Tânia
Gonzaga Guimarães (Universidade de Brasília)
Eunice
M. L. Soriano de Alencar (Universidade de Brasília)
Resumo: Há um
reconhecimento crescente de que indivíduos superdotados podem também apresentar
características típicas daqueles com Transtorno de Asperger. Entretanto, a
literatura referente a esta dupla excepcionalidade é muita escassa, com um
reduzidíssimo número de estudos empíricos realizados sobre a condição. Este
artigo apresenta informações sobre o referido transtorno, com ênfase no
histórico e características associadas a síndrome. Descreve também traços
comuns e discrepantes entre indivíduos superdotados e aqueles com o transtorno
em diferentes esferas, como linguagem, humor e expressão da afetividade. O
artigo finaliza ressaltando a importância de os profissionais responsáveis pela
avaliação psicológica ou médica de indivíduos superdotados ou com Transtorno de
Asperger levarem em consideração a possibilidade da coexistência da
superdotação com o transtorno, sinalizando o que deve ser levado em conta na
avaliação e a necessidade de intervenções apropriadas que possam ajudar o
indivíduo com a dupla excepcionalidade a lidar com as dificuldades associadas ao
transtorno.
Introdução
Uma análise da literatura sobre Superdotação/Altas Habilidades indica que
muitos avanços ocorreram nas últimas décadas, especialmente no que diz respeito
a procedimentos de avaliação/identificação, modelos/práticas instrucionais e
atenção diferenciada ao superdotado em países de distintos continentes. Em que
pesem estes avanços, muitos são os tópicos referentes ao superdotado ainda
pouco explorados e que merecem uma atenção maior dos estudiosos e pesquisadores
da área. Dentre eles, poder-se-ia apontar a dupla excepcionalidade, incluindo
distintos grupos específicos, como superdotados que apresentam dislexia,
transtorno de déficit de atenção/hiperatividade ou Transtorno de Asperger,
sendo este último o foco do presente artigo. O mesmo inicia com uma apresentação
deste transtorno, seguido da descrição de traços comuns e discrepantes entre
indivíduos superdotados e com Transtorno de Asperger. Ressalta-se que, embora
muito tenha sido pesquisado e divulgado tanto sobre superdotação quanto sobre a
Síndrome ou Transtorno de Asperger, especialmente nas duas últimas décadas, a
literatura sobre superdotados com o referido transtorno é extremamente escassa.
Este não é, por exemplo, um tema focalizado em dois dos mais completos textos
da área, quais sejam Heller, Mönks, Sternberg e Subotnik (2000) e Shavinina
(2009)
Transtorno
de Asperger
O Transtorno ou Síndrome de Asperger foi originalmente descrito em 1944, pelo
pediatra vienense Hans Asperger em sua tese de doutorado. Entretanto, somente
foi oficialmente reconhecido como critério de diagnóstico no DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual da Associação Americana de
Psiquiatria) em 1994, portanto 50 anos após a sua descrição original.
Segundo Asperger (citado por Attwood, 2000), os indivíduos com esse transtorno
apresentam uma interação social empobrecida, desenvolvimento de interesses
especiais e uso estereotipado e pedante da fala. Em sua tese, o autor descreveu
quatro meninos que se caracterizavam por habilidades sociais, linguísticas e
cognitivas atípicas, tendo utilizado o termo ´psicopatia autística` para
descrever o que considerava uma forma de desordem de personalidade (Attwood,
2000). O estudo de Asperger permaneceu, entretanto, ignorado por várias
décadas, embora ele se dedicasse ao tratamento de crianças com o referido
quadro clínico, tendo inclusive sugerido que a síndrome tinha maior
probabilidade de ser observada entre crianças com alto nível de inteligência e habilidades
especiais (Neihart, 2000). O seu trabalho somente veio a causar impacto,
um ano após a sua morte, quando Wing (1981) publicou na língua inglesa as
características clínicas principais originalmente descritas por Asperger,
estimulando o interesse por novas pesquisas em relação à definição desse quadro
clínico. Nesta publicação, Wing descreve 34 casos que apresentavam as mesmas
características citadas por Asperger. Muitas dessas crianças, com histórico
precoce de sintomas autistas, demonstravam sérias dificuldades na interação,
prejuízos na comunicação, além de limitada capacidade criativa, porém com nível
cognitivo acima da média, se comparadas às crianças autistas da mesma faixa
etária. Wing denominou, então, este quadro de Síndrome de Asperger, que
passou a ser reconhecido cientificamente, e pertencendo ao continuum autista (Attwood, 2000; Klin,
2006).
