Extraído do site : http://www.eagora.org.br/arquivo/depois-de-4-anos-a-escola-nao-recupera-mais
Depois de 4 anos, a
escola não recupera mais
Aloísio Araújo, entrevista a O
Globo, 13/12/09
ENTREVISTA
Aloísio Araújo
O economista, professor e
pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) Aloísio Araújo defende
investimentos na educação infantil, especialmente nos primeiros anos de vida,
quando se forma o cérebro das crianças.
O motivo é simples : meninos e
meninas que recebem mais estímulos cognitivos até os 4 anos de idade chegam à
escola em melhores condições de aprender. O inverso também é verdadeiro e,
segundo ele, explica o fosso que separa estudantes brasileiros antes mesmo de
pisarem na sala de aula.
Araújo está à frente de um
seminário internacional que vai discutir o assunto na quinta e sexta-feira, na
FGV do Rio, com a presença de nove pesquisadores estrangeiros, um deles James
Heckman, que ganhou o prêmio Nobel de Economia em 2000. A seguir, os principais
trechos da entrevista
Demétrio Weber
O GLOBO: Por que o senhor considera a educação infantil tão importante?
ALOÍSIO ARAÚJO: Do ponto de vista
de neurociência, porque o cérebro se forma muito cedo. Então, se a criança não
recebe certos estímulos nessa fase em que se estabelecem certas conexões
neuronais, ela dificilmente vai recuperar isso depois.
Através de medições e imagens mais modernas, fica claro que é difícil que essa criança atinja o mesmo nível de uma outra que foi submetida aos estímulos adequados.
Que tipo de
estímulos?
ARAÚJO: A criança que vem de
um lar em que os pais são educados, leem em voz alta, dão estímulos lógicos e
usam um vocabulário amplo, está muito mais preparada quando chega à escola do
que uma criança que tem os pais analfabetos, poucos recursos em casa, não tem
jogos, brinquedos. Isso é medido num trabalho do (James) Heckman e do
Flávio Cunha: com 1 ano de idade, as diferenças são muito pequenas. Aos 4 anos,
muito grandes, dependendo do nível de renda.
A escola consegue
reverter essa diferença mais tarde ?
ARAÚJO: Depois dos 4 anos,
o sistema educacional não recupera mais. As diferenças que
existem por educação da mãe ou faixa de renda não são mais reversíveis.
O senhor está
falando de estímulos, então, que teriam que ser dados nas creches.
ARAÚJO: Não necessariamente todo
mundo vai à creche. Isso pode ser feito dentro de casa também. Se esses
estímulos são feitos dentro de casa, por uma mãe que dedica muitas horas à
criança, pais que leem em voz alta, se há muitos brinquedos que estimulam o
desenvolvimento cerebral, essa criança se prepara melhor e já chega à escola em
condições muito mais favorecidas. Se não se fizer essa intervenção mais cedo,
as diferenças não diminuem.
Como isso afeta o
Brasil ?
ARAÚJO: O Brasil tem um número
muito grande de crianças que vêm de famílias com baixa escolarização da mãe,
dos pais em geral, e com baixo nível de renda. A mãe é mais relevante,
porque geralmente passa mais horas com as crianças. Então, fica muito
difícil para o sistema escolar recuperar essa defasagem depois. Esse é o
desafio maior no Brasil. Um país como o nosso deve dar mais atenção a essas
intervenções precoces.
Essa faixa etária
antecede o período escolar. Como se faz isso, já que muitas dessas crianças não
estão na creche por opção dos pais ?
ARAÚJO: Esse é o desafio. Essas
observações valem para crianças também de 4, 5 anos. Porque não tem uma idade
precisa até ali. Depois de sete, oito anos, já começa a ficar muito tardio. Um
dos objetivos do seminário é dizer que temos que pesquisar para saber como
fazer essas intervenções da forma mais adequada possível.
Numa idade tão
precoce, então, não basta melhorar a escola. É preciso chegar à família.
ARAÚJO: Exatamente. Tem várias
técnicas, várias propostas diferentes. Alguns especialistas, como o professor
Heckman, fazem experiências para ver qual a idade, quantas horas, se você deixa
a criança em casa e vai uma pessoa na casa ou se você leva a criança algumas
horas por dia num centro, enfim, qual o método mais adequado. Um dos palestrantes
vai falar que se deve estimular mais o sentimento, o que os economistas chamam
de habilidades não cognitivas: a perseverança, a disciplina.
Ou se é o caso de se estimular
mais a descoberta, a inteligência, a criatividade. São várias experiências
feitas isoladamente nos EUA com crianças em idade muito precoce e que foram
acompanhadas ao longo de décadas.
É preciso dizer:
não existem fórmulas prontas para a intervenção precoce. Combater a pobreza
ajuda a melhorar a educação ?
ARAÚJO: Sim, mas combater a
pobreza é um método muito indireto, que toma mais tempo.
Acho que deve haver programas
mais imediatos. Porque o fator chave (no caso da pobreza) é o nível de
escolarização dos pais e você tem que olhar as crianças que estão ali.
O senhor daria um
exemplo ?
ARAÚJO: Um exemplo é Cuba, que
tem uma intervenção muito precoce. Um dos palestrantes vai falar que o
investimento infantil em Cuba é muito maior do que no resto da América Latina.
E (o país) tem uma performance
muito melhor. É difícil estabelecer uma relação direta, mas a performance de
Cuba nesses testes internacionais é do nível da OCDE (Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico), acima da América Latina. Uma das
possíveis explicações seria essa: que existem investimentos educacionais
semelhantes para a faixa depois dos 7 anos, mas, na faixa anterior, o
investimento de Cuba é muito maior. Outro exemplo é os Estados Unidos, que têm
experiências isoladas.
O Congresso acaba
de aprovar a obrigatoriedade do ensino dos 4 aos 17 anos. No ano que vem, já
será a partir dos 6 para todas as crianças. O senhor acha que a creche também
deveria ser obrigatória ?
ARAÚJO: Não. Talvez só para quem
recebe o Bolsa Família.
Isso exigiria a
ampliação de vagas nas creches públicas.
ARAÚJO: Acho que deve existir a
disponibilidade para famílias de alto risco. Porque está provado que a
escolarização da mãe está muito associada à renda.
Tem também um lado psicológico.
Se você tira a criança do convívio da mãe, pode criar problemas.
Tem que respeitar o convívio com
a mãe, a emotividade, a afetividade com a mãe. Tirar totalmente e tentar educar
só o cérebro não funciona. Tem que haver um equilíbrio.
Crianças que chegam
à escola aos 7 anos com defasagem são capazes de aprender, concluir a educação
básica e ir para a universidade ?
ARAÚJO: Pode ter exemplos de
crianças nessas condições que chegaram até o doutorado. Mas, na média, fica
muito mais difícil. É quase improvável que essa criança evolua.
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