Superdotação, Asperger (TEA) e Dupla Excepcionalidade por Claudia Hakim

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segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A atenção ao aluno que se destaca por um Potencial Superior (Parte 1)


Extraído do site : http://coralx.ufsm.br/revce/ceesp/2006/01/a4.htm


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Eunice M. L. Soriano de Alencar
Denise de Souza Fleith




Observa-se, em diversos países, inclusive o Brasil, um interesse crescente em atender às necessidades educacionais e psicológicas de alunos que apresentam um potencial superior. Entretanto, diversos obstáculos se interpõem na implementação de programas e serviços para esta clientela. Este artigo, portanto, discute a importância de se investir na educação do superdotado e apresenta as principais barreiras ao desenvolvimento de práticas educacionais voltadas para os alunos com potencial superior. Além disso, este trabalho analisa o cenário da educação do aluno superdotado e talentoso no Brasil e examina as tendências atuais em relação ao atendimento a este grupo de alunos no cenário internacional.




A Atenção ao Aluno que se Destaca por um Potencial Superior



Observa-se, no cenário internacional, um interesse crescente em atender de forma diferenciada os alunos que se destacam por um desempenho acadêmico ou potencial intelectual superior. Em países de distintos continentes, propostas educacionais vêm sendo implementadas, paralelamente à disseminação de informações relevantes a respeito de altas habilidades e condições que favorecem o seu reconhecimento, desenvolvimento e expressão. As propostas, em prática, refletem políticas educacionais que oferecem orientações para a ação, proporcionando o apoio à educação do superdotado.



Entre os fatores que têm contribuído para uma atenção crescente ao aluno que se destaca por um potencial superior, poder-se-ia citar o reconhecimento que vem ocorrendo em distintos países, tanto do oriente quanto do ocidente, das vantagens para a sociedade que possibilita aos estudantes mais capazes e talentosos a realização de suas potencialidades. Wu (2000), por exemplo, destaca que o interesse por esta área em Taiwan surgiu do reconhecimento de que uma ilha com poucos recursos naturais, como é o caso daquele país, necessita desenvolver de forma intensa os seus recursos humanos e, entre estes devem receber atenção diferenciada aqueles alunos que se sobressaem pelo potencial intelectual superior, com maiores chances de contribuir para o desenvolvimento daquele país. Também Gallagher (2000), ao justificar o interesse continuado pela educação do superdotado nos Estados Unidos, faz referência a um documento do Departamento de Estado desse país – America 2000 – no qual é apontada a necessidade de um largo contingente de indivíduos altamente talentosos, para que os Estados Unidos possam manter a sua liderança na indústria, educação superior, ciências, entre outras áreas, no presente século. Recentemente foi criada, na Inglaterra, com amplo apoio governamental, a Academia Nacional para Jovens Superdotados e Talentosos com objetivo de fornecer serviços para alunos superdotados, treinamento e orientação a professores, bem como desenvolver pesquisas na área. Segundo a diretora da Academia, professora Deborah Eyre (2004), “Os alunos superdotados de hoje são os líderes culturais, econômicos, intelectuais e sociais de amanhã e seu desenvolvimento não pode ser deixado ao acaso”. O governo inglês, consciente da importância de se investir na educação destes alunos, tem encorajado, em todas as escolas do país, a implementação de estratégias educacionais que contemplem o aluno superdotado e talentoso em uma perspectiva inclusiva (Campbell, Eyre, Muijs, Neelands & Robinson, 2005).



Um outro fator que tem também contribuído de forma significativa para ampliar o interesse pelo superdotado é a maior comunicação entre educadores e especialistas de diferentes países, que vêm se organizando em distintas associações, como o Conselho Mundial para Crianças Superdotadas e Talentosas, o Conselho Europeu para Alta Habilidade, a Associação Nacional para Crianças Superdotadas, nos Estados Unidos, a Associação Nacional em Educação para Crianças Habilidosas, na Inglaterra, e, no Brasil, o Conselho Brasileiro para Superdotação, criado em 2003. Esses conselhos vêm desempenhando o papel fundamental de alertar as autoridades educacionais da necessidade de políticas direcionadas à educação do superdotado, além de contribuir em programas de formação de professores e para a ampliação de possibilidades de atenção diferenciada ao aluno que se destaca por um potencial superior.




A Atenção ao Superdotado no Brasil



No Brasil, os superdotados constituem um grupo que é pouco compreendido e negligenciado. Há poucos programas direcionados para atender suas necessidades e favorecer o seu desenvolvimento. Da mesma forma que a instituição escolar não está devidamente preparada para maximizar o potencial de aprendizagem e adaptabilidade de alunos que apresentam um atraso no seu desenvolvimento, o mesmo ocorre em relação àqueles que se destacam por um potencial superior, que apresentam inteligência ou criatividade excepcionalmente elevadas. Observa-se inclusive resistência à implementação de um atendimento diferenciado ao superdotado, fruto de uma série de idéias falsas sobre o mesmo.



