Quem
acompanha o meu trabalho, enquanto advogada especialista no Direito Educacional,
sabe que a minha maior demanda é a de tentar efetivar e regularizar a matrícula
de alunos nascidos após a data de corte, mas que têm capacidade de cursar uma
série acima. Ou de entrar com ação judicial de alunos superdotados para serem
acelerados de série. Ou ajuizar ação de obrigação de fazer, exigindo que a
escola ofereça o atendimento educacional especializado que os alunos que
apresentam necessidades educacionais especiais precisam. Também costumo entrar
com ação para a regularização de certificados de ensino médio, que são
considerados inválidos pelas faculdades ou outros estabelecimentos. Reintegração
de matrícula de aluno que foi expulso, sem que a escola tivesse adotado o procedimento
correto que culminou com a transferência compulsória do aluno de seu
estabelecimento de ensino. Enfim, atendo a diversas demandas dentro do Direito
Educacional, que vão desde a Educação Infantil até o Ensino Superior.
Já
atuei e ainda atuo, também, em vários casos de alunos que precisavam ou
precisam repetir de série, seja na Educação Infantil ou nos 03 (três) primeiros
anos do Ensino Fundamental, porque apresentam algum transtorno do neurodesenvolvimento,
imaturidade ou transtornos de aprendizagem, mas que eram ou são impedidos de
repetir de série, por conta de disposições contidas em 02 (dois) Pareceres
do CNE que menciono e transcrevo parte desta norma abaixo, e consegui que estes
alunos fossem retidos de série (ressaltando que a retenção de série é fruto
do desejo dos pais, dos profissionais que atendem o aluno na área da saúde ou
educação e da própria escola, por entenderem que esta é a melhor forma de
atendimento para aquele aluno, naquela circunstância ) :
a)
O Parecer CNE/CEB Nº: 11/2010 (homologado pelo MEC), proíbe (numa
interpretação dedutiva feita por mim, da análise da redação emprestada ao
referido artigo e que tem sido adotada pelas Secretarias de Educação Estaduais)
a retenção de série nos 03 (três) primeiros anos do Ensino Fundamental :
“Art.
30 : Os três anos iniciais do Ensino Fundamental devem assegurar:
(...)
III
– a continuidade da
aprendizagem, tendo em conta a complexidade do processo de alfabetização
e os prejuízos que a repetência pode causar no Ensino Fundamental como um todo
e, particularmente, na
passagem do primeiro para o segundo ano de escolaridade e deste para o
terceiro.
§ 1º Mesmo quando o sistema de ensino ou a escola, no uso de sua autonomia, fizerem opção pelo regime seriado, será necessário considerar os três anos iniciais do Ensino Fundamental como um bloco pedagógico ou um ciclo sequencial não passível de interrupção, voltado para ampliar a todos os alunos as oportunidades de sistematização e aprofundamento das aprendizagens básicas, imprescindíveis para o prosseguimento dos estudos”.
b)
E o Parecer CNE/CEB Nº: 17/2012, em seu artigo 10, também sugere a não
retenção das crianças na Educação Infantil:
“2.1.6 Avaliação
Art. 10 As instituições de Educação Infantil devem criar procedimentos para acompanhamento do trabalho pedagógico e para avaliação do desenvolvimento das crianças, sem objetivo de seleção, promoção ou classificação, garantindo:
(...)
V
- a não retenção das crianças na Educação Infantil”.
Agora, diante da PANDEMIA do COVID-19, me deparei com um novo nicho e desafio jurídico : O governo federal, através de um Parecer elaborado pelo CNE e o Governo do Estado de São Paulo (e imagino que de outros Estados também), através de uma Resolução, lançaram normas administrativas que SUGEREM a não retenção de série dos alunos da rede pública de ensino, como forma de evitar a evasão escolar, durante este ano letivo de 2.020, por conta da Pandemia e o consequente isolamento social que afastou os alunos do ensino presencial e tornou, na medida do possível, o ensino à distância. Até aí, consigo entender o direito dos alunos que não receberam o devido conteúdo neste ano letivo, em meio à Pandemia que estamos vivendo e não terem que arcar com a consequência de uma retenção de série indesejada ou até mesmo indevida. Porém, normas que foram pensadas nos e destinadas aos alunos da rede pública de ensino têm sido aplicada, pelas Secretarias de Educação de alguns Estados, também para os alunos da rede particular de ensino, tirando dos pais e da escola particular, a autonomia de poderem reter seus filho ou alunos de série, quando esta retenção se faz necessária e é desejada pela família, pela escola e pelos profissionais da equipe multidisciplinar que atende o aluno e isto é inconstitucional e ilegal !
