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Pesquisas
revelam que fatores como amamentação, suplementação de vitamina D e até a
obesidade dos pais terão impacto no nível do QI da criança do seu nascimento
até o resto de sua vida
Monique Oliveira e Wilson Aquino
Uma safra de novos estudos realizados em
todo o mundo está apresentando revelações surpreendentes sobre o processo de
desenvolvimento da inteligência humana. As pesquisas apontam, pela primeira
vez, fatores importantíssimos associados ainda à vida uterina e aos primeiros
anos de vida que serão decisivos para a evolução do intelecto. Reunidos, esses
trabalhos traçam o mais completo retrato científico do nascimento da
inteligência.
E se trata de um retrato belíssimo. Ele deixa claro o quanto essa
habilidade depende de uma combinação complexa de circunstâncias para que atinja
seu ápice na vida adulta. Condições que surgem antes mesmo da fecundação, como
evidencia uma pesquisa realizada no Centro Médico Forest Baptist (Eua). O
trabalho apontou que filhos de mães com Índice de Massa Corporal (IMC) superior
a 30 (já classificado como obesidade) têm maior chance de desenvolver
limitações cognitivas. Eles manifestaram três pontos a menos de QI (quociente
de inteligência) em relação aos nascidos de mulheres de peso normal. Ainda se
estuda de que maneira o excesso de peso da mãe impacta a inteligência do filho,
mas há algumas hipóteses. “O acúmulo de peso pode contribuir para um maior
número de células anormais do sistema imunológico, capazes de atacar outras
estruturas”, disse à ISTOÉ Jennifer Helderman, uma das autoras do estudo. “O
mecanismo resulta em uma maior predisposição à inflamação, que poderia afetar o
tecido neurológico da mãe e do feto”, especula.
Nas primeiras semanas após a fecundação, inicia-se uma etapa-chave: é
quando começa a se formar o tubo neural, a estrutura que dará origem ao
cérebro. Diversos trabalhos relacionam o sucesso desse processo à presença em
concentração adequada de ácido fólico (vitamina B). Caso contrário, uma das
extremidades do tubo não se fecha, originando, por exemplo, a anencefalia
(ausência parcial do encéfalo e da calota craniana). “Pesquisas confiáveis
apontam forte conexão entre déficit de ácido fólico e essa anomalia”, explica o
médico Luiz Celso Villanova, chefe do setor de neurologia da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp).
ALIMENTOS
O neuropediatra Villanova alerta para a importância da suplementação de
alguns nutrientes como forma de garantir a formação correta das estruturas cerebrais
O neuropediatra Villanova alerta para a importância da suplementação de
alguns nutrientes como forma de garantir a formação correta das estruturas cerebrais
Igual influência apresenta a vitamina D, segundo pesquisas recentes.
Pesquisadores do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Epidemiologia
Ambiental de Barcelona, na Espanha, acompanharam 1.820 mães e verificaram que
os filhos daquelas com níveis adequados do composto na gravidez tiveram melhor
desempenho em testes de inteligência do que filhos de mães com déficit da substância.
Embora os cientistas não apontem uma razão específica para a associação,
explicam que a literatura científica é vasta quanto ao peso da vitamina na
saúde geral do bebê. “Há diversos estudos demonstrando relação entre o composto
e o desenvolvimento do sistema imunológico, por exemplo. É natural supor que
exista impacto também no funcionamento cerebral”, afirmou à ISTOÉ a
epidemiologista Eva Morales, autora do estudo.
Por volta da 20ª semana, estruturas indispensáveis para a boa
comunicação entre os neurônios estão em formação. Entre elas os dentritos
(projeções que permitem essa comunicação) e a bainha de mielina (que assegura a
eficácia dessa interação). Grande parte da bainha é constituída de moléculas de
DHA, um gênero de ácido ômega 3. Trata-se de um composto fabricado pelo corpo,
mas uma suplementação é indicada. Ela pode ser feita por meio da alimentação
pela mãe. Uma das melhores fontes são os peixes de água fria, como salmão e
sardinha. Também é importante que a mulher aumente o consumo de proteínas, base
para a produção dos neurotransmissores, as substâncias que levam a informação
de um neurônio a outro.