De acordo com o DSM-IV-TR (2002), as características principais do
transtorno de Asperger consistem em: (critério A) “dificuldade severa e
constante nas interações sociais; (critério B) desenvolvimento de padrões
restritos de comportamentos, interesses e atividades; (critério C) dificuldades
clinicamente significantes nas áreas social, ocupacional ou outras” (p. 111).
Diferentemente do Transtorno Autista, o indivíduo com Transtorno de Asperger
não apresenta atrasos clinicamente significativos na área da linguagem. Durante os três primeiros anos de vida,
não ocorrem atrasos no desenvolvimento cognitivo manifestado na expressão de
curiosidade normal diante do ambiente ou na aquisição de habilidades de
aprendizagem e comportamento adaptativo, o que permite melhor adaptação social.
Pode haver comprometimento da interação social e na comunicação social, bem
como nos padrões restritos de interesses, embora possa precocemente apresentar
desajeitamento motor (American Psychiatric Association, 2002).
Portanto, a Associação Americana de Psiquiatria considera que o Transtorno
de Asperger é uma categoria, dentro dos Transtornos Globais do Desenvolvimento,
diferente do Transtorno Autista. A categoria Transtornos Globais do
Desenvolvimento refere-se aos transtornos que se caracterizam por prejuízos
severos e invasivos em diversas áreas do desenvolvimento. Os prejuízos
qualitativos representam um desvio em relação ao nível de desenvolvimento do
indivíduo, o que afeta sua adaptação social e educacional. De maneira geral, as
alterações se manifestam nos primeiros anos de vida e podem aparecer associadas
a vários quadros (neurológicos ou sindrômicos) variando em grau e intensidade
de manifestações. Sendo assim, o Transtorno de Asperger deve ser
compreendido a partir da combinação de um substrato neurobiológico e de
variáveis ambientais e esta intersecção afetaria o desenvolvimento do indivíduo
ao longo de sua vida. Ademais, o diagnóstico do Transtorno de Asperger continua sendo clínico,
baseando-se nos comportamentos observados ao longo do desenvolvimento do
indivíduo inserido no meio social e cultural.
Neste sentido, a realização de um diagnóstico de indivíduos com Transtorno
de Asperger torna-se relevante quando se descrevem as características destes
nas áreas do desenvolvimento, e detectam as necessidades e se oferecem
estratégias de intervenção que ajudem a melhorar a qualidade de vida desses
indivíduos (Artigas, 2000). É, entretanto, fundamental ressaltar que no quadro clínico do Transtorno
de Asperger, há grandes variações nas condutas apresentadas por distintos
indivíduos : alguns
podem sair muito bem na escola, enquanto outros se caracterizam por desempenho
muito aquém do desejável; alguns têm sérios problemas de comportamentos, enquanto
outros não. Alguns apresentam hábitos inaceitáveis, o que nem sempre é o
caso.
Quanto à prevalência, Gillberg (1998) relatou que a incidência de Transtorno de
Asperger era estimada em 7 para cada 1000 crianças entre 7 e 16 anos, e 5a 10
vezes mais comum que o autismo. É também mais frequente entre meninos do que
entre meninas (Assouline, Nicpon, & Doobay, 2009). De acordo com o DSM-IV-TR,
porém, ainda não há dados definitivos quanto à prevalência do Transtorno de
Asperger (American Psychiatric Association, 2002). Ademais, as estimativas já
apontadas podem ficar comprometidas em função desta síndrome ser muitas vezes
confundida com outros transtornos mentais, como esquizofrenia, paranoia e
outras desordens de personalidade (Gillberg, 1998; Wing, 1981).
