Superdotação, Asperger (TEA) e Dupla Excepcionalidade por Claudia Hakim

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terça-feira, 4 de março de 2014

A Mulher Que se Destaca por um Potencial Superior

Alencar, E. M. L., & Virgolim, A. M. R. (1999). Dificuldades emocionais e sociais do superdotado. In F.P. Nunes Sobrinho & A. C. B. Cunha (Org.), Dos problemas disciplinares aos distúrbios de conduta: Práticas e reflexões (89-114). Rio de Janeiro: Qualitymark.  Também publicado em: 

Alencar, E. M. L., & Virgolim, A. M. R. (2001). Dificuldades emocionais e sociais do superdotado. In Alencar. E.M.L.S. Criatividade e educação dos superdotados (pp.174-205). Petrópolis, RJ: Vozes.


Eunice M.L.Soriano de Alencar
Universidade Católica de Brasília
 Angela Mágda Rodrigues Virgolim
Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília


 


          Os preconceitos com relação à mulher que se destaca por um potencial superior têm sido apontados desde longa data. Na primeira metade deste século predominava, por exemplo, na maior parte dos países, a crença de que o único papel apropriado para a mulher era a maternidade, que as mulheres eram menos capazes que os homens devido ao ciclo menstrual e que as mulheres eram geneticamente inferiores aos homens em inteligência (Peters, 1994). Poucos aceitavam a idéia de que as limitações das mulheres eram mais de ordem sociológica e cultural do que biológica.

          Dados recentes (Reis, 1987; Lubinski, Benbow & Sanders, 1993), continuam a chamar a atenção para os estereótipos culturais, para as expectativas com relação às mulheres e para as fortes pressões que ainda existem, dificultando e mesmo impedindo à mulher de ter um papel de destaque e dar contribuições significativas, especialmente em áreas tradicionalmente consideradas masculinas. Algumas das dificuldades enfrentadas pela mulher foram analisadas anteriormente por nós (Alencar, 1994b) em um texto onde apontamos as forças sociais que influem no desenvolvimento e expressão do talento e da produção criativa. Chamamos a atenção especialmente  para o tratamento que se dá a homens e mulheres na sociedade ocidental, tendo o segundo grupo muito menos oportunidade e incentivo para desenvolver e se destacar por uma produção mais significativa. 

Lembramos ainda as forças sociais que operam desde o inicio da vida do indivíduo, ampliando ou limitando as possibilidades de crescimento e expressão, modelando os interesses do indivíduo desde os primeiros anos, determinando o grau de confiança que desenvolve em si próprio para operar em áreas diversas. Destacamos também algumas exigências impostas pela sociedade que podem tornar as circunstâncias praticamente impossíveis para uma produção de alto nível, especialmente por parte da mulher.

          Apesar de os obstáculos que impediam a mulher de alcançar sucesso acadêmico e profissional estarem sendo progressivamente removidos, muitas das barreiras ainda podem ser observadas, como as relacionadas a seguir, que foram objeto de análise por parte de Fox (1979, p. 372). Estas persistem em muitos contextos e contribuem para explicar as oportunidades limitadas oferecidas à mulher para sua realização profissional e acadêmica:


          1. Estereótipos relativos ao papel sexual por parte da família, gerando expectativas e aspirações distintas com relação a filhos e filhas, e levando ao cultivo de traços de personalidade diversos para sujeitos do sexo masculino e feminino.

          2. Estereótipos com relação ao papel sexual por parte de professores, que também tendem a desencorajar comportamentos que favorecem o sucesso, como a propensão a correr riscos entre alunos do sexo feminino, e a desestimular o estudo avançado de determinadas matérias por parte de amostras femininas.

          3. Estereótipos com relação ao papel sexual predominante na cultura ocidental e espelhados nos meios de comunicação e livros-textos. Estes tendem a apresentar a mulher como mais adequada para determinadas funções e profissões e apontar determinadas atividades como mais apropriadas para o sexo feminino.

          Estes estereótipos, uma vez internalizados, tendem a gerar barreiras internas à própria expressão do potencial superior, levando um maior número de mulheres a negar e a subestimar os próprios talentos e capacidades. Muitas vezes, para serem aceitas, passam a reprimir e a esconder as suas habilidades superiores, recusando oportunidades que lhes são oferecidas, o que, às vezes, é acompanhado de sentimentos de solidão, conflito e frustração.

          Sabe-se também que um fator importante para que a pessoa possa aproveitar de forma plena o seu potencial superior em qualquer profissão diz respeito à possibilidade de ter o tempo disponível necessário para se dedicar a um projeto maior. Naturalmente, as condições diárias de trabalho, o grau de autonomia que se tem para perseguir um dado projeto, o apoio para alcançar as próprias aspirações profissionais, afetam igualmente a homens e mulheres. No caso das mulheres, entretanto, quando casadas e especialmente quando têm filhos pequenos, o encargo no lar é, de modo geral, muito maior, o que pode restringir em muito o seu tempo disponível para ocupar um maior número de horas em projetos que exigem uma intensa dedicação. Estas se sentem divididas e pressionadas  a cumprir de forma adequada as responsabilidades domésticas primárias, sentindo-se culpadas quando se absorvem em atividades profissionais  de forma antagônica às expectativas culturais.


