Excelente artigo de Angela Virgolim, extraído do site
: http://www.fcee.sc.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=98
Virgolim, A. M. R. (2001, maio). A criança superdotada
em nosso meio: aceitando suas diferenças e estimulando seu potencial. Escola de
Pais do Brasil, Secção de Brasília, Maio, 08-10.
A autora é professora do Departamento de Psicologia Escolar
e do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília e
doutoranda em Psicologia Educacional no Centro Nacional de Pesquisa sobre o
Superdotado e Talentoso da Universidade de Connecticut, EUA. E-mail: talento.criativo@uol.com.br.
Há pouco tempo, um simpático garotinho de três anos,
morador de uma cidade satélite do Distrito Federal, tornou-se notícia de jornal
por ostentar uma habilidade precoce para uma criança de sua idade. Ainda
trocando o “r” pelo “l”, Igor surpreende a todos com sua vivacidade,
sociabilidade e pela velocidade com que lê frases inteiras, inclusive palavras
difíceis como “Antártica, Skol, Bavária, Kaiser e Schincariol, que, segundo o
autor da matéria, “quebra a língua até de alfabetizado”. Com um ano e meio,
Igor já lia anúncios na rua e se exibia para pequenas platéias. Os pais, de
origem humilde e pouca instrução formal, explicam que não ensinaram a criança a
ler, embora tenham dado a ela oportunidade de manipular livros, oferecidos como
distração enquanto ambos estudavam. Embora orgulhosos do filho, os pais revelam
uma preocupação típica de quem tem em casa uma criança precoce: não querem
que o filho se sinta diferente ou excluído pelos colegas.
Terminologias diferentes
Acontece que Igor está longe de ser um caso único, ou
mesmo raro. A habilidade superior, a superdotação, a precocidade, o prodígio e
a genialidade são gradações de um mesmo fenômeno, que vem sendo estudado há
séculos em diversos países, como China, Alemanha e Estados Unidos. Como ressaltam
Alencar e Fleith no artigo “Lim: características e desenvolvimento de uma
criança com uma inteligência matemática excepcional”, chamamos de precoce a
criança que apresenta alguma habilidade específica prematuramente desenvolvida
em qualquer área do conhecimento, seja na música, na matemática, na linguagem
ou na leitura. Sem dúvida, Igor é uma criança precoce, mas ainda não podemos
rotulá-la como superdotada, prodígio ou gênio. Vejamos a diferença :
Utilizamos o termo “criança prodígio” para sugerir
algo extremo, raro e único, fora do curso normal da natureza. Um bom exemplo de
uma criança prodígio, com uma habilidade excepcional, seria Wolfgang Amadeus
Mozart, que começou a tocar piano aos três anos de idade. Aos quatro anos, sem orientação
formal, já aprendia peças com rapidez, e aos sete já compunha regularmente e se
apresentava nos principais salões da Europa. Além disso, ao ouvir apenas uma
vez o Miserere de Gregório Allegri, foi capaz de transcrever a peça inteira de
memória, quase sem cometer erros.
Mozart, assim como Einstein, Gandhi, Freud e Picasso,
são ainda exemplos de gênios, termo este reservado para aqueles que deram
contribuições extraordinárias à humanidade. São aqueles raros indivíduos que,
até entre os extraordinários, se destacam e deixam sua marca na história.
Mas o que é a superdotação ?
As habilidades apresentadas por todas as crianças aqui
citadas, sejam elas precoces, prodígios ou gênios, podem ser enquadradas em um
termo mais amplo, que é a superdotação. A definição brasileira, apresentada na
Política Nacional de Educação Especial de 1994, define como portadores de altas
habilidades/ superdotados os educandos que apresentam notável desempenho e/ou
elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou
combinados: a) capacidade intelectual geral (que envolve rapidez de pensamento,
compreensão e memória elevadas, capacidade de pensamento abstrato); b) aptidão
acadêmica específica (atenção, concentração, rapidez de aprendizagem, boa
memória, motivação por disciplinas acadêmicas do seu interesse, capacidade de produção
acadêmica); c) pensamento criativo ou produtivo (originalidade de pensamento, imaginação,
capacidade de resolver problemas de forma diferente e inovadora); d) capacidade
de liderança (sensibilidade interpessoal, atitude cooperativa, capacidade de
resolver situações sociais complexas, poder de persuasão e de influência no
grupo); e) talento especial para artes (alto desempenho em artes plásticas,
musicais, dramáticas, literárias ou cênicas) e f) capacidade psicomotora
(desempenho superior em velocidade, agilidade de movimentos, força,
resistência, controle e coordenação motora).