Fazendo uma análise histórica dos últimos
anos, alguns autores (Artigas, 2000; Assumpção, 2007; Gillberg, 1998; Klin,
2006; Myles & Simpson, 2003; Schwartzman, 2003) têm contribuído
significativamente para a produção científica em relação às características do
Transtorno de Asperger. Entre eles, ressalta-se que Gillberg (1991), no início
da década de 90, apresentou seus próprios critérios para o diagnóstico do
Transtorno de Asperger na tentativa de conseguir um retrato clínico mais fiel
dessa desordem. São
seis os critérios propostos por ele, a saber : 1- isolamento social, com
extremo egocentrismo; 2- áreas restritas de interesses; 3- rotinas e rituais
repetitivos; 4- peculiaridades de fala e linguagem; 5- distúrbios na
comunicação não-verbal; 6 - desajeitamento motor - “Clumsiness”.
Também Assumpção (1997) levanta
características importantes para a realização do diagnóstico do Transtorno de
Asperger, como
inteligência normal, desenvolvimento de habilidades especiais com interesses
restritos, desenvolvimento de padrões gramaticais elaborados precocemente com
tendência ao pedantismo e alterações da prosódia, dificuldades de compreensão e
de comunicação não verbal e déficit no contato social.
Segundo Myles e Simpson (2003), a maioria
dos indivíduos com Transtorno de Asperger começa a falar antes dos três anos de
idade apresentando bom desenvolvimento dos aspectos formais da linguagem, além
de fala “pedante” que pode ser descrita como o uso de palavras difíceis ou
pouco usuais para a idade cronológica e construção de frases rebuscadas,
provocando pouca espontaneidade. Em relação à compreensão, esta pode estar
comprometida tendendo a um entendimento literal, não conseguindo o indivíduo
abstrair o conteúdo metafórico ou de duplo sentido das expressões. Na maioria
das vezes, esses indivíduos utilizam o meio verbal em detrimento de outras
pistas de comunicação, pois o uso de gestos é reduzido e, quando ocorre, é de
forma desajeitada. Tais manifestações decorrem de falhas na recepção, discriminação e
compreensão de estados mentais de outra pessoa, gerando uma inabilidade
cognitiva em atribuir estados mentais ou de entender as expressões faciais do
interlocutor, dificultando a competência social e as habilidades de adaptação
social de forma geral (Howlin, 2003; Klin, Volkmar, & Sparrow, 2000;
Pastorello, 1996; Schwartzman, 2003).
O desenvolvimento motor pode ser normal
ou um pouco atrasado, com dificuldades psicomotoras leves, dando ao indivíduo
com Transtorno de Asperger um aspecto “desajeitado” (Gillberg, 1993; Penã, 2008). Para Wing
(1999, citada por Artigas, 2000), a coordenação motora no Transtorno de Asperger é geralmente pobre, assim
como a organização dos movimentos, embora alguns indivíduos possam se destacar
em áreas específicas de interesse, por exemplo, tocar um instrumento musical.
Artigas (2000) relata que na maioria
dos indivíduos com Transtorno de Asperger as manifestações mais importantes
situam-se no plano cognitivo e comportamental, com características bastante
específicas. Em complemento, Myles e Simpson (2003) e Luiselli (2008) ressaltam
que problemas, como estresse e ansiedade, podem aparecer no decorrer do
desenvolvimento do indivíduo com Transtorno de Asperger, e esta combinação é
uma das muitas que pode ocorrer em comorbidade na sintomatologia destes
indivíduos. Assim, tem sido apontado que um percentual expressivo destes indivíduos
apresenta comorbidade com outros transtornos, como Transtorno do
Desenvolvimento da Coordenação, Síndrome de Tourette, Transtorno
Obsessivo-Compulsivo, Transtorno do Déficit de Atenção-Hiperatividade,
dislexia, hiperlexia e depressão. Tais comorbidades ou manifestações associadas podem surgir em qualquer
indivíduo em desenvolvimento sem comprometimento dessa natureza. De forma
similar, sintomas, como dificuldade de interação social e falta de
flexibilidade, observados no Transtorno de Asperger, são também comuns entre a
população geral e podem ser considerados traços de personalidade ou uma forma
de condição patológica. As características nucleares do Transtorno de
Asperger não diferem qualitativamente daquelas próprias de qualquer indivíduo. A diferença está na expressão
aumentada e severa de alguma destas características, a ponto de interferir na
vida social do indivíduo (Artigas,
2000; Attwood, 2000).
