Extraido do site da Revista Época : http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2012/08/como-detectar-transtornos-de-aprendizagem.html
Pesquisas mostram
que, em países em desenvolvimento cerca de 40% dos alunos de séries iniciais
têm dificuldades de aprendizagem. Destes, apenas
6% têm distúrbios de origem neurobiological
AMANDA POLATO
Em toda sala de aula, há estudantes que aprendem com mais facilidade e
outros que têm dificuldade para acompanhar as lições. Ninguém está a salvo de
tirar notas baixas vez ou outra. Mas o que fazer quando os problemas são
persistentes? Há quem fique anos sem conseguir se adaptar ao ritmo das turmas
ou mesmo aprender o básico – ler e escrever. Pais e professores são os
primeiros a perceber sinais de que algo não vai bem. Porém, nem sempre
conseguem identificar as causas do problema.
Problemas com métodos de ensino são os que mais afetam o desempenho das
crianças (Foto: Welinton/SXC.hu)
Em geral, os docentes não são preparados para perceber o que impede o
aprendizado dos alunos, diz Sandra Torresi, professora de neuropsicologia na
Universidade de Morón, na Argentina. Ela diz que eles não são obrigados a fazer
diagnósticos, até porque isso depende da avaliação de diversos profissionais,
como psicopedagogos, fonoaudiólogos, neuropsicólogos, neurologistas,
psiquiatras, entre outros. “Mas ainda falta compreensão sobre o processo de
aprendizado em si. Muitos professores não conhecem nem o desenvolvimento normal
das crianças. E só ensina bem quem sabe como se aprende”, afirma Sandra.
No Brasil e em outros países em desenvolvimento, pesquisadores estimam que
de 40% a 42% dos alunos nas séries iniciais tenham dificuldades para aprender.
Destes, 4% a 6% têm transtornos de origem neurobiológica.
As dificuldades no aprendizado podem decorrer de falhas no método de ensino
e no ambiente escolar. Também podem pesar fatores relacionados à vida familiar
e a condições psicológicas da criança.
Nos transtornos ou distúrbios de aprendizagem, há problemas em áreas
específicas do cérebro. “Há uma característica de origem genética,
neurobiológica. A criança nasce com uma falha de processamento. Não quer diz
que não vá aprender, ela vai, só que de uma forma diferente”, diz Sylvia
Ciasca, livre-docente em neurologia infantil na Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) e coordenadora do Laboratório de Dificuldades, Distúrbios de
Aprendizagem e Transtornos da Atenção (Disapre) da instituição. Segundo a
professora, os distúrbios são mais raros que as dificuldades escolares.
Rosa Maria Junqueira Scicchiato, psicopedagoga e professora da Universidade
Estadual de Londrina (UEL), diz que, em sua experiência de atendimento clínico,
é mais comum se deparar com problemas do sistema educacional. “Já vi casos de
meninos que não sabiam ler e escrever porque nunca ninguém tinha sentado com
eles e ensinado. Apenas isso. Não tinham nenhum transtorno. Foi só dar atenção,
usar método adequado, e eles aprenderam.” Para ela, salas lotadas e formação de
professores deficientes em todo país são os maiores vilões do ensino.
Quais são os principais transtornos
As pesquisas científicas sobre distúrbios de aprendizagem são relativamente
recentes – ganharam relevância a partir dos anos 1980. Ainda não existem testes
padronizados mundialmente para diagnosticá-los, embora haja referências
importantes. Com isso, é difícil encontrar crianças com diagnóstico fechado de
outros transtornos além dos mais conhecidos como dislexia e Transtorno do
Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) ou sem Hiperatividade (TDA).
A dislexia é um distúrbio específico das operações relacionadas ao
reconhecimento das palavras, segundo definição do livro Transtornos da
Aprendizagem: Abordagem neurobiológica e multidisciplinar, da neuropediatra
brasileira Newra Tellechea Rotta e outros autores (Editora Artmed). Os
disléxicos têm dificuldade para identificar as letras com precisão e velocidade
e para formar as sílabas. Há diferentes graus de comprometimento e os sintomas
variam conforme a idade. Crianças em fase escolar costumam sofrer para adquirir
a habilidade de leitura e escrita e, quando conseguem, fazem tudo num ritmo
mais lento que os colegas.
