suzana herculano-houzel
Extraído do jonal “ A Folha de são Paulo “ de
26/11/2.013 : http://www1.folha.uol.com.br/colunas/suzanaherculanohouzel/2013/11/1376584-videogames-para-a-atencao.shtml
Muita gente fala mal da tecnologia e levanta até
a possibilidade de o deficit de atenção de tantas crianças e jovens adultos ser
causado pelo uso dos aparelhos modernos, que permitem (ou exigem) que a atenção
seja dividida entre várias tarefas ao mesmo tempo. Eu discordo e, continuando
minha campanha em prol da tecnologia (e contra, isso sim, seu mau uso), digo o
porquê: a melhor coisa que pode acontecer para melhorar a capacidade de atenção
do cérebro é justamente exigir dela.
A neurociência aprendeu isso com uma das
invenções tecnológicas mais execradas nos círculos pseudocientíficos: o
videogame. Primeiro, descobriu-se que ficar horas a fio na frente do monitor
não faz mal algum à visão. Pelo contrário, a acuidade visual até melhora em
alguns jogadores.
Segundo, jogadores de videogames de ação, como
Grand Theft Auto, Medal of Honor ou Call of Duty, têm uma capacidade maior do
que não jogadores de não se deixar distrair por objetos fora do foco de
atenção, ao mesmo tempo em que conseguem detectar objetos interessantes na
periferia do campo de visão. Ou seja: têm maior capacidade de atenção.
Há que ser cético, contudo, e lembrar que talvez
seja justamente uma maior capacidade prévia de atenção de alguns jovens que
faça com que eles se dediquem muito mais do que os outros aos videogames de
ação --atividade que seria naturalmente mais fácil para eles, nesse caso. Mas é
fácil tirar a dúvida: basta treinar jovens não jogadores e medir sua capacidade
de atenção antes e depois da prática.
Resultado: tanto moças quanto rapazes que passam
a jogar Medal of Honor diariamente, por exemplo, demonstram melhora na
coordenação visuomotora, na capacidade de detectar objetos e na atenção, com
apenas dez dias de treino. Jogar o bem-comportado Tetris, em comparação, não
adianta nada. A atenção melhora... quando se presta atenção --assim como a
memória melhora quanto mais recorremos a ela.
É claro que jogar videogames pode trazer
problemas. Assim como beber água em excesso faz mal (sabia?), jogar demais pode
ser nocivo, principalmente para jovens e crianças com predisposição a
comportamento impulsivo --e, antes de mais nada, por tomar o tempo em que eles
poderiam estar aprendendo outras coisas. Mas, de novo, o problema não é da
tecnologia: é do mau uso que fazemos dela.
Suzana Herculano-Houzel, carioca, é
neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha, e professora da
UFRJ. Escreve às terças, a cada 15 dias, na versão impressa de
"Equilíbrio".
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