Transtorno
de Asperger e superdotação: Traços comuns e discrepantes
Como um número
expressivo de indivíduos com Transtorno de Asperger funciona em um nível
intelectual médio ou acima da média, notadamente nesta última década a
ocorrência simultânea Transtorno de Asperger e Superdotação tem chamado a
atenção de especialistas da área de superdotação. Estes têm buscado desenvolver estratégias
instrucionais e comportamentais que possam auxiliar na inclusão de alunos com
esta dupla excepcionalidade, oferecendo-lhes uma assistência especial para a
sua adaptação e melhor desenvolvimento. Para facilitar a identificação/avaliação
destes indivíduos, é importante conhecer características comuns de crianças
superdotadas e aquelas com Transtorno de Asperger e ainda aquelas
características que diferenciam os superdotados daqueles superdotados com
Transtorno de Asperger. Nota-se,
entretanto, que embora alguns autores façam referência a este grupo de
indivíduos (Assouline, Nicpon, & Doobay, 2009; Henderson, 2005; Jackson,
2003, Lovecky, 2004; Neihart, 2000), o número de estudos empíricos com
amostras destes indivíduos é reduzidíssimo. Assouline e colaboradores, por
exemplo, apontam apenas um único estudo realizado por D. H. Huber, o qual em
sua tese de doutorado descreveu 10 estudantes com QI muito elevado e que também
apresentavam o Transtorno de Asperger. No Brasil, destaca-se o estudo de caso
realizado por Guimarães (2009), em sua dissertação de mestrado.
Entre as características que podem ser observadas em superdotados e aqueles com
Transtorno de Asperger, destacam-se: (a) fluência verbal, além de excelente
memória de fatos e informações sobre tópicos de interesse especial; (b)
interesse por letras ou números e prazer em memorizar informações factuais em
idade precoce; (c) grande interesse por um tópico específico, apresentando o
indivíduo um vasto repertório de informações sobre o tópico que o fascina; (d)
hipersensibilidade a estímulos sensoriais, como ruídos, toques, textura e sabor
de alimentos, níveis de iluminação e cores; (e) assincronia entre distintas
facetas do desenvolvimento, por exemplo, entre o desenvolvimento cognitivo e o
desenvolvimento social e afetivo; (f) excelente desempenho em áreas
específicas, paralelamente a um desempenho mediano em outras áreas (Neihart, 2000).
Por outro lado, uma das características distintas é encontrada nos padrões de
discurso. Os indivíduos com Transtorno de Asperger, assim como os que
apresentam Superdotação, podem evidenciar discurso fluente caracterizando um
pensamento original e analítico. Embora ambos os grupos sejam altamente verbais, indivíduos com
Transtorno de Asperger apresentam um discurso pedante, o que não é comum entre
superdotados. Frith
(1991) sugeriu que uma diferenciação se encontra na falta de coesão do
discurso, ou seja, os indivíduos com Transtorno de Asperger demonstram uma
combinação pouco coesa de conhecimentos e relatos pessoais em suas respostas
escritas ou orais. Geralmente, eles falam ou escrevem misturando o
conteúdo com reflexões pessoais e ilustrações autobiográficas, sem ter muita
preocupação quanto a isto.