A Necessidade de Orientação e Aconselhamento ao Superdotado e à Família


Com o objetivo de ajudar ao superdotado que apresenta problemas e dificuldades de ordem psicológica, vários centros e serviços de aconselhamento foram criados, especialmente nos Estados Unidos, país que mais tem investido na educação daqueles alunos que se destacam por um potencial superior. Um destes Serviços, denominado  Programa de Apoio às Necessidades Emocionais do Superdotado foi, por exemplo, fundado no início da década passada na Wright State University, após o suicídio de um adolescente intelectualmente brilhante. Alguns destes centros, como o da Universidade de Iowa, vem atuando não apenas no aconselhamento psicológico, mas também na orientação vocacional e aconselhamento familiar (Colangelo, 1991). Dentre os problemas que têm sido apontados entre superdotados que buscam estes serviços salientam-se o perfeccionismo e medo do fracasso, ambivalência a respeito de si mesmo, desvio das normas impostas pela família e pelo grupo de mesma idade, além do isolamento social.


Por outro lado, um dos problemas críticos enfrentados por muitos superdotados na escolha profissional diz respeito às pressões para que sigam determinadas carreiras mais valorizadas socialmente e que são tidas como mais adequadas àqueles alunos que se destacam por suas habilidades superiores. Segundo Colangelo (1991), diretor de um centro norte-americano de aconselhamento para superdotados, estas pressões podem dificultar a este aluno "seguir o seu coração" na escolha profissional, diante da oposição encontrada na própria família, que não deseja ver o filho desperdiçar o talento em áreas tidas como de menor prestígio.


          Outras dificuldades podem ser vividas também pelo superdotado no meio da família em função de pais superambiciosos, que pressionam permanentemente o filho para que ele se destaque cada vez mais, vendo neste um caminho para a sua própria realização e satisfação de desejos frustrados de sucesso e projeção. 

          Também a família do superdotado, muitas vezes, necessita de aconselhamento. Algumas têm dificuldade em lidar com a discrepância entre o desenvolvimento intelectual e emocional do superdotado, sendo esta, inclusive, a maior dificuldade apontada pelos pais nas suas relações com filhos que se destacam por uma inteligência superior, conforme observado por Landau (1990). Muitos pais sentem-se perdidos sobre a melhor maneira de lidar e orientar o seu filho com altas habilidades. 

Esta dificuldade é sentida com freqüência em nosso meio, dada a inexistência quase que completa de programas de ordem acadêmica voltados para o superdotado, que venham a atender às suas necessidades de aprendizagem e possibilitar-lhes o contato com colegas que também se sobressaem por um potencial superior. O problema se agrava diante dos preconceitos e idéias errôneas sobre o superdotado, comuns em nosso meio, dificultando a sua adaptação na escola e levando mesmo a um enorme desperdício de potencial e de talento. Uma dessas idéias é a de que o superdotado não necessitaria participar de programas voltados para as suas necessidades de aprendizagem, uma vez que ele já é um privilegiado do ponto de vista intelectual, e que teria plenas condições de alcançar níveis elevados de desempenho, independentemente das condições de ensino e aprendizagem. 

Por outro lado, muitos professores, quando informados a respeito da presença de superdotados em suas salas de aula, tendem a se sentir ameaçados ou a apresentar expectativas inapropriadas com relação aos mesmos. Já tivemos oportunidade de observar, por exemplo, uma sala de aula onde a professora esperava que um de seus alunos, sobre o qual lhe foi informado que era superdotado, tivesse sempre resposta para todas as suas perguntas, hostilizando-o quando este não correspondia às suas expectativas elevadas. 

Tem sido também penalizado o aluno que, ao matricular na primeira série, já domina o conteúdo relativo a esta série, gerando problemas para a professora que não tem interesse naqueles que estão mais avançados e frustrando o aluno que não encontra um conteúdo compatível com seus interesses e nível de conhecimento.

          Muitas das dificuldades que o superdotado enfrenta em nosso meio têm também a ver com o rótulo. Como destacamos anteriormente (Alencar, 1994a), o problema do rótulo é sério, especialmente devido ao prefixo "super", que sugere a idéia de um desempenho excepcionalmente elevado, e o fenômeno da superdotação como algo raro, e, portanto, com poucos alunos podendo ser classificados como tal. Observa-se ainda uma ênfase no genótipo, ou seja, a idéia da superdotação como um dote que o indivíduo já traria ao nascimento, e que se realizaria, independentemente das condições ambientais.

A fim de prevenir e combater grande parte das condições que levam ao desajuste emocional da criança superdotada, é necessário uma maior preparação, por parte dos pais e professores em particular, sobre as características pessoais e habilidades do indivíduo que apresenta um desenvolvimento superior. Ajudá-lo a desenvolver seu potencial, a se sentir compreendido e amado é tarefa que todos nós, pais e educadores, não podemos nos furtar.


BIBLIOGRAFIA

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