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Também publicado em:
Alencar,
E. M. L., & Virgolim, A. M. R. (2001). Dificuldades emocionais e sociais do
superdotado. In Alencar. E.M.L.S. Criatividade e educação dos superdotados
(pp.174-205). Petrópolis, RJ: Vozes.
Eunice M.L.Soriano de Alencar
Universidade Católica de Brasília
Angela Mágda Rodrigues Virgolim
Instituto de Psicologia,
Universidade de Brasília
Os
preconceitos com relação à mulher que se destaca por um potencial superior têm
sido apontados desde longa data. Na primeira metade deste século predominava,
por exemplo, na maior parte dos países, a crença de que o único papel
apropriado para a mulher era a maternidade, que as mulheres eram menos capazes
que os homens devido ao ciclo menstrual e que as mulheres eram geneticamente
inferiores aos homens em inteligência (Peters, 1994). Poucos aceitavam a idéia
de que as limitações das mulheres eram mais de ordem sociológica e cultural do
que biológica.
Dados
recentes (Reis, 1987; Lubinski, Benbow & Sanders, 1993), continuam a chamar
a atenção para os estereótipos culturais, para as expectativas com relação às
mulheres e para as fortes pressões que ainda existem, dificultando e mesmo
impedindo à mulher de ter um papel de destaque e dar contribuições
significativas, especialmente em áreas tradicionalmente consideradas
masculinas. Algumas das dificuldades enfrentadas pela mulher foram analisadas
anteriormente por nós (Alencar, 1994b) em um texto onde apontamos as forças
sociais que influem no desenvolvimento e expressão do talento e da produção
criativa. Chamamos a atenção especialmente
para o tratamento que se dá a homens e mulheres na sociedade ocidental,
tendo o segundo grupo muito menos oportunidade e incentivo para desenvolver e
se destacar por uma produção mais significativa.
Lembramos ainda as forças
sociais que operam desde o inicio da vida do indivíduo, ampliando ou limitando
as possibilidades de crescimento e expressão, modelando os interesses do
indivíduo desde os primeiros anos, determinando o grau de confiança que
desenvolve em si próprio para operar em áreas diversas. Destacamos também
algumas exigências impostas pela sociedade que podem tornar as circunstâncias
praticamente impossíveis para uma produção de alto nível, especialmente por
parte da mulher.
Apesar de os
obstáculos que impediam a mulher de alcançar sucesso acadêmico e profissional
estarem sendo progressivamente removidos, muitas das barreiras ainda podem ser
observadas, como as relacionadas a seguir, que foram objeto de análise por
parte de Fox (1979, p. 372). Estas persistem em muitos contextos e contribuem
para explicar as oportunidades limitadas oferecidas à mulher para sua
realização profissional e acadêmica:
1.
Estereótipos relativos ao papel sexual por parte da família, gerando expectativas
e aspirações distintas com relação a filhos e filhas, e levando ao cultivo de
traços de personalidade diversos para sujeitos do sexo masculino e feminino.
2.
Estereótipos com relação ao papel sexual por parte de professores, que também
tendem a desencorajar comportamentos que favorecem o sucesso, como a propensão
a correr riscos entre alunos do sexo feminino, e a desestimular o estudo
avançado de determinadas matérias por parte de amostras femininas.
3.
Estereótipos com relação ao papel sexual predominante na cultura ocidental e
espelhados nos meios de comunicação e livros-textos. Estes tendem a apresentar
a mulher como mais adequada para determinadas funções e profissões e apontar
determinadas atividades como mais apropriadas para o sexo feminino.
Estes
estereótipos, uma vez internalizados, tendem a gerar barreiras internas à
própria expressão do potencial superior, levando um maior número de mulheres a
negar e a subestimar os próprios talentos e capacidades. Muitas vezes, para
serem aceitas, passam a reprimir e a esconder as suas habilidades superiores,
recusando oportunidades que lhes são oferecidas, o que, às vezes, é acompanhado
de sentimentos de solidão, conflito e frustração.
Sabe-se
também que um fator importante para que a pessoa possa aproveitar de forma
plena o seu potencial superior em qualquer profissão diz respeito à
possibilidade de ter o tempo disponível necessário para se dedicar a um projeto
maior. Naturalmente, as condições diárias de trabalho, o grau de autonomia que
se tem para perseguir um dado projeto, o apoio para alcançar as próprias
aspirações profissionais, afetam igualmente a homens e mulheres. No caso das
mulheres, entretanto, quando casadas e especialmente quando têm filhos
pequenos, o encargo no lar é, de modo geral, muito maior, o que pode restringir
em muito o seu tempo disponível para ocupar um maior número de horas em
projetos que exigem uma intensa dedicação. Estas se sentem divididas e
pressionadas a cumprir de forma adequada
as responsabilidades domésticas primárias, sentindo-se culpadas quando se
absorvem em atividades profissionais de
forma antagônica às expectativas culturais.