Outra diferença se
apresenta na maneira como esses indivíduos respondem à rotina diária. Mesmo que
tanto os indivíduos com Transtorno de Asperger quanto os Superdotados sejam
descritos muitas vezes como resistentes à rotina em casa ou na escola,
indivíduos superdotados não são tão rígidos quanto os que têm Transtorno de
Asperger. Além
disso, os primeiros normalmente não apresentam as mesmas dificuldades em lidar
com mudanças como aqueles que apresentam Transtorno de Asperger. Estes podem demonstrar enorme
dificuldade com horários e rotinas da sala de aula e podem se recusar a
cooperar com tarefas comuns de aprendizagem na escola. Em contrapartida, os superdotados podem
apresentar baixa motivação em relação à rotina escolar e podem resistir
passivamente a ela, embora não costumem entrar em pânico ou tornarem-se agressivos como os
que têm Transtorno de Asperger, os quais podem tornar-se mais obsessivos com a
rotina diária (Klin, & Volkmar, 1995).
Há também uma diferença em relação aos comportamentos bizarros que caracterizam
os indivíduos com Transtorno de Asperger. Neihart (2000) ressalta que os
indivíduos comuns têm consciência que os outros observam seu comportamento
excêntrico, enquanto os indivíduos com Transtorno de Asperger não percebem e
nem consideram o seu comportamento como excêntrico. Essa falta de
consciência sobre as convenções sociais é uma marca do Transtorno de Asperger,
o que provavelmente tem relação com a impossibilidade do desenvolvimento da
“Teoria da Mente” (Attwood, 2000). Tais indivíduos demonstram grande dificuldade
de entender a perspectiva do outro, o que torna o seu ajustamento social tão
desafiador (Neihart, 2000).
Outra distinção apontada encontra-se na “perturbação da atenção ativa”
(Asperger, 1944/1992), uma vez que indivíduos superdotados podem apresentar
dificuldades de atenção, tornando esta mais difusa e influenciada por estímulos
externos, enquanto que aqueles com Transtorno de Asperger tendem a se distrair,
mas é uma desatenção interna. A sua atenção é muito mais voltada para o mundo interior,
dificultando seu desempenho acadêmico.
A qualidade de humor é outra diferença. Os indivíduos superdotados com
Transtorno de Asperger podem ser criativos com jogos de palavras e podem ter
excelente performance em fazer trocadilhos, contudo falta neles a
reciprocidade que embasa o humor (Attwood, 2000; Grandin, 2000). Na maioria das vezes, esses indivíduos
não entendem as piadas. Por outro lado, os indivíduos superdotados não
apresentam dificuldade em compreender situações com humor.
A expressão da afetividade é outra característica potencialmente distinta.
Geralmente, indivíduos com Transtorno de Asperger tendem a apresentar
comportamento automatizado em algum nível (Attwood, 2000). A sua resposta emocional pode ser
insípida ou restrita, ou podem rir, chorar ou ficar ansioso de forma
inadequada. Contrapondo a esta reação, uma expressão de afetividade inadequada
não é uma característica usual em indivíduos com superdotação.
Alguns autores, como Neihart (2000), Szatmari (1998) e Wing (1981), reconhecem
que a característica mais provável que distingue os indivíduos superdotados
daqueles com Transtorno de Asperger é a enorme falta de perspicácia e
compreensão destes últimos com relação a sentimentos, necessidades e interesses
de outras pessoas. Os indivíduos com Transtorno de Asperger geralmente falam
incansavelmente sobre seu tema preferido de forma monótona ou pedante, sem
perceber que o ouvinte pode não estar interessado. Muitas vezes, eles
interrompem a conversa particular, entram ou saem abruptamente de um local sem
se preocupar com os as necessidades do outro. Eles demonstram falta de consciência
social em relação às mais simples regras sociais de comportamento, um tipo de
atitude não comumente encontrado em indivíduos superdotados. Portanto, a
participação dos indivíduos com Transtorno de Asperger em programas para alunos
superdotados pode se transformar em um desafio para ele próprio e para os
profissionais que estão inseridos neste programa.
