Superdotação, Asperger (TEA) e Dupla Excepcionalidade por Claudia Hakim

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sábado, 26 de maio de 2012

PARTE 6 GUENTHER, Z. (2009) Aceleração, ritmo de produção e trajetória escolar - Quem deve ser acelerado ?


PARTE 6



GUENTHER, Z. (2009) Aceleração, ritmo de produção e trajetória escolar - desenvolvendo o talento acadêmico, Rev. Educação Especial, vol 22, 35, p.281-298





Aceleração, ritmo de produção e trajetória escolar:
Desenvolvendo o talento acadêmico



 Zenita C Guenther, Ph.D




3 - Quem deve ser acelerado ?



Virtualmente todo o conhecimento teórico acima apresentado e discutido é relacionado ao estudo, avaliação e desenvolvimento do talento acadêmico. Na verdade a massa de estudos científicos com alunos dotados, apontando aceleração como a mais eficiente via de estimular e desenvolver esses alunos, é um testemunho de que a maioria do conhecimento acumulado em educação para alunos dotados e talentosos refere-se à dotação intelectual, onde se enraíza o talento acadêmico. Mesmo estudos investigando criatividade, em grande parte parecem estar tratando de um tipo de inteligência vista como capacidade de entender, conhecer, representar, expressar o mundo ao redor, em termos de pensamento não linear, ou espacial, sem a direção única do tipo- “começo, meio e fim”, utilizado na comunicação verbal.




E não se pode estranhar: o talento acadêmico é intimamente familiar à educação, porque caracteriza os “bons alunos”, os quais já há décadas se comprovou que serão “bons professores”.  Mesmo os bons alunos que se dedicam a outras profissões, em longo prazo tornam-se melhores professores que profissionais atuando na área escolhida, talvez porque desenvolveram na escola o seu “talento acadêmico” mais apropriadamente que a área de interesse profissional. Portanto, desenvolver intencionalmente o talento acadêmico nas escolas é uma das vias de se localizar futuros “bons professores”. O problema é que ser professor, atualmente, é uma profissão de baixo prestígio social, principalmente ao nível básico, e não atrai os alunos mais capazes e brilhantes. Mais tarde, geralmente, abraçam a educação atuando como professores universitários, são bons acadêmicos, e realizam, enfim, seu verdadeiro potencial.




Pode-se ainda especular que algum efeito dessa distorção educacional está à raiz da diferença entre nossos professores do nível básico, e superior, principalmente no sistema público: “ser professor” não atrai os jovens mais inteligentes e academicamente talentosos, que vão se formar em outras áreas; eles voltam a lecionar mais tarde, e preferem a universidade pública, onde encontram melhores condições de trabalho. Perpetua-se assim a situação de drenagem do talento acadêmico para o ensino superior, com pouco preparo pedagógico além do que foi adquirido pela identificação e convivência com bons professores, e nenhum talento é recrutado para o nível básico, a não ser ocasionalmente, brevemente, ou em inicio de carreira...




3.1 - Domínios de Capacidade



Para conceituar o talento acadêmico é útil dar uma vista sobre o que são, e como se colocam os domínios de capacidade humana, de onde talentos são desenvolvidos pela ação intencional exercida no meio-ambiente. Gagné identifica pelo menos quatro Domínios de Capacidade Natural (Gagné, 1994; 2003), derivados de funções cerebrais básicas, (Clark, 1984), que sinalizam áreas de aptidão, potencial e predisposições contidas no plano genético, expressas e desenvolvidas no ambiente de maneira informal, por variados canais de interesse, atividade e desempenho:




        I. Inteligência - capacidade intelectual enraizada na função cognitiva do cérebro, localizada no córtex frontal. Trata-se de um construto multi-dimensional que inclui habilidades e processos mentais complexos, tais como conhecer, entender, compreender, abstrair, apreender, representar, estabelecer relações, pensamento analítico e observação (indução, dedução, transposição), pensamento linear (verbal) e não linear (espacial). 




        II. Criatividade - uma expressão da função intuitiva do cérebro, provavelmente localizada no córtex pré-frontal, diferenciada de outras funções por ser “fora da razão”, sem ser propriamente “emoção. Associam-se à criatividade traços como originalidade de produção científica ou artística, pensamento holístico, intuição e pensamento intuitivo, originalidade em resolução de problemas, ser “diferente”, fora de “padrões”;  senso crítico e autocrítica, sensibilidade, perceptividade.




        III. Domínio sócio-emocional - com raízes na função afetiva localizada na base primitiva do cérebro, principalmente amídala, tálamo e sistema linfático, compreende áreas de capacidade para conviver em grupos e com grupos; apreciar convivência grupal e pluralística; encontrar caminhos para experiência de vida em comum satisfatória e aperfeiçoada, com segurança, estabilidade e maturidade emocional. Geralmente agrupa aptidões e traços associados: a) liderança, energia pessoal, persuasão; b) relações humanas, convivência, interação grupal.




        IV.  Domínio Sensório-motor – primordialmente uma função física do cérebro, sediada no aparelho sensorial externo, perceptual interno, e aparelho motor, expressa elevada capacidade na área sensorial (visual, auditiva, olfativa...) e Motora, (força, equilíbrio, ritmo, resistência, precisão de reflexos...), com notável controle da mente sobre funções do sistema muscular e ósseo.   
 



