
Para o pesquisador, docentes devem conhecer princípios básicos da neurociência
GILSON
OLIVEIRA-ASCOM-PUCRS/DIVULGAÇÃO/JC
Para o pesquisador,
docentes devem conhecer princípios básicos da neurociência
Para o pesquisador,
docentes devem conhecer princípios básicos da neurociência
Nascido em Buenos
Aires, em 1937, Iván Izquierdo veio para o Brasil em 1973 e, posteriormente, em
1978, fixou residência em Porto Alegre, onde vive até hoje. O médico, pós-doutor
pela Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, é um dos pesquisadores
brasileiros mais reconhecidos e premiados em todo o mundo e uma autoridade
quando o assunto é biologia cerebral, principalmente nos estudos da memória e
do aprendizado, temas com o qual trabalha desde os 19 anos. Em entrevista ao
Jornal do Comércio, o coordenador do Centro de Memória da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) fala, entre outras coisas,
sobre a importância dos conhecimentos de neurociência no ensino, a necessidade
de o professor saber como o aluno aprende e o papel das emoções no aprendizado.
Jornal do Comércio
- O que se sabe hoje a respeito de como o cérebro aprende?
Ivan Izquierdo -
Sabe-se muita coisa. Temos avançado bastante no conhecimento sobre como
aprender, como formar memória e evocar memória. Essas são três coisas que hoje
conhecemos bem. Conhecemos os mecanismos, tanto em termos de quais lugares do
cérebro participam, quanto de quais processos bioquímicos intervêm em cada um
desses lugares.
JC - O ensino nas
escolas brasileiras é muito calcado no uso da memória. Essa é a melhor forma de
fazer com que alguém realmente aprenda algo?
Izquierdo - Já não
é tanto assim. Os construtivistas acabaram com isso. O que é muito ruim, porque
era útil. Há algumas coisas que só podem ser adquiridas decorando-as. Tudo o
que aprendemos é por meio da memória, mas há formas e formas. As tabuadas de
multiplicação, por exemplo. Não há forma alguma de aprender isso por meio de
raciocínio. Tem de ler e repetir até que se guarde. O mesmo vale para poesias e
letras de música. Para essas coisas, é necessário decorar. Não há outra forma.
Então, não é ruim decorar. Para muitas coisas serve e é imprescindível, já para
outras, não é tão prático ou útil.
JC - Como a
neurociência pode ser usada por educadores para aprimorar o aprendizado dos
alunos?
Izquierdo - Já
ajudou e ajuda. Os brasileiros estão começando a se dar conta de que isso é
importante. Os educadores estão começando a aprender um pouco de neurociência.
Estão se dando conta de que há horas e idades em que o cérebro pode aprender e
outras em que não pode, pois não amadureceu o suficiente. É uma questão de
ensinar para cada um o que corresponde com a sua idade e com o seu conhecimento
prévio.
JC - Os professores
ensinam sem saber como o aluno aprende?
Izquierdo - Sem
saber absolutamente nada de como o aluno aprende. Creio que seja um dos últimos
países do mundo onde acontece isso. Se não entendermos como alguém aprende, não
vamos poder ensinar. Isso é simples. Por isso que o ensino anda tão mal no
Brasil. Porque se ensinam coisas para alunos que não conseguem aprender.
Porque, ou se ensina no momento errado da vida dele ou no momento errado da
escolaridade. O aprendizado é vagaroso, leva anos. Todas as coisas têm seu
tempo e seu momento. E isso depende do aprendizado prévio e da idade da pessoa.
Do grau de maturação, que não é influído só pela idade, mas também pelo meio.
JC - O que o
professor deveria saber sobre neurociência para poder ensinar melhor?
Izquierdo - Por
exemplo, saber que existe um cérebro, como ele funciona basicamente, coisa que
a maioria dos professores não sabe. É o cérebro dos alunos que vai aprender, e
isso os professores nem pensam, porque não acham que seja assim. Acham que se
aprende com ele falando e o outro ouvindo. Quem aprende é o cérebro e o faz de
muitas maneiras ao mesmo tempo, e isso o professor tem de saber. Saber o que é
aprendizado, o que é memória, onde ela se faz, como se faz. Uma vez que aprenda
isso, terá muito mais facilidade em ensinar.
