Superdotação, Asperger (TEA) e Dupla Excepcionalidade por Claudia Hakim

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quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Mitos que perpassam o tema das altas habilidades / superdotação




Extraído dos sites : http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572010000200012&tlng=pt





Mitos que perpassam o tema das altas habilidades / superdotação



A partir do que foi explicitado anteriormente, percebe-se a existência de discordâncias entre pesquisadores no que diz respeito a termos, conceitos e significados quando a pauta são as altas habilidades / superdotação. Talvez essa multiplicidade de ideias leve ao surgimento de dúvidas e posturas equivocadas quando a discussão envolve o indivíduo superdotado.




Segundo Winner (1998), os mitos e mal-entendidos aparecem nas mais variadas áreas de estudo, mas a ênfase de seu trabalho é no tema da superdotação. A autora define brevemente um mito como uma "suposição fortemente mantida" (p. 14) e identifica nove mitos que perpassam o tema em questão. Segundo o Dicionário de Filosofia (Russ, 1994), um mito é uma "representação coletiva muito simplista e muito estereotipada, comum a um grupo de indivíduos" (p. 187). Rech e Freitas (2005) apontam que um mito surge no imaginário popular na tentativa de buscar uma compreensão dos mistérios da natureza física e sobrenatural. Outros autores que também citam, em seus trabalhos, os mitos e crenças envolvendo o tema das altas habilidades / superdotação são Maia-Pinto e Fleith (2002), Alencar e Fleith (2001), Extremiana (2000), Guenther e Freeman (2000).




Neste momento, a intenção é arrolar brevemente alguns mitos e crenças que são mais citados na literatura. Primeiramente, serão abordados cinco dos nove mitos identificados por Winner (1998). Em seguida, será analisada qual seria a concepção correta que substituiria o mito em questão. Também serão analisados alguns mitos e crenças propostos em trabalhos de outros autores. Posteriormente, será feito um paralelo com alguns trabalhos publicados na atualidade que, abordam, de alguma forma, as questões que serão propostas aqui. Os mitos serão enumerados não por ordem de importância ou prevalência na literatura, mas, simplesmente, por uma questão de organização.




Mito 1 – A pessoa com altas habilidades destaca-se em todas as áreas do currículo escolar



A ideia implícita nesse mito, segundo Winner (1998), é a de que a criança que foi identificada como superdotada possui uma capacidade intelectual geral que faz com que essa criança seja brilhante e se destaque em todas as áreas.




O argumento que contraria esse mito, amplamente citado na literatura encontrada, é o de que a superdotação numa determinada área, como a matemática, por exemplo, não implica necessariamente numa superdotação em outras áreas como o português e as ciências. Mas, muito pelo contrário, é até comum encontrar superdotados numa determinada área que apresentam dificuldades e até distúrbios de aprendizagem em outras. Alencar (2001) afirma que é comum haver uma discrepância entre o potencial de um indivíduo (aquilo que ele é capaz de realizar e aprender) com o seu desempenho real (aquilo que ele vai realmente demonstrar que conhece).




Mito 2 – Todo indivíduo superdotado tem um QI elevado




Esse mito traz a suposição implícita de que qualquer criança superdotada (independentemente da área na qual o talento foi identificado) deva apresentar um QI (Quociente Intelectual)2 elevado.




Essa ideia é logo descartada ao levarmos em consideração a existência dos chamados idiots savants. Winner define-os como: "indivíduos frequentemente autistas, com QIs na extensão de retardo e habilidades excepcionais em domínios específicos". (p. 16). Além desses casos específicos, existem crianças extremamente superdotadas nas artes e na música sem apresentarem um QI excepcionalmente elevado, como ressalta Winner (1998). Percebe-se que a ideia de superdotação relacionada com QI é aquela que ainda vislumbra a inteligência como uma instância fixa e pré-determinada, como uma "inteligência geral" que pode ser medida e quantificada por um valor. É sabido que os testes de QI medem somente algumas habilidades humanas, mais especificamente aquelas relacionadas à linguagem e aos números.




Mito 3 – A superdotação é inata ou é produto do ambiente social




Esse mito, que foi abordado tanto por Winner (1998) quanto por Guenther e Freeman (2000), envolve duas concepções que, atualmente, quando separadas, são consideradas incompletas e equivocadas. A primeira delas é aquela na qual a superdotação é vista como inata ao indivíduo, relacionada com a genética. Ou seja, ou se nasce superdotado ou não. Já a segunda concepção é aquela que preconiza somente o papel do ambiente e da influência social na constituição da inteligência. Ou seja, a ideia de que a superdotação é uma questão de treinamento por parte de professores e pais, e, se a criança nasce num ambiente que lhe proporciona boas condições de estudos e estímulos às habilidades, então, a superdotação em determinada área poderá ser desenvolvida.