Conclusão
É imprescindível que se reconheça a
coexistência de características de Superdotação e Transtorno de Asperger para
se realizar uma identificação mais precisa. Como lembram Assouline e colaboradores
(2009), a literatura relativa à educação de superdotados tem apontado a
importância de se compreender o impacto da superdotação em um transtorno e,
vice versa, de um transtorno na superdotação. Sinalizam ainda que se um
indivíduo superdotado apresenta dificuldades de ordens diversas, é fundamental
identificar a etiologia dessas dificuldades, buscando-se entender se elas têm
origem no ambiente ou se estariam associadas a um dano que tem uma base
interna, resultado de um transtorno do neurodesenvolvimento.
Ressalta-se, entretanto, que as
investigações referentes a esta dupla excepcionalidade ainda se encontram em um
estágio muito inicial, constatando-se uma enorme carência de estudos empíricos
sobre o tema. Tais
estudos certamente contribuirão para desmistificar tanto a concepção de que o
superdotado é um indivíduo que não apresenta dificuldades escolares,
comportamentais, socioemocionais ou desordens de ordem psicológica ou
neurológica, quanto para compreender melhor as condutas, muitas vezes, atípicas
apresentadas por alunos que se destacam por uma inteligência superior.
É fundamental que os profissionais
responsáveis pela avaliação psicológica ou médica de indivíduos superdotados ou
com Transtorno de Asperger levem em consideração a possibilidade dessa
coexistência. Para
tal, sugere-se que a avaliação seja feita a partir da história do
desenvolvimento do indivíduo, buscando-se levantar dados referentes ao
desenvolvimento social, da comunicação, habilidades motoras e possíveis
déficits sensoriais, complementando com o uso de escalas, avaliações
psicológicas, observação da reciprocidade social do indivíduo em situações
criadas para eliciar uma variedade de comportamentos específicos e observação
do uso da linguagem. Devem-se identificar as características cognitivas, sociais, emocionais
e comportamentais, além do funcionamento neuropsicológico, realizando-se ainda
exames clínicos e psiquiátricos. Neste sentido, utilizar somente a checklist de comportamentos, sugerida
pelos critérios do DSM-IV-TR (2002), mostra-se insuficiente quando se trata de
crianças com inteligência superior e sucesso escolar. O diagnóstico do superdotado com
Transtorno de Asperger requer, pois, a participação de uma equipe
interdisciplinar com experiência. Os pais devem estar ativamente envolvidos na avaliação em função da
importância da história do desenvolvimento e da história familiar de desordens
psiquiátricas ou desenvolvimentais (Amend, & Schuler, 2008; Neihart,
2000). Por esta razão, devem-se utilizar também instrumentos que avaliem
características de superdotação. Ainda de fundamental importância é que a
criança/adolescente superdotada com Transtorno de Asperger, em função dos
problemas frequentemente observados nas áreas social, acadêmica, motora,
comportamental e sensorial, tenha o apoio de professores, pais e terapeutas,
sendo foco de intervenções apropriadas que possam ajudá-la a lidar mais
efetivamente com suas dificuldades.
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Recebido em 30/9/2012. Aceito em
10/10/2012.
Nota curricular sobre os autores:
Tânia Gonzaga Guimarães é Mestre em
Educação pela Universidade Católica de Brasília e psicóloga clínica, com
especialização em avaliação e atendimento a superdotados. É autora de vários
capítulos de livros sobre altas habilidades/superdotação.
Eunice Soriano de Alencar, Ph.D., é professora emérita do Instituto
de Psicologia da Universidade de Brasília e pesquisadora do Conselho Nacional
para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico. É autora de numerosos livros e
artigos publicados em revistas especializadas do Brasil e do exterior,
especialmente sobre superdotação e criatividade. Participa do conselho
editorial de distintos periódicos e é cidadã honorária de Brasília.
Endereço
para envio de correspondência:
Profa.
Eunice Soriano de Alencar
SHIS QL 10,
conjunto 6, casa 14
71630-065
Brasília, DF
Email:
eunices.alencar@gmail.com.
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