Em geral, as crianças superdotadas não apresentam
estas características simultaneamente, nem mesmo com graus de habilidades
semelhantes. Um dos aspectos mais marcantes da superdotação relaciona-se ao seu
traço de heterogeneidade. Assim, algumas pessoas podem se destacar em uma área,
ou podem combinar várias – como, por exemplo, o humorista Jô Soares, que além
de exibir um pensamento criador, original e bem-humorado, também se revela na
área musical, tocando múltiplos instrumentos; no campo da linguagem, falando
vários idiomas e escrevendo livros e crônicas; e ainda no setor da liderança,
por seu carisma e capacidade de coordenar grupos. A essa confluência de habilidades
chamamos de multipotencialidades, que representa mais uma exceção do que uma
regra entre os indivíduos superdotados. O que se observa com maior freqüência
são crianças que se desenvolvem mais em uma área específica - como poesia,
ciências, artes, música, dança, ou mesmo nos esportes, do que em outras.
Joseph Renzulli, renomado pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa
sobre o Superdotado e Talentoso da Universidade de Connecticut, nos Estados
Unidos, considera que os comportamentos de superdotação
resultam de três conjuntos de traços, descritos a seguir: a) a habilidade acima
da média em alguma área do conhecimento (não necessariamente muito superior à
média), b) envolvimento com a tarefa (implica em motivação, vontade de realizar
alguma coisa, perseverança e concentração) c) criatividade (pensar em algo
diferente, ver novos significados e implicações, retirar idéias de um contexto
e usá-las em outro). Nem sempre a
criança apresenta este conjunto de traços desenvolvidos igualmente, mas, se lhe
forem dadas oportunidades, poderá desenvolver amplamente todo o seu potencial.
Quantos são os superdotados ?
Quando consideramos o grupo de superdotados/
portadores de altas habilidades apenas do ponto de vista psicométrico, ou seja,
a partir da utilização de testes de inteligência (o teste WISC de inteligência,
por exemplo, situa o QI médio em 100 pontos), estamos indicando apenas aqueles
talentos que se destacam por suas habilidades intelectuais ou acadêmicas – o
equivalente aos dois primeiros grupos da definição brasileira. Nesta
perspectiva, estima-se que 3% dos indivíduos de uma dada população sejam
superdotados. Porém, quando incluímos outros aspectos à avaliação de
superdotados, como por exemplo: liderança, criatividade, competências
psicomotoras e artísticas, as estatísticas sobre altas habilidades aumentam
significativamente, chegando a abarcar uma porcentagem de 15 a 30% da população.
De qualquer ponto em que se olhe, no entanto, podemos perceber como este grupo
tem sido mal identificado e trabalhado em nosso país. O Distrito Federal, por
exemplo, que tem um programa há mais de 20 anos para o atendimento da
superdotação, atende hoje 343 crianças no Plano Piloto e em seis cidades
satélites – um número ínfimo, considerando o número de crianças regularmente matriculadas
nas escolas públicas e particulares. Isto apenas demonstra o quanto este
assunto ainda é polêmico na nossa sociedade, ressaltando o desconhecimento do
tema por parte da comunidade, da escola e da família. São necessárias técnicas
mais apuradas de identificação, instrumentos mais amplos e precisos de
diagnóstico, e bons programas de desenvolvimento e estimulação do potencial
destas crianças para que possamos estabelecer políticas de aproveitamento de
talentos e competências em nosso país.
Como reconhecer se o seu filho é um superdotado.
Ellen Winner considera que crianças com alto QI
(academicamente superdotadas) podem apresentar, nos primeiros cinco anos de
vida, algumas características que podem vir a ser percebidas por pais atentos
ao seu desenvolvimento. Entre os primeiros sinais, ela destaca :
Maior tempo de atenção e vigilância, reconhecendo
seus cuidadores desde cedo ;
Preferência por novos arranjos visuais ;
Desenvolvimento físico precoce : sentar,
engatinhar e caminhar antes do normal ;
Linguagem adquirida mais cedo, rapidamente
progredindo para sentenças complexas ;
apresentando grande vocabulário e
estoque de conhecimento verbal ;
Super-reatividade: apresentam reações muito
intensas a ruídos, dor e frustração ;
Aprendizagem rápida, com instrução mínima
(pouca ajuda ou estímulo de adultos);
Curiosidade intelectual, com elaboração de
perguntas profundas e persistência até alcançar a informação desejada ;
Alta persistência e concentração, quando estão
interessadas em algo ;
Alto nível de energia, que pode levar à
hiperatividade, quando são insuficientemente estimuladas (às vezes necessitam
de menos horas de sono do que o normal para a idade) ;
Interesses quase obsessivos em áreas
específicas, a ponto de se tornarem especialistas nestes domínios.
