Extraído do site do Jornal “A Folha de São Paulo, de 22 de Janeiro de
2.013 : http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1218155-opiniao-numeros-e-formulas-nao-sao-coisas-de-menino.shtml
Opinião: "Números e fórmulas não são coisas de menino"
CÁSSIO
LEITE VIEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Este
texto é para meninas que gostam de física e matemática. E querem ser
cientistas. É também uma mensagem para os familiares delas.
Na
década de 1980, minha adorável experiência como professor de matemática e
física no ensino médio me deu algumas certezas. Uma delas: meninas, na média,
são melhores que meninos nessas duas disciplinas. Mas um estranho viés cultural
sempre alçava um menino a "gênio" das exatas da escola. Mesmo que
houvesse meninas com notas melhores. Injustiça.
Outra
certeza : em geral, minhas alunas eram mais meticulosas, organizadas e
intuitivas que os meninos --quatro boas qualidades para a resolução de
problemas científicos (ou do cotidiano).
Incentivei
muitas alunas --algumas brilhantes-- a fazer física, matemática ou engenharia.
Em vão. Razão: falta de apoio ou resistência familiar. Ouvi pais dizerem que
eram profissões de homem.
De
lá para cá, certamente o cenário mudou. Arrisco dizer que, na biologia e na
química, as mulheres já ultrapassaram os homens.
Se
você, menina para quem escrevo este texto, tiver momentos de dúvida, lembre-se
dos percalços vencidos por pioneiras. A francesa Sophie Germain (1776-1831),
que assinava cartas como "Sr. Leblanc" para ser aceita entre
matemáticos, tornou-se a primeira cientista a frequentar as sessões da Academia
de Ciências da França; a alemã Emmy Noether (1882-1935), que teve coragem de
seguir a profissão do pai, é tida como a matemática mais notável do século
passado.
Na
física, a franco-polonesa Marie Curie (1867-1934), que passou boa parte da
graduação na França a pão e chá, acabou no seleto clube de cientistas com dois
prêmios Nobel (Física, 1903; Química, 1911).
Como
Noether, a austríaca Marietta Blau (1894-1970) e a alemã Maria Goeppert-Mayer
(1906-1972) trabalharam por anos sem pagamento --comum para mulheres cientistas
no início do século passado. Blau, quando pediu um cargo permanente a seu
chefe, escutou: "Mulher e judia... Aí já é demais!". Daria parte de
meus vencimentos para ver a cara dos homens que negaram salário a Goeppert-Mayer
quando ela ganhou... o Nobel de Física de 1963.
Gosto,
porém, do exemplo de Mileva Maric (1875-1948). Brilhante em matemática e
física, foi uma das primeiras mulheres do Império Austro-Húngaro a receber
licença do governo para cursar essas disciplinas entre os meninos. Na
graduação, suas notas eram tão boas quanto ou superiores às de seu futuro
marido : Albert Einstein (1879-1955). Sabemos que ela lia e corrigia os artigos
dele, antes de serem enviados para publicação. Seu brilho, no entanto, foi
obscurecido pela fama dele. E sua carreira prejudicada pelo tratamento
insensato que ele dedicou a ela.
Há,
no Brasil, várias pioneiras. Mas uma delas sempre me impressionou. Sonja
Ashauer (1923-1948) fez o doutorado --o segundo obtido por um físico
brasileiro-- com o britânico Paul Dirac (1902-1984), Nobel de 1933. Mas morreu
jovem e de forma misteriosa.
Essas
e muitas outras cientistas facilitaram o ingresso das mulheres nas
universidades e nos laboratórios de pesquisa no mundo todo.
A
ciência, aqui e lá fora, sempre precisará de pesquisadores bem formados. Além
disso, ser cientista é bacana. Meus argumentos: ninguém vai se importar com o
modo com que você está vestida; os salários hoje são razoáveis para alguém com
doutorado; não precisa bater ponto; e nem sempre se tem chefe. Você será aquilo
que produzir.
Portanto,
não se deixe convencer de que profissões com números e fórmulas são para
meninos. Mesmo que sua família diga isso. Siga sua vocação. E, para finalizar,
peço licença para uma última opinião pessoal: meninas com um cérebro cheio de
fórmulas sempre me pareceram mais atraentes que as outras.
CÁSSIO LEITE VIEIRA é jornalista do Instituto Ciência
Hoje (RJ) e coautor de "A Revolução dos Q-Bits" (Zahar)
E, vivam as meninas !!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário