Edição 154 - Mai/04
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Cada vez + inteligentes?
Edição 154 - Mai/04
Você já fez um teste para medir sua
inteligência? Muita gente foge dessas avaliações por temer comparações
desagradáveis. Aqui vai uma bem agradável: se você, como 85% da população,
possui uma inteligência mediana, estaria incluído no seletíssimo grupo das
pessoas de alto QI se tivesse vivido 80 anos atrás. Ou seja, as mesmas
habilidades intelectuais que possuem hoje um homem ou uma mulher comuns seriam
suficientes para garantir-lhes altas notas num teste de inteligência realizado
no Brasil da década de 1920. O nome desse fenômeno é efeito Flynn, e há mais de
duas décadas desafia os psicólogos a encontrar uma explicação.
Em 1987 o cientista político
neozelandês James Flynn publicou um estudo comparando notas de testes de QI
aplicados em 14 países ao longo do século 20. Os resultados eram
impressionantes, pois mostravam um ganho médio de 10 pontos de QI a cada
geração. Hoje já há dados para 25 países e todos confirmam a ocorrência de alta
nos resultados dos testes. Acredita-se que essa tendência é recente e teria
começado a partir do processo de industrialização. Em vez de soltar rojões,
porém, os cientistas se vêem com questões difíceis para responder. Que fatores
estão causando este crescimento? Ele pode significar algo para o futuro da
humanidade? E a mais importante delas: o que realmente é a inteligência, e o
que significa ser mais inteligente?
De cara, é preciso saber que o
efeito Flynn ainda desperta certa polêmica. Alguns psicólogos acham que a
elevação dos índices de QI não tem nada a ver com inteligência. A causa estaria
na popularização dos testes.
Esses céticos argumentam que quando
esse tipo de teste começou a ser aplicado, no começo do século 20, a maior
parte dos avaliados nunca tinha feito algo parecido. Naquela época, a média da
avaliação (que é o que chamamos de QI) não tinha o status que tem hoje, e
muitos não se empenhavam em responder às questões da melhor forma possível.
Agora, quem passa por um teste se
esforça ao máximo para evitar o estigma de uma nota baixa. Numa sociedade
acostumada a concursos concorridos como a nossa, é natural que os alunos de
hoje conheçam certos truques que ajudam a melhorar a performance em qualquer
prova. E até o formato das questões deixou de ser novidade e pode ser
encontrado em livros, revistas e sites. "Já vi versões adaptadas de testes
de inteligência até nas bandejas do McDonald's e no programa do Ratinho",
diz o neuropsicólogo Daniel Fuentes, que trabalha no Hospital das Clínicas de
São Paulo e é psicólogo-supervisor da Mensa, uma associação mundial de pessoas
de alto QI.
Ele conta que no próprio HC observou
um episódio que poderia explicar o efeito Flynn. Durante anos, os psicólogos do
hospital recorriam a um teste de inteligência americano para realizar pesquisas
com funcionários do hospital. Recentemente, porém, foi desenvolvida uma versão
do teste adaptada para a população brasileira. Com a nova versão a nota média
dos funcionários do HC subiu de 100 para 110 pontos. "Acho que a nova
versão reflete melhor o desempenho intelectual dos avaliados, por ser mais
adaptada ao perfil do brasileiro", diz Fuentes, "mas não acredito que
o potencial intelectual da população do HC esteja aumentando, nem o da
humanidade ".
A maior parte dos estudiosos, porém,
discorda. Num livro clássico sobre o assunto intitulado "The Rising
Curve" (A Curva Ascendente), o alemão Ulric Neisser diz que "quando
uma pessoa é submetida várias vezes a um mesmo teste de inteligência, a melhora
na performance costuma ser em média de apenas 5 ou 6 pontos, algo bem inferior
aos 20 encontrados na Holanda ou aos quase 30 na Inglaterra". Além disso,
a idéia da popularização das questões parece sugerir que de alguma forma o
aluno já tem alguma noção do conteúdo das questões antes de ser avaliado. Mas
os maiores aumentos foram registrados precisamente nos testes que medem o
pensamento abstrato, menos dependente de conhecimento prévio.
Muitas inteligências ou uma só?
A psicologia sabe há mais de um
século que o pensamento humano pode realizar diferentes tarefas. Existe o
raciocínio numérico, o verbal, o abstrato, o espacial etc. Cada teste de
inteligência é na verdade um conjunto de subtestes diferentes, que avaliam
todas as habilidades. Acontece que quanto melhor uma pessoa se sai num subteste
- digamos, o de raciocínio numérico -, maior é a chance de que tenha um bom
desempenho nos demais. Em 1904 o britânico Charles Spearman sugeriu que
"algo" na mente das pessoas deve explicar a tendência a se ter maior
ou menor facilidade nas tarefas que envolvam raciocínio. A esse
"algo" chamou de fator geral, ou simplesmente fator g. O fator g
seria uma espécie de "essência da inteligência" , uma capacidade em
boa parte inata que se expressaria em diferentes atividades.
Muitos estudiosos estão tentando
provar que é justamente o tal fator g que os testes de QI medem, ainda que de
forma indireta. Experimentos mostram que pessoas com QI alto têm reflexos mais
rápidos, tomam decisões em menos tempo e seus cérebros gastam menos energia
para solucionar problemas.
Um estudo da socióloga americana
Linda Gottfredson comparando pessoas com QI abaixo de 70 e acima de 130 mostrou
que as mulheres abaixo de 70 têm quatro vezes mais chances de terem filhos
ilegítimos e oito vezes mais chances de se tornarem dependentes do seguro
desemprego. Os homens da mesma faixa mostraram maior tendência ao desemprego e,
de maneira geral, as pessoas de QI mais baixo têm chances muito maiores de
abandonarem a escola, se divorciarem, serem presas e viverem na pobreza.
Estudos envolvendo QI e comportamento beneficiam os portadores das médias mais
altas em mais de 60 itens, incluindo rendimentos financeiros, cargos de chefia,
envolvimento em acidentes de trânsito etc.
É tentador agrupar todos esses
elementos numa equação cheia de esperança: a nossa inteligência é expressada
pelo nosso QI, e quanto maior o QI maiores as chances de que uma pessoa venha a
ter uma vida mais feliz. Como o efeito Flynn mostra que o nosso QI está
aumentando, a humanidade finalmente parece estar caminhando para um futuro
melhor, a despeito de todas as dificuldades que vive agora.
Curiosamente o próprio James Flynn
não concorda. Em artigo inédito a que GALILEU teve acesso, ele ataca a idéia de
que o QI expresse a tal essência da inteligência. Flynn argumenta que se
submetêssemos a população de uma cidade americana da década de 1920 a um teste
segundo os padrões atuais, 45% das pessoas marcaria menos de 75 pontos, um
valor muito baixo. "Se o QI de uma pessoa corresponde a sua inteligência,
teríamos que concluir que metade das pessoas que viveram nos EUA no início do
século eram retardadas", ataca. Como isso não parece provável, o
neozelandês sugere que o QI avalia apenas algumas habilidades da nossa mente.
"E não necessariamente as mais importantes", fulmina.
A polêmica dos primogênitos
Uma das mais surpreendentes linhas de
pesquisa em inteligência é a que sugere que filhos primogênitos possuiriam
maior capacidade intelectual. Os estudos começaram ainda no século 19 quando o
britânico Francis Galton estudou a vida de 180 famosos cientistas e descobriu
que 48% deles eram primogênitos ou filhos únicos. Levantamentos feitos no
século 20 mostraram que os primogênitos eram encontrados em grande número entre
ganhadores do prêmio Nobel. E um estudo feito com 314 grandes personalidades do
século passado mostrou que 46% deles eram também os primeiros herdeiros da
família.
Os resultados levaram os estudiosos
a concluir que o tamanho da família influenciaria negativamente no QI das
pessoas. Quanto maior o número de crianças, menor o QI médio. Ambas as teorias
levaram uma ducha de água fria em 2000, quando um estudo americano que avaliou
11 mil jovens não encontrou nenhuma evidência entre ordem de nascimento e
desenvolvimento de QI. Quanto à questão do tamanho da família, o que os dados
sugerem é que pessoas com QI mais alto tendem a optar por um número menor de
filhos. Mas o debate ainda não cessou.
Os argumentos de Flynn vão ao
encontro de algumas teorias surgidas nos anos 1990, que destacam o caráter
múltiplo da inteligência. Uma das mais difundidas é o chamado modelo CHC (veja
box). O CHC reconhece a existência de dez capacidades mentais diferentes, e
descreve o funcionamento do nosso pensamento com termos que parecem saídos da
informática, como velocidade de processamento e capacidade de acesso à memória
de longo prazo.
Dieta boa para o cérebro
"Por esse modelo, o que estaria
crescendo é a chamada inteligência fluida, que é a responsável pelo raciocínio
abstrato e a solução de problemas novos", explica o psicólogo Ricardo
Primi, do Laboratório de Avaliação psicológica da universidade São Francisco,
no Estado de São Paulo. Quando se adota essa visão segmentada do mecanismo
cognitivo, o crescimento do QI pode ser entendido de outra forma. Estaríamos
ficando mais competentes para executar tarefas específicas, e não mais
inteligentes no sentido global da palavra. "Dessa melhora localizada podem
vir coisas boas, mas não numa escala tão vasta quanto pode parecer a
princípio", diz Primi.
Falta entender as causas desse
crescimento. Muitos estudiosos relacionam os avanços feitos em áreas como
saúde, educação e, principalmente, alimentação como fatores importantes.
"A melhora da alimentação é uma das causas do efeito Flynn", diz o
espanhol Roberto Colom, da Universidade Autônoma de Madrid. Ele cita pesquisas
feitas na Espanha que sugerem que os maiores beneficiados pelo crescimento de
QI são as pessoas situadas nos estratos sociais mais baixos, as quais,
tradicionalmente, têm uma alimentação menos nutritiva. Outro exemplo é uma
pesquisa feita no ano passado pela Universidade da Califórnia entre 537
crianças da zona rural do Quênia. Os americanos detectaram um aumento de 11
pontos de QI em apenas 14 anos, e creditaram o salto principalmente "à
melhora na saúde causada pela elevação no consumo de proteínas".
Mas tem de haver outras razões.
Afinal os QIs continuam subindo mesmo em países como a Holanda, que apresenta
ótimos indicadores sociais há décadas. Para Neisser, uma das possíveis causas
seria a crescente presença de imagens em nossa sociedade. Ele ressalta que cada
geração do século 20 viu popularizar-se uma nova maneira de difusão visual,
numa trajetória que inclui a fotografia, o cinema, a televisão, os videogames e
chega aos PCs. Isso possibilitaria que, em cada geração, as crianças
perfeiçoassem certas habilidades mentais de análise, embora não esteja
exatamente claro como isso aconteceria.
O psicólogo pernambucano Bruno de
Souza tentou compreender essa ligação em seu doutorado recém-concluído na UFPE.
Partindo da análise de milhares de questionários preenchidos por médicos e
estudantes de segundo grau de todo o país, ele procurou avaliar de que forma a
interação com as tecnologias da informação pode estar mudando a maneira como as
pessoas pensam. De Souza concluiu que quanto maior a intimidade de uma pessoa
com computadores e internet, maior a chance de que ela incorpore ao seu jeito
de pensar alguns elementos dessas tecnologias. Entre essas características
estão o raciocínio lógico matemático e a preferência pelo pensamento através de
imagens mentais.
QI nacional
Veja quais são as estimativas para
as médias de 15 nações :
Japão 105
Itália 102
Suécia 101
Reino Unido 100
EUA 98
Dinamarca 98
França 98
Austrália 98
Canadá 97
Argentina 96
Chile 93
México 87
Brasil 87
Cuba 85
Zimbábue 66
Marylin uma mente no livro dos
recordes
Quem é a pessoa mais inteligente do
mundo? Durante algum tempo esse título pertenceu informalmente à americana
Marilyn Vos Savant. Ela chegou a figurar no livro "Guiness" como dona
do recorde mundial em QI: 228 pontos, medidos quando ela tinha 10 anos. Avaliações
posteriores reduziram esse valor para 180, mas isso não impediu que ela se
tornasse famosa. Ela possui uma coluna na revista americana "Parade"
intitulada "Pergunte a Marilyn", onde responde a todo tipo de
pergunta científica.
A coluna volta e meia publica
algumas explicações pouco completas ou mesmo incorretas. Essas derrapadas são
impiedosamente apontadas e comentadas na internet por vigilantes leitores,
determinados a provar que QI alto não garante infalibilidade.
Enquanto Marilyn convive com as
dificuldades da fama, um novo prodígio vem atraindo a atenção da mídia
americana: o garoto Sho Yano, que ano passado começou a estudar medicina na
universidade de Chicago, apesar de ter apenas 12 anos.
A democratização do QI
Flynn defende outra explicação, que
ilustra com a seguinte historinha: ao longo do século 20 o basquete tornou-se
um esporte de massa nos EUA. Essa difusão elevou o nível técnico exigido dos
jovens que queriam se profissionalizar. Para se destacar, alguns poucos
aprenderam a arremessar bem com ambas as mãos. Na geração seguinte todos os
jogadores sabiam arremessar bem com as duas mãos. Os que quiseram se destacar
aprenderam a fazer passes com as duas mãos. Com o tempo, passar com as duas
mãos passou a ser a norma, e não mais a exceção, e o processo segue até hoje.