Nestas
últimas semanas, me chegaram 02 (dois) clientes (pais de alunos com dificuldades
de aprendizagem), que perceberam que seus filhos não têm condições de seguir a
sua escolaridade, na série seguinte, no ano letivo de 2.021. Alunos que já
estão no Ensino Fundamental. Alunos da rede particular de ensino, que tiveram acesso
à escolaridade, através de um ensino à distância e que PRECISAM REFAZER A
SÉRIE, pois não estão preparados para seguir a diante. Alunos que já
recebem da escola um atendimento educacional especializado, adaptação
curricular e que são atendidos por diversos profissionais da área da saúde e da
educação e que, mesmo assim os pais, os profissionais da equipe multidisciplinar
que atendem o aluno e a escola perceberam que, ainda com todo este cuidado, mesmo
assim, o aluno precisa de mais tempo para seguir a sua escolaridade adiante. E
este tempo a mais significa que ele precisa repetir a série que cursou no ano
letivo de 2.020, porque a retenção de série, neste caso, para este tipo de
aluno, será uma medida benéfica para que ele tenha mais tempo para dominar
os conteúdos que não conseguiu absorver durante o ano letivo de 2.020. Porém, as
escolas particulares estão se recusando a repetir estes alunos de série, por
orientação (equivocadas, a meu ver) das Supervisões (Diretorias) de Ensino.
Analisando o referidos Parecer do CNE e Resolução da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, encontrei as saídas jurídicas para que estes alunos (meus clientes) possam exercer o seu direito de serem retidos de série, e assim apresentarem a aptidão, prontidão e a maturidade que precisam, para seguir o seu percurso escolar com tranquilidade.
As normas administrativas as quais eu me refiro são :
a)
Resolução Seduc-82, da Secretaria
de Educação do Estado de São Paulo, datada de 10-11-2020, amparada
pelo PARECER CEE 309/2020 – CP – Aprovado em 04-11-2020, que sugeriu critérios
de aprovação e retenção no ano letivo de 2020, NA REDE ESTADUAL DE ENSINO.
b) Parecer do CNE/CP Nº: 11/2020 do Colegiado : aprovado em : 7/7/2020, que recomenda que as escolas evitem o aumento da reprovação para não criar o abandono escolar, neste ano letivo de 2.020, por conta da Pandemia COVID-19.
Entendo
que dado o princípio da prioridade absoluta previsto no Estatuto da Criança e
do Adolescente, deve-se
também garantir que toda e qualquer decisão relacionada ao menor seja tomada
visando melhor atender aos seus interesses, não os analisando de forma
singular, mas levando em conta o quadro geral. Logo, deve haver um
equilíbrio entre os fatores influenciadores da decisão, a fim de proporcionar
ao menor uma segurança emocional, psicológica, social e pedagógica; o que
somente se verificará com a garantia de que o aluno possa ter assegurada a sua
matrícula, para o ano letivo de 2.021, na mesma série que cursou no ano letivo
de 2.020, se esta for a decisão que melhor atender aos seus interesses, após
análise da equipe multidisciplinar que atende o aluno, em reunião com a escola
e os pais do aluno.
O
que o Estatuto da Criança e do Adolescente pretende é assegurar,
prioritariamente, os direitos fundamentais do menor, que deve der
protegido pela família e pelo Estado em cooperação, da forma mais ampla
possível, bem como garantir que lhe seja oferecido todos os meios para seu
pleno desenvolvimento. Com efeito, não obstante haver sugestão feita em
Parecer do CNE e Resolução do CEESP para evitar a retenção de série, na
hipótese em questão, levando-se em consideração a realidade da criança, não
existe razão para impedir a sua matrícula na mesma série que ela cursou, no ano
letivo de 2.021.
Por
isso, atenção, pais
de alunos, escolas ou profissionais da área da saúde ou da educação, que
estiverem envolvidos em mais e este dilema que a Pandemia COVID-19 trouxe, saibam
que se vocês tiverem um aluno que não tem condições de seguir a sua
escolaridade e que será beneficiado com a retenção de série, existe solução
jurídica para tanto, a despeito das recusas das supervisões de ensino e do
disposto no Parecer e Resolução citados. Será necessário ingressar com uma ação
judicial com pedido de liminar ou antecipação de tutela (que é uma ordem
provisória e urgente), demonstrando a inconstitucionalidade, a ilegalidade e a fragilidade
de tais pareceres. Mas, com uma boa instrução e uma boa argumentação jurídica,
entendo que este dilema será resolvido e o interesse do menor será preservado.
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