Da mesma forma que a ciência está identificando o que aumenta a chance
de um QI mais elevado, as pesquisas começam a apontar o que, ainda na vida
uterina, pode prejudicar o potencial intelectual. A poluição é um desses
elementos. Estudo do Centro de Desenvolvimento do Cérebro, da Universidade de
Colúmbia (Eua), revelou que a exposição a hidrocarbonetos aromáticos
policíclicos – substâncias produzidas durante a queima incompleta de
combustíveis – sofrida pelo feto fará com que a criança apresente cerca de
quatro pontos a menos em testes de inteligência. A hipótese é que os poluentes
atravessam a placenta e danificam o tecido cerebral do feto.
Outra constatação nesse sentido é a de que o estresse materno na
gestação impacta negativamente a inteligência da criança. “Ele causa danos ao
desenvolvimento do córtex pré-frontal”, explica o neurocientista Antonio
Pereira, do Instituto do Cérebro, da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. O cientista brasileiro se refere à área do cérebro associada ao
processamento do raciocínio. “Se a mãe tiver uma gestação sem estresse, será
melhor para o desenvolvimento cognitivo da criança.”
Há ainda achados como o da Universidade de Colúmbia (Eua), segundo o qual crianças nascidas de 37 semanas apresentaram pior desempenho de leitura e matemática do que as nascidas de 41 semanas. A conclusão foi feita com base em uma análise de 138 mil crianças de escolas públicas de Nova York (Eua) e poderia ser explicada pelo fato de que o tempo maior dentro do útero favoreceria a formação de mais redes neurais por onde as informações trafegam e são armazenadas.
Quando nasce, cada neurônio da criança faz aproximadamente 2,5 mil sinapses
– as conexões entre os neurônios por meio das quais as informações são passadas
de um a outro. Esse número pode chegar a 15 mil aos 3 anos de idade. Para que
isso ocorra é vital que outros fatores nutricionais e ambientais sejam
respeitados. Afinal, eles proverão as condições necessárias para que essas
conexões se multipliquem e neurônios não sejam descartados por falta de uso.
“Após alguns meses depois do nascimento, o volume cerebral quadruplica”,
explica Solange Jacob, coordenadora pedagógica da organização Pupa, que
desenvolve atividades com pais e crianças para melhor desenvolver o intelecto
infantil na primeira infância. “Aos 3 anos, uma criança já fez um quatrilhão de
conexões cerebrais.”
Neste mês, um importante estudo publicado na revista da Associação
Médica Americana confirmou de forma contundente o papel da amamentação nessa
construção do intelecto. “Mostramos uma conexão direta entre o aleitamento
materno e a inteligência”, disse à ISTOÉ Mandy Belfort, professora de pediatria
da Escola de Medicina de Harvard (Eua) e uma das líderes do estudo. Ela e sua
equipe seguiram 1.312 bebês entre 1999 e 2010. Entre os principais achados, o
grupo descobriu uma relação interessante. Nas crianças de 3 anos, a cada mês
adicional de amamentação foi registrada uma média de 0,21 ponto a mais em
testes de QI em comparação às que não tiveram o tempo extra. A mesma influência
positiva permanece aos 7 anos, em que os participantes contabilizavam um
acréscimo de 0,35 ponto em testes orais e 0,29 em exames não verbais.
No Brasil, um trabalho da PUC de Pelotas (RS) encontrou a mesma relação.
Em 2002 e 2003, os cientistas acompanharam 616 bebês para avaliar a permanência
e a frequência com que eram amamentados. Quando as crianças completavam 8 anos
de idade, elas foram submetidas a testes de QI. “Os bebês que mamaram por mais
de seis meses obtiveram desempenho 30% superior”, explica a pediatra Elaine
Albernaz, responsável pela pesquisa. De acordo com o pediatra carioca Daniel
Becker, do Instituto de Pediatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o
benefício transcende o potencial de raciocínio. “O aleitamento contribui tanto
para a inteligência do ponto de vista cognitivo como social e afetivo”, afirma.