Transportando esse modelo para as
atividades mentais, o que vemos é que cada geração deve enfrentar cobranças
intelectuais maiores do que as anteriores. É o caso das crianças que se vêem
desafiadas a aprender a usar computadores e internet, desafios que não
existiram durante a infância de seus pais. Há duas décadas, um diploma
universitário era garantia de emprego. Hoje o Brasil bate recordes na formação
de doutores com menos de 30 anos, e isso não garante trabalho para ninguém. O
raciocínio de Flynn sugere que nosso QI está subindo para lidar com uma vida
cada vez mais complexa.
Carmen Mendoza, pesquisadora da
UFMG, vê esse processo de forma positiva. Organizadora (junto com Colom) do
livro do qual faz parte o artigo inédito de Flynn citado acima, ela é pioneira
nos estudos dessa área no Brasil. Carmen documentou um caso em que alunos de
escolas públicas de Minas Gerais avaliados em 2002 alcançaram os mesmos índices
de inteligência dos estudantes de escolas particulares de São Paulo registrados
em 1987.
Ela cita também um estudo espanhol
que mostra que enquanto o QI médio dos universitários daquele país subiu 6
pontos nas últimas décadas, o da população com escolaridade menor cresceu 19
pontos. "As pessoas mais despreparadas para viver numa sociedade complexa
foram as que tiveram maior ganho intelectual", analisa Carmen. "O
efeito Flynn não tem a ver com genialidade, mas com o crescimento democrático
da inteligência", diz. Sob esse ponto de vista, o mundo talvez esteja mesmo
ficando melhor.
Para navegar
• Mensa Brasil www.mensa.com.br
Para
ler
•
"The Rising Curve", Ulric Neisser. American Psychological Association. 1998
• "Introdução à Psicologia das
Diferenças Individuais", Carmen Mendoza e Roberto Colom (org.). Artmed.
2004
Multiaplicativo
As 10 facetas da inteligência
INTELIGÊNCIA FLUIDA
Capacidade ligada às operações
mentais de raciocínio em situações novas, sem depender de conhecimentos
anteriores. Um detetive que tenta juntar as pistas para solucionar um crime,
por exemplo, está usando sua inteligência fluida.
INTELIGÊNCIA CRISTALIZADA
É a inteligência que desenvolvemos
pelo estudo e pela educação. Quem já resolveu um problema várias vezes, por
exemplo, só precisa recorrer a essa capacidade para repetir a tarefa. Baseia-se
principalmente na linguagem.
CONHECIMENTO QUANTITATIVO
Ligada às matemáticas, é a
habilidade de usar informação quantitativa e manipular símbolos numéricos.
LEITURA E ESCRITA
Determina a competência para a
expressão verbal e escrita, bem como para interpretar textos. Professores de
humanidades como história e literatura são um ótimo exemplo.
MEMÓRIA DE CURTO PRAZO
Habilidade associada à manutenção de
informações na consciência por um curto espaço de tempo para poder recuperá-las
logo em seguida.
PROCESSAMENTO VISUAL
Envolve gerar, perceber, armazenar,
analisar, e transformar imagens visuais. É a mais desenvolvida tanto por
profissões artísticas, como pintura e designers, como em atividades que
envolvem também algum pensamento matemático.
PROCESSAMENTO AUDITIVO
Determina a percepção, análise e
síntese de padrões sonoros. Quando um bebê começa a tentar entender as
palavras, decompondo-as em fonemas e repetindo-as, está começando a exercitar
essa capacidade.
ARMAZENAMENTO E RECUPERAÇÃO DA
MEMÓRIA DE LONGO PRAZO
Fluência com que acessamos a
informação guardada em nossa memória de longo prazo, por meio de associações. A
capacidade de realizar novas associações entre informações é a chave para o
pensamento criativo. Esta habilidade também é chamada de "domínio da
produção de idéias".
VELOCIDADE DE PROCESSAMENTO
Capacidade de manter a atenção e
realizar rapidamente tarefas simples automatizadas em situações que pressionam
o foco da atenção.
RAPIDEZ DE DECISÃO
Velocidade para reagir ou tomar
decisões envolvendo processamentos mais complexos.
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O blog traz artigos e informações por uma advogada Especialista em Direito Educacional, Pós-Graduada em Neurociência, Psicologia Aplicada. É palestrante, professora e autora de livros e artigos sobre estes temas. Sócia Fundadora do Instituto 2e. Autora dos Livros: Superdotação e Dupla Excepcionalidade. Ed. Juruá. Como lidar com as Altas Habilidades/Superdotação. Ed. Hogrefe. E-book: Formas de Atendimento e a legislação aplicável aos alunos com Superdotação e a Dupla Excepcionalidade". Eduzz
Superdotação, Asperger (TEA) e Dupla Excepcionalidade por Claudia Hakim
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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014
Cada vez + inteligentes? Efeito Flynn
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