Para elas, são atividades penosas copiar textos da lousa, escrever redações
e fazer provas dissertativas.
Um adulto com dislexia apresenta falhas principalmente no hemisfério
esquerdo do cérebro e em regiões parietais – áreas responsáveis pelo
processamento da linguagem. Elas acabam sendo menos ativadas do que deveriam no
momento da leitura e da escrita. Com tratamento, o disléxico consegue aumentar
a ativação das regiões, mas nunca da mesma maneira que uma pessoa sem o
transtorno. Sylvia Ciasca, da Unicamp, afirma que o cérebro é capaz de se
adaptar e encontrar outras formas de cumprir suas funções.
O TDAH e TDA não são definidos, necessariamente, como transtornos de
aprendizagem, mas, por afetar a atenção e concentração – aspectos essenciais
para os estudos – geralmente causam dificuldades. Além disso, é comum a coexistência
de distúrbios. “De cada 100 crianças com TDAH, 10 a 15 também apresentam outro
transtorno de aprendizagem”, diz Luis Augusto Rohde, livre-docente pela
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e professor de psiquiatria da
infância e adolescência na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Segundo ele, há grande diferença entre uma pessoa com algum grau de agitação e
uma desatenta e hiperativa. “Passa a ser problema de saúde quando traz
prejuízos na vida do indivíduo.” A criança com o transtorno tem sintomas
persistentes em diversos ambientes – na escola, com a família e os amigos. Está
praticamente todo tempo em movimento e sofre para se focar em apenas uma
atividade.
Outros distúrbios – menos diagnosticados, porém cada vez mais estudados –
são as discalculias, as disgrafias e o transtorno não verbal.
Um estudante com discalculia é aquele incapaz de aprender matemática. Não
se trata de dificuldades pontuais em algumas séries em que a disciplina fica
mais exigente, mas da impossibilidade de aprender conceitos básicos. “A criança
com o transtorno pensa em outra lógica e não consegue, por exemplo, transformar
quantidades em números ou entender que a sequência numérica é da esquerda para
a direita”, afirma Ângelo Rezende, neurologista da infância e adolescência e
pesquisador da Universidade de São Paulo. Ele conta o caso de uma menina de 9
anos, com quadro grave de discalculia, que decorou os números, mas não tinha
entendido o que representavam. Para ela, cada um deles era um personagem
diferente em uma história. Estudos com ressonância mostram que, no cérebro das
crianças com discalculia, há menor ativação nas regiões pré-frontal e parietal
durante as tarefas de cálculo.
As disgrafias são os transtornos relacionados à escrita. São causados por
falhas em áreas do cérebro responsáveis pela parte motora fina (lobo frontal).
As pessoas com dificuldades nesse campo não conseguem controlar plenamente
pequenos músculos em suas mãos. Os problemas da escrita atrapalham a
comunicação e exigem muito esforço dos estudantes, que, por vezes, ficam com
pouca energia para prestar atenção no conteúdo do texto. “Normalmente, o
computador é um grande aliado no tratamento dessas crianças”, afirma Sandra
Torresi, da Universidade de Morón.
O transtorno não verbal (Tanv) é um tipo raro de distúrbio e está ligado a
procedimentos de estudos. A psiquiatra Gabriela Dias, especialista em saúde
mental e desenvolvimento infantil pela Santa Casa do Rio de Janeiro, diz que o
Tanv afeta principalmente a coordenação motora, a percepção sensorial e
espacial e as habilidades sociais. Alguns dos sintomas são semelhantes aos de
crianças com autismo e síndrome de Asperger. Elas costumam ter poucos amigos,
fazem interpretação literal de eventos e mantêm conversas fora de contexto.
Também têm dificuldades para analisar, organizar e sintetizar as informações.
Todos os especialistas ouvidos por ÉPOCA deixam claro que nenhuma criança
com dificuldades de aprender ou distúrbios tem inteligência abaixo do normal.
Elas precisam apenas de outras estratégias e, muitas vezes, de atendimento
especializado para avançar nos estudos. “Quando não conseguem aprender, as
crianças sofrem. E são chamadas de desinteressadas, preguiçosas, burras”, diz
Sandra Torresi. “Elas precisam de atenção, métodos de ensino adequados,
estímulos positivos e que alguém mostre a elas o que fazem bem, não apenas no
que vão mal.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário