Superdotação, Asperger (TEA) e Dupla Excepcionalidade por Claudia Hakim

https://www.facebook.com/groups/aspergerteaesuperdotacaoporclaudiahakim/?ref=share

sábado, 19 de março de 2011

Mitos sobre atendimento - Susana Perez

Susana Graciela Pérez Barrera Pérez


Mitos sobre o atendimento


A diferença de abordagens de atendimento em distintos países e a pouca divulgação de experiências bem sucedidas têm submetido o atendimento às PAHs a uma espécie de paralisação que parece impedir a elaboração de políticas públicas e estratégias educacionais, particularmente no Brasil.



1) As pessoas com altas habilidades não precisam de atendimento educacional especial. (EXTREMIANA, 2000). Nos países desenvolvidos, onde o ensino é de boa qualidade, quando o aluno apresenta AHs acadêmicas (lingüísticas ou lógico-matemáticas), assume-se que ele está suficientemente atendido no âmbito da escola. Nesses contextos, o aluno com AHs artísticas, ou cinestésicas geralmente as desenvolve em atividades extra-classe como academias de dança, escolas de arte, música, esportes, etc. Se o sistema de ensino considerasse e atendesse as diferenças individuais, provavelmente não seria necessário um atendimento educacional especializado, nos moldes da Educação Especial concebida nos países em desenvolvimento. Em países como o nosso, onde o ensino regular não dá conta sequer dos alunos ditos normais, a Educação Especial se faz necessária tanto para os alunos com AHs na área acadêmica quanto nas demais áreas que não fazem parte do currículo. Uma outra questão é que, por desinformação ou omissão proposital, o aluno com AHs não é considerado aluno com necessidades especiais, apesar das disposições legais, e, então, se esquece que a Educação Especial deve inclui-lo ou, o que ainda é pior :


O fato de o aluno com altas habilidades já estar “inserido” na escola e “aparentemente” atendido por ela é um dos fatores que impedem visualizar a necessidade de sua inclusão. É por este motivo que a permanência bem-sucedida aparece como diferencial importante deste paradigma. Para muitos alunos com necessidades educativas especiais, o simples acesso à escola, ou seja, poder freqüentá-la, representa o primeiro passo no processo inclusivo. Para o aluno com altas habilidades, na maioria das vezes, a freqüência à escola já está garantida, mas ainda é necessário superar uma etapa anterior que leva ao verdadeiro acesso e que é a (re)construção de sua identidade para depois, então, podermos pensar em formas de garantir a sua permanência - e bem-sucedida. (PÉREZ, 2002).


A este respeito, Vieira (2000, p. 50) comenta que:


O portador de altas habilidades, apesar de estar inserido no ensino regular, também encontra dificuldades para ser incluído no sistema educacional, assim como a pessoa portadora de deficiência. Não existe um perfil único que possa definir esses alunos que apresentam características próprias na sua interação com o mundo, representadas por uma forma peculiar de agir, questionar e organizar seus pensamentos.


2) O atendimento especial fomenta a criação de uma elite. (EXTREMIANA, 2000). Este mito vem da idéia de atendimento segregado utilizado em alguns países, especialmente para desenvolver habilidades específicas nas áreas acadêmicas. Sob o paradigma da inclusão, atendimento especial significa integração social de todas as pessoas com necessidades educacionais especiais, e exige serviços educacionais diferenciados que lhes permitam converter-se em cidadãos felizes e realizados. Para podermos dispensar a Educação Especial como modalidade da Educação é indispensável acrescentar os adjetivos de qualidade e pública à já tradicional Educação para Todos reivindicada pelas nações do mundo.


3) Alunos com altas habilidades devem ir a escolas especiais. A mesma falta de sustentação do mito anterior se aplica a esta crença. Seres sociais têm que conviver com, compreender e respeitar as diferenças. Escolas ou classes especiais somente acarretarão uma visão parcial do mundo e dificuldades para lidar com a diversidade, além de serem meios favoráveis para exacerbar comportamentos competitivos e individualistas.


4) A aceleração é a abordagem de atendimento mais correta para os alunos com altas habilidades. Este tipo de atendimento, bastante utilizado em países desenvolvidos, está previsto na legislação brasileira como alternativa de atendimento pedagógico. É uma das mais baratas, em termos financeiros, mas pode ser uma das mais caras em termos humanos. Como já foi mencionado, o assincronismo é bastante comum na criança com AH; inseri-la num grupo com idade cronológica mais avançada implica sujeitá-la a exigências emocionais e sociais diferentes das suas, à possível rejeição do novo grupo, por ela sermenor, e, do seu próprio grupo etário, por ela ter sido adiantada para um grupo que está supostamente mais avançado. Por outro lado, se for considerado apenas o desenvolvimento cognitivo como critério para a aceleração, pode ocorrer que pularuma série não seja suficiente e um novo pulo tenha que ser considerado, o que acentua ainda mais as dificuldades acima expostas. Alencar e Fleith (2001) enumeram vantagens e desvantagens das diferentes formas de aceleração freqüentemente utilizadas, apresentando diversas modalidades que podem ser adotadas. Porém, o sistema educacional ainda não está preparado para atender os alunos com AHs, menos ainda numa modalidade que exige cuidados redobrados. Se a aceleração for considerada como alternativa, não somente deve ser cuidadosamente acompanhada por uma equipe multidisciplinar, mas também levar em conta o desejo de aceleração do aluno e da família, assim como a possibilidade de reversão deste processo, caso a criança não se adapte à nova situação, hipótese esta não prevista na legislação brasileira.


5) Não se deve incentivar o agrupamento de pessoas com altas habilidades. Embora o agrupamento permanente de PAHs possa ser prejudicial, porque incentiva a segregação e o fortalecimento de traços de personalidade e/ou atitudes negativas, o ser humano tende a agrupar-se, trocar idéias e buscar espelhos entre seus semelhantes. Por isso, o agrupamento eventual é importante para poder conhecer outros iguais e construir e reforçar a sua identidade. Alencar e Fleith (2001) também levantam vantagens e desvantagens sobre esta modalidade.


Receita para espantar os fantasmas


Como vimos, grande parte das dificuldades que enfrenta a PAH para ser reconhecida e atendida, na nossa sociedade, resulta desses mitos que criam uma falsa imagem dela. Para elaborarmos uma fórmula para a poção que poderá espantar estes fantasmas teremos que pensar primeiro nos seus ingredientes. Uma grande dose de aceitação de todas as diferenças é o primeiro. Adicionem-se uma maior sensibilização sobre o tema de Altas Habilidades/Superdotação, muito bem condimentada com conteúdos curriculares nos cursos de nível médio e superior (até agora tão desprovidos deste sabor) e a formação continuada dos professores, assim como com o incentivo à pesquisa e publicações nesta área. Uma pitada de vontade política dará o sabor especial desta receita na implementação de políticas que atendam as necessidades desta população e seus familiares. Misturados e dosados na proporção certa, estes ingredientes serão o antídoto mais eficiente contra a discriminação e o esquecimento que até agora têm pairado sobre as PAHs.


Recomendações para o uso eficiente da receita


Entender e aceitar as particularidades de todas as pessoas como direito à singularidade passa por um profundo desejo de conhecer o ser humano. O próximo e nós mesmos; os conceitos, pré-conceitos e preconceitos que formamos - dos outros e de nós mesmos; das diferenças, que podem ser representadas como vantagens ou desvantagens - para os outros e para nós mesmos - e que somente serão transformadas em aspectos positivos da diversidade humana - possível, factível e real - quando apagarmos da nossa mente a idéia de normalidade associada ao ideal de uma perfeição e uma homogeneidade que nunca existiram e talvez nunca existirão.


Como bem lembra Savater (2000, p. 42), a “verdadeira educação consiste não só em ensinar a pensar como também em aprender a pensar sobre o que se pensa”. Se entendermos os mitos que criamos para nos defender dos falsos perigos do afastamento da norma, talvez aprendamos a enxergar a beleza e a riqueza que a sábia natureza disseminou entre seus filhos e que faz deste nosso mundo o lugar mais maravilhoso, imperfeito e cheio de diferenças.


E devo voltar a reafirmar que:


Enquanto os educadores e a sociedade, como um todo, não forem capazes de diferenciar mitos de realidade, enquanto estes alunos não saírem da invisibilidade e não forem distinguidas as suas necessidades, enquanto os dispositivos que visam a constituir políticas educacionais continuarem apenas “falando” deste aluno como alvo da inclusão sem “pensar” em estratégicas reais de inclusão, enquanto não lhe for “permitido” a este aluno se auto-reconhecer e se aceitar como diferente, enquanto não aumentar a produção científica e os pesquisadores na área de altas habilidades, a sua inclusão não será possível. (PÉREZ, 2002)


Neste mundo, no qual precisamos confirmar nossa humanidade biológica adquirida ao nascer com a humanidade construída em sociedade, a educação - função dos mais experientes para com os menos (sejam eles mais velhos ou não), como um esforço proveniente da constatação da ignorância, segundo Bruner (apud SAVATER, 2000, p. 17), tem que ser capaz de “despertar em quem a recebeu o desejo de fazer melhor com aqueles pelos quais depois será responsável”.


Referências Bibliográficas

ALENCAR, E. M. S. de; FLEITH, D. de S.. Superdotados: determinantes, educação e ajustamento. São Paulo: EPU, 2001.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA SUPERDOTADOS – SEÇÃO RS. relatório final da pesquisa sobre portadores de altas habilidades – Região Metropolitana de Porto Alegre. Porto Alegre: ABSD-RS, 2001.