3.2 - O Talento Acadêmico




O talento acadêmico é uma via de expressão de dotação no domínio da inteligência. A noção de inteligência e capacidade intelectual inclui habilidades mentais cognitivas que podem ser desenvolvidas, tais como pensamento analítico, senso de observação (indução, dedução, transposição); pensamento verbal (linear) e/ ou espacial (não linear), estabelecimento de relações, memória, julgamento, meta-cognição... Aceleração é comprovadamente a forma mais efetiva de se desenvolver esse potencial em alunos que, no dia a dia escolar, sinalizam presença de capacidade intelectual expressa em talento acadêmico: facilidade e gosto por aprender, acumular, guardar, produzir conhecimento.




Nos últimos 20 anos nota-se um esforço entre pesquisadores da área para desvencilhar o conceito de inteligência da função cognitiva, avançando com outras diferenciações: Gardner, em 1983 desafia a noção de Fator G com suas “Inteligências Múltiplas”; Sternberg compõe em 1985 a Teoria Triárquica, (analítica, criativa e prática), porem ao aprofundar o conceito vai agregando outras dimensões e, em 2004, define inteligência superior e dotação como resultado da interação de quatro fatores: Wisdom (sabedoria), Inteligência, Criatividade e uma Síntese Pessoal dessas e outras características. Essa idéia não é nova entre nós, pois, Helena Antipoff, na década de 30 separa a inteligência civilizada (da escola) de inteligência prática (da vida), em 1946 afirma: “A inteligência, encarada no seu todo, não pode ser separada da personalidade total”; e em 1971, comentando os estudos de Terman: “Não há nenhuma prova contrária à existência de bem dotados no meio rural...” por implicação, nas classes desprivilegiadas social e culturalmente, hoje fato tacitamente aceito pela área. No caso do talento acadêmico, a conceituação básica permanece inalterada: em qualquer conceituação, talento acadêmico é uma expressão de inteligência como função cognitiva.




3.3 - Localizando e Reconhecendo Talento Acadêmico




Embora a escola tenha dificuldade em lidar com um conceito sustentável de “inteligência”, reconhece com relativa facilidade o tipo de produção mental denominado “talento acadêmico”, constituído por um conjunto de habilidades que favorecem o desempenho escolar, notavelmente nas áreas básicas da linguagem, e matemática. No dia a dia escolar, alunos de qualquer nível sinalizam talento acadêmico pelas seguintes características:




a. Desempenho Verbal – gosto e eficiência ao lidar com palavras; excelência na comunicação e uso da língua; precisão e riqueza de vocabulário e expressão verbal; avanço nas áreas da linguagem falada e escrita; sucesso em disciplinas e atividades escolares cujo manejo depende de pensamento linear e expressão verbal.




b. Pensamento Abstrato - facilidade para analisar, associar e configurar símbolos em conceitos; organização interna, concentração, persistência; raciocínio e lógica de pensamento; formação de conceitos a partir de fatos; estabelecimento de relações entre fatos, eventos e situações; identificação de causas em fenômenos observados; sucesso em áreas escolares cujo manejo privilegia o pensamento não linear, como ciências físicas, exatas e  matemáticas, bem como expressões figurativas, perspectiva, desenho técnico e arquitetônico.




Embora a área de capacidade mais eficientemente reconhecida pela escola seja, sem dúvida, a dotação intelectual, especificamente quando expressa em pensamento linear verbal, o mesmo não se pode dizer quanto a reconhecer inteligência nos alunos que não expressam sinais de talento verbal.




Assim sendo, a escola geralmente desenvolve menos o talento acadêmico expresso como facilidade em lidar com pensamento abstrato, não linear e espacial, a não ser por acaso, às vezes em áreas não acadêmicas, como artes visuais, construção, ou desenho técnico. Tal fato ajuda a compreender porque uma visível maioria de programas que se propõem a “desenvolver talentos” procura diretamente o “talento matemático” (veja p. ex. Stanley, (1983),  Benbow (2000),  Assoline (2003)).




Embora aceleração seja uma forma efetiva de se atender a todos os alunos com talento acadêmico, sejam verbais ou não, o processo de reconhecer e desenvolver capacidade natural e talentos não pode ser visto como uma decisão única determinada por uma medida, teste ou escala indicando de pronto “quem tem” ou “não tem” alguma característica. Ao contrário, é uma caminhada longa envolvendo muitas pessoas, muitas horas, e várias situações.




No Domínio da Inteligência, que é a área de capacidade humana mais estudada pela pesquisa, há consistência entre os autores sobre a existência de um elemento comum, acima e alem de atributos específicos, captável no desempenho do individuo como “pano de fundo” da organização perceptual interna (Combs, 1952). Esse Fator Geral reflete-se no funcionamento mental, primordialmente na maneira como o indivíduo se posiciona perante as situações vividas, pela expressão de seu quadro referencial e visão de mundo (Guenther, 1997).




Alem desse componente difuso e geral, os estudos focalizando a Inteligência indicam duas vias de expressão de capacidade captáveis em sala de aula, sinalizando alunos que provavelmente se beneficiariam da aceleração : Vivacidade mental – criança curiosa e viva, que questiona, interroga, pergunta; com boa linguagem e expressão verbal, senso de humor, boa memória, amplo fundo de conhecimento e informação; aprende, compreende, apreende por vários meios; Auto-motivação e confiança– criança com “cabeça própria”, geralmente mais calada, contemplativa, concentrada, enfrenta riscos com independência, persistência e compromisso com a tarefa; tem alta motivação interna, auto-confiança, responsabilidade, segurança, iniciativa e auto-direção. 

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