A concepção mais aceita na atualidade é a de que a habilidade e o talento devem existir em algum grau no indivíduo, mas que só essa existência não é suficiente para que a superdotação se desenvolva. Para isso, é necessário muito esforço, treino e motivação (Greenfield e cols., 2006; Schraw, 2006).



Ao abordar a questão do desenvolvimento da inteligência, Halpern (2006) afirma que o biológico e o cultural influenciam-se mutuamente, de forma cíclica, acrescentando ainda que não existe um fator que seja mais importante do que o outro.




Mito 4 – O indivíduo superdotado também é psicologicamente bem ajustado



A ideia implícita nesse mito é a de que as crianças superdotadas são aquelas vistas como populares, bem ajustadas, esbanjando saúde física e psicológica. Entretanto, vários são os autores que destacam o quanto essas crianças podem ser emocionalmente instáveis, ou pelo fato de não poderem ser quem realmente são, na tentativa de se igualarem aos demais (o que pode ocasionar uma angústia significativa e até a perda da identidade), como pontua Novaes (1979), ou pelo fato de serem ridicularizadas pelos pares ou, até mesmo, pelo fato de serem ainda emocionalmente imaturas para lidar com as questões que já conseguem compreender racionalmente. Dentre algumas das características socioemocionais dos superdotados que podem ser motivo de preocupação e de maior atenção por parte dos familiares e profissionais que os rodeiam, Alencar (2007) cita : assincronia entre distintas dimensões do desenvolvimento; perfeccionismo excessivo ; hipersensibilidade e sub-rendimento.



Mito 5 – As crianças superdotadas se tornam adultos eminentes



Ideia equivocada de que a superdotação determina uma vida futura de sucesso e felicidade certos, conforme Alencar e Fleith (2001), Guenther e Freeman (2000) e Winner (1998).



Winner (1998) afirma que "muitas crianças superdotadas, especialmente os prodígios, malogram, enquanto outras acabam por se dedicar a outras áreas de interesse" (p. 18). Além disso, a autora acrescenta que também existem muitos adultos eminentes que não foram prodígios ou superdotados na infância. Guenther e Freeman (2000) afirma que a dotação é algo que o indivíduo traz em potencial quando nasce, mas, para ser desenvolvida, deve ser trabalhada ao longo da vida, a partir das interações do indivíduo com seu ambiente físico, psicológico e social. Ou seja, apenas a dotação e o talento, por si sós, não garantem o desenvolvimento pleno de uma superdotação. É necessário estímulo do ambiente e muita dedicação, motivação e persistência do próprio indivíduo. Schraw (2006) acredita que a superdotação seja construída e afirma "experts become experts slowly trough years of hard work, deliberate practice, and guidance from other experts" (especialistas tornam-se especialistas lentamente, com o passar dos anos e através de um árduo trabalho, prática constante e orientação de outros especialistas) (p. 250).



Mito 6 – As pessoas com altas habilidades provêm de classes socioeconômicas privilegiadas




Tal mito foi citado pelo documento elaborado pelo MEC, Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental: Superdotação e Talento, (Brasil, 1999). Constitui uma crença equivocada de que somente aquelas crianças que provêm de famílias de classes mais abastadas terão condições de serem estimuladas e de poderem desenvolver seus talentos Contrariando tal crença, o fato verificado por vários pesquisadores é de que, mesmo nas camadas menos privilegiadas socioeconomicamente, é possível e frequente encontrar crianças brilhantes em alguma área da inteligência (Antipoff, 1992). O que não pode deixar de ser dito é que a necessidade de estímulo é muito importante, podendo ser decisiva no desenvolvimento futuro desses indivíduos. Por isso a necessidade de identificar o quanto antes esse talento para que as habilidades não se percam e, mais ainda, para que esses indivíduos possam direcionar seus talentos e seu "furor" de inteligência a fim de produzirem resultados positivos e aprovados socialmente, de forma que possam contribuir para a comunidade da qual fazem parte.



Mito 7 – Não se deve identificar pessoas com altas habilidades



Essa crença remete à ideia de que não há vantagens em identificar as pessoas com altas habilidades (Alencar, 2001). Rech e Freitas (2005) rebatem esse mito afirmando que é fundamental os professores saberem identificar seus alunos talentosos, de forma que possam proporcionar meios de encaminhá-los para um atendimento especializado, visando ao aprimoramento de suas habilidades. Do contrário, se não forem identificados, como poderão ter suas necessidades educacionais atendidas ?




Mito 8 – As pessoas com altas habilidades não precisam de atendimento educacional especial



A ideia implícita nessa crença é a de que, por ser superdotado, tudo é muito fácil para o indivíduo e, dessa forma, para que proporcionar um atendimento diferenciado ? Será que esse aluno apresenta necessidades educacionais especiais ?



O que é encontrado na literatura vai em direção contrária a essa ideia. Os pesquisadores da área afirmam que existe necessidade de essas crianças serem identificadas o quanto antes e que um atendimento diferenciado é essencial a esses indivíduos para que os talentos não sejam desperdiçados e para favorecer não só o pleno desenvolvimento dos talentos em questão, mas, também, o pleno desenvolvimento emocional e psicológico dessas crianças (Alencar, 2007; Antipoff, 1992; Freeman & Guenther, 2000; Guenther & Freeman, 2000; Maia-Pinto & Fleith, 2002; Rech & Freitas, 2005).




Em uma pesquisa recente, realizada no Rio Grande do Sul / Brasil, para investigar os mitos que envolvem os alunos com altas habilidades prevalecentes na concepção dos docentes do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública estadual, constatou-se que a maioria dos professores entrevistados (mesmo tendo participado de algumas palestras informativas sobre o tema das altas habilidades / superdotação) mantinha algumas ideias deturpadas sobre o indivíduo talentoso. Dentre as mais significativas, destaca-se a concepção de que as altas habilidades são uma característica exclusivamente genética, provinda das classes socioeconomicas privilegiadas, além da ideia de que tudo é muito fácil para os talentosos, o que cria a expectativa de que apresentarão desempenho superior em todas as áreas de aprendizagem. Mas o fato mais interessante encontrado pelas pesquisadoras foi o de que a única professora que não tinha participado do curso de capacitação sobre superdotados nos anos anteriores incidiu em 60% dos mitos. As demais apresentaram apenas 20% de incidência. As autoras verificaram que a maioria dos professores alterou algumas de suas crenças deturpadas sobre os alunos superdotados a partir do curso que lhes foi proporcionado pela escola. Ou seja, percebeu-se que uma das formas de ultrapassar as ideias e crenças equivocadas sobre as altas habilidades / superdotação é fornecendo informações corretas e cursos de formação continuada para os professores (Rech & Freitas, 2005).




Maia-Pinto e Fleith (2002) realizaram uma pesquisa para investigar qual era a percepção dos professores de escolas públicas e particulares de Brasília sobre alunos superdotados. Verificaram que, apesar de os docentes acreditarem na real importância que a escola desempenha na educação do aluno com altas habilidades, esses professores relataram nunca terem trabalhado com alunos superdotados. Ou seja, não realizavam qualquer trabalho no sentido de identificar ou atender de forma diferenciada tais alunos. Concluiu-se que os profissionais que lidam com a educação apresentam um conhecimento superficial e incompleto do aluno com altas habilidades, além de não contarem com uma orientação focada nas práticas educacionais voltadas para essa clientela. Percebe-se que a falta de informação também desfavorece o desenvolvimento de práticas adequadas a essas crianças. E não há como fugir dos mitos que perpassam o tema das altas habilidades / superdotação nesse sentido. Se não fosse a crença de que os superdotados não necessitam de um atendimento educacional especial, será que os professores das escolas pesquisadas no estudo acima teriam lidado com alunos superdotados em suas salas de aula ? Ou será que não há um embasamento que os auxilie neste sentido ? De acordo com Maia-Pinto e Fleith (2002), "a falta de uma definição de superdotação por parte do professor limita as chances de uma criança ter o seu potencial desenvolvido ou de ser indicada para algum programa especial".




Considerações Finais



Apesar de as diretrizes legais, assim como os Parâmetros Curriculares, atentarem para os alunos com altas habilidades há algumas décadas, o que se percebe na prática é que somente as leis não bastam quando o assunto é a superdotação. É necessário ir além do que está definido no papel e que sejam realizadas ações concretas: maior conscientização das escolas e comunidades, cursos de capacitação continuada para professores, palestras informativas etc. para que os mitos sejam amenizados ou até mesmo superados, e para que o atendimento a esta clientela não seja prejudicado ou pela falta de informação, ou pela informação equivocada (como, por exemplo, de que o superdotado não necessita de atendimento especial).




Este é um tema de grande relevância, principalmente, levando-se em conta que há a necessidade de medidas de apoio e atendimento eficazes aos indivíduos que se destacam por apresentarem um potencial superior quando comparados com outros de mesma faixa etária ou nível de desenvolvimento.



Assim, as informações abordadas e discutidas ao longo deste estudo podem colaborar para elaboração e implementação de atividades e programas voltados aos indivíduos com altas habilidades / superdotação, desmistificando ideias deturpadas e favorecendo uma educação mais incisiva e eficaz para que esses indivíduos tenham suas necessidades educacionais atendidas de fato.



Referências


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Um comentário:

  1. Claudia, muito interessante este tema que você trouxe sob o olhar de importantes estudiosos, pesquisadores do assunto. Quantos mitos permeiam os professores e quão prejudicial isto é para o desenvolvimento do aluno. Uma lacuna nos cursos de pedagogia que eu espero, esteja mudando.
    Beijo

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