JC - Não usar isso
é um atraso?
Izquierdo - É um
atraso horripilante. Somos o 88º país no ranking mundial de educação e o 7º no
ranking da economia. Sem dúvida que muito passa por isso.
JC - As crianças e
os jovens fazem muito uso de ferramentas advindas das novas tecnologias da
comunicação e da informação, como a internet. Isso pode alterar o processo de
cognição?
Izquierdo - As
novas tecnologias alteram muito o processo de cognição. Facilitam enormemente,
porque poupam trabalho ao cérebro. O cérebro não tem de aprender e memorizar
uma série de coisas, porque isso está no Google, ou em um programa, ou se obtém
da internet de alguma maneira.
JC - O que leva uma
pessoa a esquecer de algo que aprendeu em determinado momento da vida? É o
desuso ou é a forma como aprendeu?
Izquierdo - O
desuso pode levar a atrofia dos neurônios que fizeram aquela memória. Ele faz
com que as sinapses desapareçam. O uso, por sua vez, estimula as sinapses. A forma
como aprendeu também (pode afetar). Temos de pensar que perdemos a maioria das
coisas que aprendemos. A terceira palavra de minha frase anterior, por exemplo.
Eu não lembro mais, você não lembra mais. Ambos usamos esta palavra, você para
entender o que eu estava dizendo e eu para dizer o que queria. Muitos pedaços
de informação se perdem. Duram só alguns segundos, ou milissegundos. Isso se
chama memória de trabalho e tem essa sina de morrer logo depois que nasce. E
graças a Deus que é assim. Imagina se lembrássemos daquela terceira palavra,
estaríamos continuamente repetindo-a, e ela nos prejudicaria a entender o
resto.
JC - O que
influencia para que essas partes fiquem na memória?
Izquierdo - São
aquelas que nosso cérebro acha, com base nas suas experiências, que são
importantes. A nossa vontade pouco tem a ver. O cérebro faz isso
automaticamente. O mais importante para o cérebro é a sobrevivência e, para
isso, a coisa que ele mais lembra são as memórias ruins. Memórias de coisas
boas são bonitas. Mas, se esquecermos de olhar para a esquerda quando
atravessamos uma rua, seremos atropelados. Essas coisas aprendemos desde cedo e
são as mais importantes.
JC - O ensino em
sala de aula tende a ser promovido de uma forma racional, com as emoções sendo
deixadas de lado. Qual a importância das emoções no processo de aprendizado?
Izquierdo - As
emoções se incorporam à memória e ajudam a memória. As memórias que melhor
lembramos são as mais emocionantes. São aquelas acompanhadas do que se
convencionou chamar de alerta emocional. Por exemplo: com quem a pessoa estava
no momento que ficou sabendo que um ente querido morreu. Isso você não esquece
nunca. Do dia anterior a isso ou da semana posterior, todo mundo esquece.
JC - Os últimos
estudos na área da neurociência, de aprendizado e cognição, têm avançado em
qual direção?
Izquierdo - Em
todas. A participação das emoções, que substâncias regulam isso, quais os
lugares do cérebro regulam isso. Em todas as direções ao mesmo tempo.
Lamentavelmente, não temos avançado muito no tratamento de doenças da memória.
Por exemplo, a terrível doença de Alzheimer. Estamos sabendo mais coisas sobre
como se produz, a que se deve, e, com isso, aprendendo como tratá-la melhor,
mas ainda é uma doença que faz estragos.
JC - O cérebro
ainda apresenta muitos mistérios a serem desvendados?
Izquierdo -
Muitíssimos. Às vezes, me dá a impressão de que cada dia apresenta mais.
Trabalha-se e trabalha-se e parece que se está caminhando no mesmo lugar.
Aparecem coisas novas. Na medida em que se vão descobrindo novidades, essas
descobertas trazem coisas novas, realidades novas.
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