BECKER, M. A. A. Educação especial: estímulo ambiental e potencial para altas habilidades em pré-escolar. 1997. 199 p. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

BRASIL. Lei nº 10172, de 09 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Brasília, DF. 2001a. Disponível em: <http://www.mec.gov.br> Acesso em: 05 set. 2001

BRAVO, C. M (Coord.). Superdotados: problemática e intervención. Valladolid: Universidad de Valladolid, 1997.

COSTA, M. R. N. da. Altas Habilidades. Mitos e verdades. Porto Alegre, 1999. (Artigo não publicado)

DELOU, C. M. C. Sucesso e fracasso escolar de alunos considerados superdotados: um estudo sobre a trajetória escolar de alunos que receberam atendimento em salas de recursos de escolas da rede pública de ensino. 2001. 240 p. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

EXTREMIANA, A. A. Niños Superdotados. Madrid: Pirámide, 2000.

GARDNER, H. Inteligência: um conceito reformulado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

GERSON, K; CARRACEDO, S. Niños dotados em acción. Buenos Aires: Tekné, 1996.

Kruszielski, L. Sobre a teoria das inteligências múltiplas de Gardner. In: O Estrangeiro. Disponível em: <www.geocities.com/bernardorieux/a16.htm > Acesso em: 02 abr., 2003.

MAHONEY, A. In search of the gifted identity: from abstract concept to workable counselling constructs. Roeper Review. Bloomfield Hills, MI, v. 20, n. 3, p. 222-230, Feb. 1998.

MATURANA, H. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: UFMG, 2001.

NOVAES, M. H. Desenvolvimento psicológico do superdotado. São Paulo: Atlas, 1979.

PARDO, S. B. Problemas emocionales em niños talentosos. Crianza, nº 9, 1994.

PÉREZ, S.G.P.B. Da transparência à consciência: uma evolução necessária para a inclusão do aluno com altas habilidades. In:SEMINÁRIO ESTADUAL DE INCLUSÃO DE PESSOAS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTADOS, 1.; SEMINÁRIO DE INCLUSÃO DA PESSOA COM NECESSIDADES ESPECIAIS NO MERCADO DE TRABALHO, 2.; SEMINÁRIO CAPIXABA DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA, 6., 2002. Vitória. Anais... Vitória: UFES/Fórum Permanente de Educação Inclusiva/ABSD-ES/Fundação Ciciliano Abel de Almeida/FINDES-SENAI/ES. 2002, CD-ROM (102-112).

RENZULLI, J. S. et al. Scales for rating the behavioral characteristics of superior students. Mansfield Center,Connecticut: Creative Learning Press, 1976.

RENZULLI, J. S. The three-ring conception of giftedness: a developmental model for creative productivity. The Triad Reader. Connecticut: Creative Learning Press, 1986. p.2-19.

SÁNCHEZ, M. D. P.; COSTA, J. L. C. (Orgs.) Los superdotados: esos alumnos excepcionales. Málaga: Aljibe, 2000.

SAVATER, F. O valor de educar. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATION. 2002 EFA global monitoring report. Paris: UNESCO, 2002.

VIEIRA, N. J. W. A Inclusão dos alunos portadores de altas habilidades: a busca de novos tempos educativos. In:ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA SUPERDOTADOS – SEÇÃO RS. Manual de orientações para pais e professores. Porto Alegre: ABSD-RS, 2000.

WINNER, E. Crianças superdotadas: mitos e realidades. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.


[1]Cadernos de Educação Especial, Santa Maria, RS, v. 2, n.22, p. 45 – 59, 2003.

[2]Mestranda em Educação pela PUCRS, membro da Diretoria e do Conselho Técnico da Associação Gaúcha de Apoio às Altas Habilidades/Superdotação (AGAAHSD), sócia fundadora do Conselho Brasileiro para a Superdotação (ConBraSD) e membro do seu Comitê Fiscal e Comissão Técnica. E-mail para contato:susanapb@terra.com.br.

[3]Brasil, 2001, p. 39 e 56-9.

[4]Embora este autor tenha contribuições mais recentes na área de Altas Habilidades, a referência a estas publicações, embora antigas, justifica-se por constituírem o primeiro artigo onde a “Concepção de superdotação dos três anéis” foi formulada (1976) e a sua revisão teórica (1986).

[5]Observações realizadas pela equipe do Núcleo de Atendimento à Pessoa Portadora de Altas Habilidades da Fundação de Articulação e Desenvolvimento da Política Pública para PPDs e PPAHs no Estado do Rio Grande do Sul (NAPPAH/FADERS).

Nenhum comentário:

Postar um comentário