Sentimento de Inadequação
Adriana
Vazzoler-Mendonça*
Na vida podemos nos sentir inadequados. Todos os dias pode haver motivos
pelos quais nos frustramos, sendo mal interpretados por alguém. Não é raro
chegarmos a um evento e constatarmos que nossa roupa está inadequada, ou
dizermos algo a alguém que lhe cai mal e nos sentimos culpados por isso. Esses
tipos de equívocos fazem parte de nossa vida em sociedade. O Sentimento de
Inadequação (SI) foi definido por Torres (2008, p.14) como “o indício de um
modo de existência no qual se constata um estado de diferença ou peculiaridade,
independentemente das reações assumidas a partir dessa constatação”. O SI,
quando crônico, pode levar a pessoa a manifestar um sem-número de fenômenos
como estresse, depressão, baixa autoestima, perda da autoconfiança, transtornos
de ansiedade e até o suicídio.
O Sentimento de Inadequação é decorrente da comparação que, como diz
Torres (2011, p.181), é indevida, porém inevitável. Comparamos o tempo todo,
não se podendo afirmar que a comparação seja inerente ao ser humano ou que seja
um construto da vida em sociedade (TORRES, 2011, p.181). O mal estar do SI é gerado
pela incoerência do que se pensa e acredita com os resultados observados. A
pessoa sente-se incomodada por não estar confortável na vida, passando a
questionar se suas convicções estão mesmo corretas ou se ela não deveria ser
como é.
Os motivos pelos quais as pessoas podem se sentir inadequadas são
infinitos, mas são basicamente de dois tipos: os “de dentro” e os “de fora”. Os
“de fora” todo mundo vê, como, por exemplo, aparência física: é comum pessoas
se sentirem inadequadas porque são muito altas ou muito baixas, muito gordas ou
muito magras, pele desta ou daquela cor. Crianças e adolescentes podem ser
considerados inadequados por motivos como esses e mais tantos outros como nome,
sotaque, corte do cabelo, aparelho para audição, estilo de roupas etc. Qualquer
característica diferente para um grupo pode ser motivo de bullying e violência contra a pessoa. O SI surge no sujeito que se
sente errado perante os padrões de um grupo em que deseja estar inserido.
Figura
1
Fonte:
Barrionuevo, 2016
Os motivos “de dentro”, por sua vez, ninguém vê. Esse tipo decorre do
julgamento do sujeito sobre o que ele mesmo considera certo e errado para a própria
vida, e não do que os outros pensam. Por exemplo: uma menina que se torna mãe
sem o desejar, pode se sentir inadequada porque ela não está correspondendo às
suas próprias expectativas. Um idoso que precisa usar um andador pode se sentir
inadequado porque ele queria estar saudável e andando com facilidade. Mesmo que
se diga para a mãezinha “Qual o problema de você ser mãe nova?” ou para o idoso
“Qual o problema de ter que usar um andador?”, isso não reduz o SI e ainda pode
piorar a situação, pois eles podem interpretar que não é adequado sentir-se
inadequado.
O psicólogo César Borella (2017) sugere que o Sentimento de Inadequação
gera o Sentimento de Inferioridade. E, para nos livrarmos deste, temos que ter
um olhar honesto para nós mesmos, objetivando diminuir as barreiras erguidas
pelo Sentimento de Inferioridade, como autopiedade, vitimização, agressividade,
falta de objetivos, autocrítica exagerada e acomodação (BORELLA, 2017).
Em casos mais severos, indivíduos com SI podem passar a evitar interação
social com medo de serem rejeitados ou humilhados. Segundo Meldau (2017), esse
comportamento pode levar à Síndrome da Ansiedade Esquiva (ou Transtorno da
Ansiedade Esquiva ou Transtorno da Personalidade Ansiosa), um transtorno de
personalidade em que o sujeito passa a evitar contatos sociais e situações que
ele imagina que possam lhe causar embaraço ou ansiedade. As manifestações
clínicas desta síndrome podem envolver sensibilidade exacerbada a críticas,
isolamento social voluntário, timidez ou ansiedade extrema em situações que
envolvem interação social, evitação de contato físico, profunda baixa
autoestima, desconfiança, fantasia para explicar a realidade, dentre outras
(MELDAU, 2017).
As emoções autênticas naturais do ser humano são a alegria, a tristeza,
o medo e a raiva (LOPES, 2017). Elas não são exclusivas dos seres humanos, podendo
ser observadas em animais como cães, gatos e cavalos. As emoções nos ajudam a
tomar decisões, a nos proteger e a superar desafios. Contudo, há emoções que
não são funcionais, posto que resultam em mal estar. No SI estão envolvidas as
emoções de inveja, ciúme e vergonha, que são derivadas do medo, do temor de não
sermos aceitos por nossas expressões no mundo. Na inveja e no ciúme, olhamos o
outro com crítica; na vergonha, o alvo da crítica somos nós.
Aplainamento da Subjetividade e Aplainamento
da Objetividade
Mas o SI não é de todo ruim, dado que pode convidar o sujeito ao
crescimento. Para Piaget (PILETTI e ROSSATO, 2011), o homem pensa e age para
satisfazer a necessidades, superar desequilíbrios e adaptar-se a novas
situações do mundo em que está inserido. O SI é, neste contexto, um alarme, um
aviso de que o sujeito está em desequilíbrio e, portanto, está diante de uma
oportunidade de aprendizado e desenvolvimento. O processo de adaptação à
situação, para Piaget, assume duas formas básicas: assimilação, na qual a
pessoa integra um novo dado às estruturas psíquicas que já possui, e acomodação,
quando essas estruturas psíquicas não são suficientes e a pessoa tem que
construir novas. Assim, na assimilação, o sujeito modifica o objeto para poder
entendê-lo e, na acomodação, o próprio sujeito é que se modifica para adquirir
um novo conhecimento. A organização psíquica, por sua vez, articula esses
processos de maneira constante e progressiva, logo, a pessoa constrói e
reconstrói sua estrutura cognitiva, tornando-se mais apta a manter seu
equilíbrio (PILETTI e ROSSATO, 2011).
Diante do sentimento de inadequação, seja ele causado pelos julgamentos
vindos dos outros, de nós mesmos ou de ambas as partes, nós adotamos posturas
para consertar a situação e, para isso, oscilamos entre tentar nos consertar
(acomodação) e tentar consertar o mundo (assimilação).
Figura
2
Fonte:
Chris
Tentamos nos consertar quando nos julgamos culpados, errados, maus,
feios, então nós é que temos que melhorar e mudar a qualquer custo, crendo que
assim seremos aceitos e amados pelo mundo. Tentamos consertar o mundo quando
julgamos que os outros, a sociedade, os familiares, os colegas é que são
ignorantes, errados, maus, feios, que não nos entendem e por isso não conseguem
nos aceitar e amar como somos.
Figura
3
Fonte:
Twitter
Estas tentativas de Aplainamento da Subjetividade (AS) definindo o
movimento de consertar a si próprio, ou de Aplainamento da Objetividade (AO),
que é o movimento de consertar o mundo (Torres, 2008) são, no fundo, respectivamente,
violência contra nós e contra os demais.
Empatia
Tratar-se empaticamente pode ser explicado como reconhecer que se está
fazendo o melhor que se pode com os recursos que se tem no momento e honrar
esse lugar de onde o ser se manifesta no mundo. Rosenberg (2006) demonstra que,
para desenvolvermos uma atitude não-violenta conosco mesmos e com os outros,
temos que considerar quatro etapas: 1. Observar o que está acontecendo dentro
de si de fato, sem julgamento; 2. Identificar, nomear o que se está sentindo; 3.
Tomar consciência das reais necessidades que lhe fizeram sentir daquela
maneira; 4. Declarar e pedir o que deseja ou necessita de forma concreta. Estas
quatro etapas valem tanto para nossa relação com os outros como para nossa
relação conosco mesmos.
Senso de Inadequação
Uma terceira postura diante do SI seria o desenvolvimento do Senso de
Inadequação (SsI) (TORRES, 2008). O conceito do SsI sugere que o indivíduo
acolha empaticamente suas diferenças em relação ao meio em que se encontra,
abrindo mão de suas expectativas de conformidade com os referenciais alheios e
também com os seus próprios que não reflitam sua autenticidade. Seria um
reconhecimento de ser um indivíduo único e de abdicar de funcionar na
dualidade, na polaridade do bem/mal, certo/errado, ajustado/desajustado,
consciente de que poderá haver desafios, obstáculos, angústias, como em toda
situação na vida. A vantagem é que o indivíduo estaria coerente com os seus
valores, o que poderia conferir-lhe leveza, humor e criatividade nas relações,
em vez da angústia vivenciada quando se acredita ser inadequado.
Referências
BARRIONUEVO, R. O CEO, os Gerentes e o
Elefante na Sala de Reunião. Site LinkedIn.com. 01 fev 2016. Disponível em
Acesso em 18 abr 2017.
BORELLA, C. A. S. Livre-se dos sentimentos de
inferioridade. Disponível em
Acesso em 29 mar 2017.
CHRIS. O legado universal e eterno de Charles
Schulz. Site Achados da Chris. Disponível em
Acesso em 18 abr 2017.
LOPES, R. B. As Emoções. Disponível em <
https://psicologado.com/psicologia-geral/introducao/as-emocoes> Acesso em 30
mar 2017.
MELDAU, D. C. Síndrome da Ansiedade Esquiva.
Disponível em
Acesso
em 29 mar 2017.
PILETTI, N.; ROSSATO, S. Psicologia da
aprendizagem: da teoria do condicionamento ao construtivismo. São Paulo:
Contexto, 2011. p. 65-80.
ROSENBERG, M. B. Comunicação não-violenta.
Técnicas para aprimorar
relacionamentos pessoais e profissionais. São
Paulo: Ágora, 2006.
TORRES, A. R. R. Sentimento de Inadequação: Estudo
Fenomenológico-Existencial. 2008. 153 f. Dissertação, Pontifícia Universidade
Católica de Campinas, Campinas-SP.
TORRES, A. R. R. Sentimento de Inadequação,
prática psicológica e contemporaneidade. In: ANGERAMI, V. A. (org.).
Psicoterapia e Brasilidade. São Paulo, Cortez, 2011.
TWITTER. "X-Men 2" (2003). Site Twitter Universo X-Men. Disponível em
Acesso em 18 abr. 2017.
*Adriana
Vazzoler-Mendonça está no Facebook e LinkedIn. Coach para Diversidade, Inclusão
e Acessibilidade, Treinadora de Neurofeedback e formanda em Psicologia em
Campinas-SP. adriana.italia@gmail.com
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