PARTE 6
GUENTHER, Z. (2009) Aceleração, ritmo de produção e trajetória escolar - desenvolvendo o
talento acadêmico, Rev. Educação Especial, vol 22, 35, p.281-298
Aceleração,
ritmo de produção e trajetória escolar:
Desenvolvendo
o talento acadêmico
Zenita C Guenther, Ph.D
3 - Quem deve ser acelerado ?
Virtualmente todo o conhecimento teórico acima apresentado e discutido
é relacionado ao estudo, avaliação e desenvolvimento do talento acadêmico. Na
verdade a massa de estudos científicos com alunos dotados, apontando aceleração
como a mais eficiente via de estimular e desenvolver esses alunos, é um
testemunho de que a maioria do conhecimento acumulado em educação para alunos dotados e talentosos refere-se à dotação
intelectual, onde se enraíza o talento acadêmico. Mesmo estudos
investigando criatividade, em grande parte parecem estar tratando de um tipo de
inteligência vista como capacidade de entender, conhecer, representar,
expressar o mundo ao redor, em termos de pensamento não linear, ou espacial,
sem a direção única do tipo- “começo, meio e fim”, utilizado na comunicação
verbal.
E não se pode estranhar: o talento acadêmico é intimamente familiar
à educação, porque caracteriza os “bons alunos”, os quais já há décadas se
comprovou que serão “bons professores”. Mesmo
os bons alunos que se dedicam a outras profissões, em longo prazo tornam-se
melhores professores que profissionais atuando na área escolhida, talvez porque
desenvolveram na escola o seu “talento acadêmico” mais apropriadamente que a
área de interesse profissional. Portanto, desenvolver intencionalmente o
talento acadêmico nas escolas é uma das vias de se localizar futuros “bons
professores”. O problema é que ser
professor, atualmente, é uma profissão de baixo prestígio social, principalmente
ao nível básico, e não atrai os alunos mais capazes e brilhantes. Mais tarde,
geralmente, abraçam a educação atuando como professores universitários, são
bons acadêmicos, e realizam, enfim, seu verdadeiro potencial.
Pode-se ainda especular que algum
efeito dessa distorção educacional está à raiz da diferença entre nossos professores
do nível básico, e superior, principalmente no sistema público: “ser professor”
não atrai os jovens mais inteligentes e academicamente talentosos, que vão se formar
em outras áreas; eles voltam a lecionar mais tarde, e preferem a universidade
pública, onde encontram melhores condições de trabalho. Perpetua-se assim a
situação de drenagem do talento acadêmico para o ensino superior, com pouco preparo
pedagógico além do que foi adquirido pela identificação e convivência com bons
professores, e nenhum talento é recrutado para o nível básico, a não ser
ocasionalmente, brevemente, ou em inicio de carreira...
3.1 - Domínios de Capacidade
Para conceituar o talento
acadêmico é útil dar uma vista sobre o que são, e como se colocam os domínios
de capacidade humana, de onde talentos são desenvolvidos pela ação
intencional exercida no meio-ambiente. Gagné
identifica pelo menos quatro Domínios de Capacidade Natural (Gagné,
1994; 2003), derivados de funções cerebrais básicas, (Clark, 1984), que
sinalizam áreas de aptidão, potencial e predisposições contidas no plano
genético, expressas e desenvolvidas no ambiente de maneira informal, por
variados canais de interesse, atividade e desempenho:
I. Inteligência - capacidade
intelectual enraizada na função cognitiva do cérebro,
localizada no córtex frontal. Trata-se de um construto multi-dimensional que inclui
habilidades e processos mentais complexos, tais como conhecer, entender,
compreender, abstrair, apreender, representar, estabelecer relações, pensamento
analítico e observação (indução, dedução, transposição), pensamento linear (verbal)
e não linear (espacial).
II. Criatividade - uma expressão da função
intuitiva do cérebro, provavelmente localizada no córtex pré-frontal,
diferenciada de outras funções por ser “fora
da razão”, sem ser propriamente “emoção”. Associam-se à criatividade traços como originalidade de produção científica ou
artística, pensamento holístico, intuição e pensamento intuitivo, originalidade
em resolução de problemas, ser “diferente”, fora de “padrões”; senso crítico e autocrítica, sensibilidade,
perceptividade.
III. Domínio sócio-emocional - com raízes na função afetiva localizada na base
primitiva do cérebro, principalmente amídala, tálamo e sistema linfático, compreende
áreas de capacidade para conviver em grupos e com grupos; apreciar convivência
grupal e pluralística; encontrar caminhos para experiência de vida em comum
satisfatória e aperfeiçoada, com segurança, estabilidade e maturidade
emocional. Geralmente agrupa aptidões e traços associados: a) liderança,
energia pessoal, persuasão; b) relações humanas, convivência, interação grupal.
IV. Domínio Sensório-motor – primordialmente uma função física do cérebro, sediada no
aparelho sensorial externo, perceptual interno, e aparelho motor, expressa
elevada capacidade na área sensorial (visual, auditiva, olfativa...) e Motora,
(força, equilíbrio, ritmo, resistência, precisão de reflexos...), com notável
controle da mente sobre funções do sistema muscular e ósseo.
3.2 - O Talento
Acadêmico
O talento acadêmico é uma via de expressão de dotação no
domínio da inteligência. A noção de inteligência
e capacidade intelectual inclui habilidades mentais cognitivas que podem
ser desenvolvidas, tais como pensamento analítico, senso de observação
(indução, dedução, transposição); pensamento verbal (linear) e/ ou espacial
(não linear), estabelecimento de relações, memória, julgamento, meta-cognição...
Aceleração é
comprovadamente a forma mais efetiva de se desenvolver esse potencial em alunos
que, no dia a dia escolar, sinalizam presença de capacidade intelectual
expressa em talento acadêmico: facilidade e gosto por
aprender, acumular, guardar, produzir conhecimento.
Nos últimos 20 anos nota-se um esforço entre pesquisadores
da área para desvencilhar o conceito de inteligência da função cognitiva, avançando com outras diferenciações: Gardner, em 1983
desafia a noção de Fator G com suas “Inteligências Múltiplas”; Sternberg
compõe em 1985 a Teoria Triárquica, (analítica, criativa e prática), porem ao
aprofundar o conceito vai agregando outras dimensões e, em 2004, define
inteligência superior e dotação como resultado da interação de quatro fatores: Wisdom (sabedoria), Inteligência, Criatividade e uma Síntese Pessoal dessas e outras características. Essa idéia não é
nova entre nós, pois, Helena Antipoff, na década de 30 separa a inteligência civilizada (da escola) de
inteligência prática (da vida), em 1946 afirma: “A inteligência,
encarada no seu todo, não pode ser separada da personalidade total”; e em 1971, comentando os estudos de
Terman: “Não há nenhuma prova contrária à existência de bem dotados no meio
rural...” por implicação, nas classes desprivilegiadas social e
culturalmente, hoje fato tacitamente aceito pela área. No caso do talento
acadêmico, a conceituação básica permanece inalterada: em qualquer conceituação,
talento acadêmico é uma expressão de inteligência como função cognitiva.
3.3 - Localizando e Reconhecendo Talento Acadêmico
Embora a escola tenha dificuldade em lidar com um conceito
sustentável de “inteligência”, reconhece com relativa facilidade o tipo de
produção mental denominado “talento
acadêmico”, constituído por um conjunto
de habilidades que favorecem o desempenho escolar, notavelmente nas áreas
básicas da linguagem, e matemática. No dia a dia escolar, alunos de qualquer
nível sinalizam talento acadêmico pelas seguintes características:
a.
Desempenho Verbal – gosto
e eficiência ao lidar com palavras; excelência na comunicação e uso da língua;
precisão e riqueza de vocabulário e expressão verbal; avanço nas áreas da
linguagem falada e escrita; sucesso em disciplinas e atividades escolares cujo
manejo depende de pensamento linear e expressão verbal.
b.
Pensamento Abstrato - facilidade
para analisar, associar e configurar símbolos em conceitos; organização
interna, concentração, persistência; raciocínio e lógica de pensamento;
formação de conceitos a partir de fatos; estabelecimento de relações entre
fatos, eventos e situações; identificação de causas em fenômenos observados;
sucesso em áreas escolares cujo manejo privilegia o pensamento não linear, como
ciências físicas, exatas e matemáticas,
bem como expressões figurativas, perspectiva, desenho técnico e arquitetônico.
Embora a área de capacidade mais
eficientemente reconhecida pela escola seja, sem dúvida, a dotação intelectual,
especificamente quando expressa em pensamento linear verbal, o mesmo não se pode dizer
quanto a reconhecer inteligência nos alunos que não expressam sinais de talento
verbal.
Assim sendo, a escola geralmente desenvolve
menos o talento acadêmico expresso como facilidade em lidar com pensamento
abstrato, não linear e espacial, a não ser por acaso, às vezes em áreas não
acadêmicas, como artes visuais, construção, ou desenho técnico. Tal fato ajuda
a compreender porque uma visível maioria de programas que se propõem a
“desenvolver talentos” procura diretamente o “talento matemático” (veja p. ex. Stanley,
(1983), Benbow (2000), Assoline (2003)).
Embora aceleração seja uma forma
efetiva de se atender a todos os alunos com talento acadêmico, sejam verbais ou
não, o processo de reconhecer e desenvolver capacidade natural e talentos não pode
ser visto como uma decisão única determinada por uma medida, teste ou escala
indicando de pronto “quem tem” ou “não tem” alguma característica. Ao
contrário, é uma caminhada longa envolvendo muitas pessoas, muitas horas, e
várias situações.
No Domínio da Inteligência, que é a área de capacidade
humana mais estudada pela pesquisa, há consistência entre os autores sobre a
existência de um elemento comum, acima e alem de atributos específicos, captável
no desempenho do individuo como “pano de fundo” da organização perceptual
interna (Combs, 1952). Esse Fator Geral reflete-se no funcionamento mental,
primordialmente na maneira como o indivíduo se posiciona perante as situações
vividas, pela expressão de seu quadro referencial e visão de mundo (Guenther,
1997).
Alem desse componente difuso e geral, os estudos focalizando a
Inteligência indicam duas vias de expressão de capacidade captáveis em sala
de aula, sinalizando alunos que provavelmente se beneficiariam da aceleração : Vivacidade mental –
criança curiosa e viva, que questiona, interroga, pergunta; com boa linguagem e
expressão verbal, senso de humor, boa memória, amplo fundo de conhecimento e
informação; aprende, compreende, apreende por vários meios; Auto-motivação
e confiança– criança com “cabeça própria”, geralmente mais calada, contemplativa,
concentrada, enfrenta riscos com independência, persistência e compromisso com
a tarefa; tem alta motivação interna, auto-confiança, responsabilidade,
segurança, iniciativa e auto-direção.
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