A Necessidade de Orientação e
Aconselhamento ao Superdotado e à Família
Com o objetivo de ajudar ao superdotado que apresenta
problemas e dificuldades de ordem psicológica, vários centros e serviços de
aconselhamento foram criados, especialmente nos Estados Unidos, país que mais
tem investido na educação daqueles alunos que se destacam por um potencial
superior. Um destes Serviços, denominado Programa de Apoio às Necessidades Emocionais
do Superdotado foi, por exemplo, fundado no início da década passada na Wright State University, após o suicídio
de um adolescente intelectualmente brilhante. Alguns destes centros, como o da
Universidade de Iowa, vem atuando não apenas no aconselhamento psicológico, mas
também na orientação vocacional e aconselhamento familiar (Colangelo, 1991).
Dentre os problemas que têm sido apontados entre superdotados que buscam estes
serviços salientam-se o perfeccionismo e medo do fracasso, ambivalência a
respeito de si mesmo, desvio das normas impostas pela família e pelo grupo de
mesma idade, além do isolamento social.
Por outro lado, um dos problemas críticos enfrentados por
muitos superdotados na escolha profissional diz respeito às pressões para que
sigam determinadas carreiras mais valorizadas socialmente e que são tidas como
mais adequadas àqueles alunos que se destacam por suas habilidades superiores.
Segundo Colangelo (1991), diretor de um centro norte-americano de
aconselhamento para superdotados, estas pressões podem dificultar a este aluno
"seguir o seu coração" na escolha profissional, diante da oposição
encontrada na própria família, que não deseja ver o filho desperdiçar o talento
em áreas tidas como de menor prestígio.
Outras
dificuldades podem ser vividas também pelo superdotado no meio da família em
função de pais superambiciosos, que pressionam permanentemente o filho para que
ele se destaque cada vez mais, vendo neste um caminho para a sua própria realização
e satisfação de desejos frustrados de sucesso e projeção.
Também a
família do superdotado, muitas vezes, necessita de aconselhamento. Algumas têm
dificuldade em lidar com a discrepância entre o desenvolvimento intelectual e
emocional do superdotado, sendo esta, inclusive, a maior dificuldade apontada
pelos pais nas suas relações com filhos que se destacam por uma inteligência
superior, conforme observado por Landau (1990). Muitos pais sentem-se perdidos
sobre a melhor maneira de lidar e orientar o seu filho com altas habilidades.
Esta dificuldade é sentida com freqüência em nosso meio, dada a inexistência
quase que completa de programas de ordem acadêmica voltados para o superdotado,
que venham a atender às suas necessidades de aprendizagem e possibilitar-lhes o
contato com colegas que também se sobressaem por um potencial superior. O
problema se agrava diante dos preconceitos e idéias errôneas sobre o
superdotado, comuns em nosso meio, dificultando a sua adaptação na escola e
levando mesmo a um enorme desperdício de potencial e de talento. Uma dessas
idéias é a de que o superdotado não necessitaria participar de programas
voltados para as suas necessidades de aprendizagem, uma vez que ele já é um
privilegiado do ponto de vista intelectual, e que teria plenas condições de
alcançar níveis elevados de desempenho, independentemente das condições de
ensino e aprendizagem.
Por outro lado, muitos professores, quando informados a
respeito da presença de superdotados em suas salas de aula, tendem a se sentir
ameaçados ou a apresentar expectativas inapropriadas com relação aos mesmos. Já
tivemos oportunidade de observar, por exemplo, uma sala de aula onde a
professora esperava que um de seus alunos, sobre o qual lhe foi informado que
era superdotado, tivesse sempre resposta para todas as suas perguntas, hostilizando-o
quando este não correspondia às suas expectativas elevadas.
Tem sido também penalizado
o aluno que, ao matricular na primeira série, já domina o conteúdo relativo a
esta série, gerando problemas para a professora que não tem interesse naqueles
que estão mais avançados e frustrando o aluno que não encontra um conteúdo
compatível com seus interesses e nível de conhecimento.
Muitas das
dificuldades que o superdotado enfrenta em nosso meio têm também a ver com o
rótulo. Como destacamos anteriormente (Alencar, 1994a), o problema do rótulo é
sério, especialmente devido ao prefixo "super", que sugere a idéia de
um desempenho excepcionalmente elevado, e o fenômeno da superdotação como algo
raro, e, portanto, com poucos alunos podendo ser classificados como tal.
Observa-se ainda uma ênfase no genótipo, ou seja, a idéia da superdotação como
um dote que o indivíduo já traria ao nascimento, e que se realizaria,
independentemente das condições ambientais.
A fim de prevenir e combater grande parte das condições que
levam ao desajuste emocional da criança superdotada, é necessário uma maior
preparação, por parte dos pais e professores em particular, sobre as
características pessoais e habilidades do indivíduo que apresenta um
desenvolvimento superior. Ajudá-lo a desenvolver seu potencial, a se sentir
compreendido e amado é tarefa que todos nós, pais e educadores, não podemos nos
furtar.
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