Com relação às habilidades relacionadas à escola e aos
fatores sócio-emocionais, a autora destaca :
Apresentam leitura precoce (por volta dos
quatro anos ou antes), com instrução mínima ;
Fascínio por números e relações numéricas ;
Memória prodigiosa para informação verbal e/ou
matemática;
Destaque em raciocínio lógico e abstrato ;
Dificuldades com ortografia, uma vez que
pensam mais rápido do que conseguem escrever.
Freqüentemente brincam sozinhas e apreciam a
solidão (por não terem outras crianças de sua idade com o mesmo interesse, ou
por se sentirem diferentes) ;
Preferência por amigos mais velhos, próximos a
ela em idade mental ;
Interesse por problemas filosóficos, morais,
políticos e sociais – podem tornar-se sobrecarregadas por estas preocupações
precoces e desenvolverem posturas morais incomuns – como tornar-se vegetariana
por escolha própria.
Em decorrência de suas altas habilidades
verbais, apresentam alto senso de humor.
É importante notar que estas crianças não recebem
treinamento intensivo de seus pais
; muitas vezes os pais não são superdotados como elas e nem têm condições de
acompanhar o desenvolvimento acelerado que se segue. Estas crianças manipulam o ambiente em que vivem para dele extrair o
que necessitam, seja instrução extra, seja novos desafios ou simplesmente
respostas à sua infindável curiosidade. Pais atentos a estes
sinais devem encaminhar seus filhos ao psicólogo educacional, que fará uma
avaliação mais ampla e cuidadosa de outras características que também possam
evidenciar a existência de comportamentos de superdotação. Testes de QI, viáveis
a partir de 5 anos de idade, permitem uma indicação de habilidades acadêmicas,
mas pouco nos dizem a respeito da superdotação nas áreas de criatividade,
liderança, habilidades psicomotoras ou artísticas, que demandam testes
apropriados e uma visão multidimensional da superdotação.
Os pais devem sempre estimular a
criança, desenvolver sua imaginação, instigar sua curiosidade para que possam
desenvolver suas potencialidades ao máximo, oferecendo, acima de tudo,
compreensão e amor incondicionais, apoiando-a naquilo que a torna única,
diferente e, por tudo isso, especial.
Bibliografias que serviram para embasar este texto :
Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (1996). Lim:
características e desenvolvimento de uma criança com uma inteligência matemática
excepcional. Cadernos de Pesquisa – NEP, ano II, n. 1, pp. 01-11.
Virgolim, A. M. R. (2001, maio). A criança
superdotada em nosso meio: aceitando suas diferenças e estimulando seu
potencial. Escola de Pais do Brasil, Secção de Brasília, Maio, 08-10.
Gardner, H. (1999). Mentes extraordinárias. Trad. De Gilson B. Soares.
Rio de Janeiro: Rocco.
Virgolim, A. M. R. (2001, maio). A criança superdotada em nosso meio:
aceitando suas diferenças e estimulando seu potencial. Escola de Pais do
Brasil, Secção de Brasília, Maio, 08-10.
Renzulli, J. S. (1986). The three-ring
conception of giftedness: A developmental model for creative productivity. Em
R. J.
Sternberg,
& J. E. Davidson (Eds.), Conceptions of giftedness (pp.53-92). New York:
Cambridge University Press.
Virgolim,
A. M. R. (2001, maio). A
criança superdotada em nosso meio: aceitando suas diferenças e estimulando seu
potencial. Escola de Pais do Brasil, Secção de Brasília, Maio, 08-10.
Winner, E. (1998). Crianças superdotadas. Trad.: Sandra Costa. Porto
Alegre: Artmed
Virgolim, A. M. R. (2001, maio). A criança superdotada em nosso meio: aceitando suas
diferenças e estimulando seu potencial. Escola de Pais do Brasil, Secção de
Brasília, Maio, 08-10.
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