheus, assim como tantos outros de seus alunos, está nas universidades
internacionais. “O Brasil está perdendo o bonde da história por essa
dificuldade de identificar, desenvolver e reter nossos talentos.”
Espero que esta reportagem possa abrir os olhos os nossos governantes e que os superdotados possam ter a educação que merecem, tanto na rede pública como na rede privada.
ResponderExcluirMinha dificuldade atual é fechar um "diagnóstico" sobre minha filha, se ela tem alguma habilidade especial e precisa ser trabalhada ou é apenas espeta para a idade....
ResponderExcluirDe onde vc é, para poder lhe indicar um profissional que possa avaliar a sua filha ? Aguardo você no meu grupo do facebook, Mãe de Crianças Superdotadas !
ResponderExcluirÉ isto aí, João ! Assim esperamos !
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