As explicações para o benefício não repousam somente em um mecanismo.
Primeiro, há o estímulo do próprio contato entre mãe e filho. “Quando o bebê é
amamentado, a mãe toca nele, olha e fala com ele. Esse vínculo é fundamental
para o desenvolvimento cognitivo”, assegura a médica Elaine. Depois, há o
impacto de substâncias presentes no leite materno que atuam na formação e no
crescimento dos neurônios, como as gorduras e o ácido araquidônico.
Um trabalho da PUC do Rio Grande do Sul chama a atenção para a
importância de cuidados especiais aos prematuros também no que diz respeito à
cognição. Durante oito anos, os pesquisadores acompanharam 200 crianças
nascidas prematuramente, mas não consideradas de risco (não apresentavam
sequelas neurológicas). Apresentavam apenas baixo peso (menos de 2,5 quilos) ao
nascer. Em teste de avaliação de inteligência aplicado quando elas chegaram aos
8 anos, manifestaram pontuações inferiores ao esperado. “Acreditamos que a
questão está mais relacionada ao baixo peso de nascimento do que com a
prematuridade. Isso é um aspecto associado à desnutrição intrauterina”,
explicou a neurologista infantil Magda Nunes, professora de neurologia da
Faculdade de Medicina da PUC/RS e autora do experimento. Em animais, a
pesquisadora constatou que a falta de nutrientes corretos torna menor o
hipocampo, estrutura do cérebro que participa do processamento de funções
cognitivas e da memória.
MAPA
O cientista Aron Barbey, dos Estados Unidos, investiga
como a inteligência emerge dos circuitos de neurônios
O cientista Aron Barbey, dos Estados Unidos, investiga
como a inteligência emerge dos circuitos de neurônios
Informações desse gênero são alvo de investigação em todo o mundo.
“Nosso desafio é estudar de que maneira a inteligência emerge de sistemas
neurais e o estudo da arquitetura do cérebro ajuda a entender alguns padrões de
pensamento e comportamento”, afirmou à ISTOÉ o pesquisador Aron Barbey, do
Laboratório de Neurociência da Universidade de Illinois (Eua). O cientista é um
dos mais respeitados estudiosos dos caminhos neuronais associados à cognição.
Com base em seu conhecimento, também se coloca como um dos principais
defensores de que o desenvolvimento inicial de habilidades como os raciocínios
concreto e abstrato tem raízes em uma interação que une, entre outros elementos,
uma boa nutrição cerebral, como se viu, herança genética e ambiente.
Na fundação desses pilares, está cada vez mais consolidado, por exemplo,
o poder do afeto. “A criança deve ter pelo menos uma relação afetiva
significativa para desenvolver a empatia, capacidade que vai determinar muitos
aspectos do processamento cognitivo”, explica o médico e psicoterapeuta João
Augusto Figueiró, fundador do Instituto de Zero a Seis, entidade que tem por
objetivo estimular a consciência sobre a importância da primeira infância para
o desenvolvimento do indivíduo. Nesse sentido, algo banal como o convívio com
um animal de estimação ajuda muito. Uma revisão de 69 pesquisas realizadas por
cientistas de várias instituições europeias mostrou que pela interação entre um
bicho de estimação e crianças se verifica o desenvolvimento de habilidades
importantes – respeito, confiança e empatia entre elas.
Efeito oposto promove o uso de aparelhos
como smartphones e tablets. Apesar do apelo educacional desses aparelhos, a
Academia Americana de Pediatria recomendou recentemente que os pais não
ofereçam esses recursos a seus filhos antes que eles completem 2 anos de idade.
Num artigo intitulado “Crianças devem aprender da brincadeira – e não do
monitor”, a entidade cita pesquisas que associam o uso de mídias eletrônicas a
um pior desempenho da linguagem e ao atraso no desenvolvimento emocional, entre
outros prejuízos.
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