Uma dessas idéias é a supervalorização de fatores genéticos, colocando-se em segundo plano o papel do ambiente para o desenvolvimento de habilidades e competências. Tal idéia seria responsável pela consideração do superdotado como um privilegiado, que apresentaria recursos intelectuais inatos superiores, considerando-se injusto e antidemocrático oferecer-lhe mais privilégios sob a forma de participação em programas educacionais especiais, nos quais os demais alunos seriam excluídos. Observa-se também resistência a propostas de implementação de programas especiais para o superdotado, com o argumento de que seria um absurdo investir nesta área, quando se tem um contingente significativo de analfabetos e portadores de necessidades educacionais especiais, nas áreas visual, auditiva ou física, que permanecem sem um atendimento especializado.



Uma crença bastante difundida em nossa sociedade é a de que superdotação é um fenômeno raro, sendo muitas vezes associado à genialidade. Por isso, é comum encontrarmos em reportagens na televisão ou jornais a denominação, inadequada, de “geniozinho” à criança superdotada. Estudiosos da área (Alencar & Fleith, 2001; Passow, 1981) chamam a atenção para a existência de um continuum em termos de habilidades e talentos; o gênio seria aquele indivíduo que apresenta uma contribuição original e de grande valor para a sociedade (ex.: Freud e Einstein), ao passo que o superdotado apresentaria uma habilidade superior à média da população. Além disso, existe uma noção preconceituosa, de grande parte da população brasileira, de que o potencial superior desenvolver-se-á apenas em contextos de nível sócio-econômico médio ou elevado. Muitos acreditam que crianças e adolescentes provenientes de ambientes cultural e socioeconomicamente desfavorecidos não recebem estimulação para o desenvolvimento de seus talentos. É necessário esclarecer que não é apenas a quantidade de estímulos disponíveis (ex.: livros, revistas, brinquedos, computador etc) que deve ser considerada, mas também como eles são utilizados. Neste sentido, podemos afirmar que comportamentos de superdotação estão presentes, e podem ser cultivados, em qualquer camada social.



Outro problema observado, conseqüência ainda da falta de informação acerca das características do superdotado, diz respeito à identificação do aluno com potencial superior. Muitas vezes o superdotado é diagnosticado erroneamente como autista, hiperativo ou portador de algum distúrbio de aprendizagem, como déficit de atenção, ou de problemas de conduta comportamental (Alencar & Virgolim, 1999; Baum, Owen & Dixon, 1991; Hartnett, Nelson & Rinn, 2004; Montgomery, 2003). Esta confusão ocorre em função de que indivíduos superdotados podem apresentar algumas características semelhantes àqueles com distúrbios de aprendizagem, como, por exemplo, alto nível de energia, dificuldade de concentração e de seguir regras. Em outras situações, o aluno com potencial superior pode manifestar comportamentos típicos de autistas, tais como isolamento social, dificuldades em fazer amigos etc, ou evidenciar problemas comportamentais como dificuldades para seguir regras e para aceitar autoridade. É importante esclarecer, entretanto, que existem crianças que apresentam, simultaneamente, comportamentos de superdotação e distúrbio de aprendizagem, bem como crianças superdotadas com síndrome de Asperger. Estas devem participar de serviços que atendam às necessidades desta dupla condição. Por isso, é fundamental que psicólogos e educadores recebam um treinamento adequado que lhes permita estabelecer diagnósticos diferenciais e encaminhar os alunos a serviços apropriados.




Estas e outras idéias estão profundamente enraizadas no pensamento popular, fruto de preconceito e tradição, interferindo e dificultando a implantação de programas educacionais para o talento intelectual. Nota-se que o mesmo não ocorre nas áreas musical, artística ou de esportes, nas quais se considera perfeitamente adequado propiciar a talentos artísticos ou em esportes, como futebol ou voleibol, oportunidades para desenvolvimento e aprimoramento de habilidades necessárias a um desempenho de alto nível. Vale ressaltar, ainda, que um outro obstáculo à educação do superdotado no Brasil é a interrupção de programas voltados para este grupo. Isto ocorre em função da falta de apoio financeiro ou idéias preconcebidas acerca do indivíduo superdotado.



Felizmente, no Brasil, especialmente nas duas últimas décadas, vários documentos do Governo Federal têm apresentado as políticas referentes à educação do aluno superdotado e talentoso. Um deles, “A Hora do Superdotado. Uma Proposta do Conselho Federal de Educação”, foi publicado em 1987. Em 1995, a Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação publicou novo documento, apresentando as políticas educacionais ao nível federal e diretrizes para a educação do aluno superdotado e talentoso, introduzindo o termo “altas habilidades”, que também passou a ser utilizado para se referir ao aluno superdotado (Ministério da Educação, 1995). Mais recentemente, uma resolução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (Ministério da Educação, 2001) acerca das diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica recomenda, em seu artigo 8º. (item 9), que as escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na organização de suas classes comuns “atividades que favoreçam, ao aluno que apresente altas habilidades/superdotação, o aprofundamento e enriquecimento de aspectos curriculares, mediante desafios suplementares nas classes comuns, em sala de recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para conclusão, em menor tempo, da série ou etapa escolar” (p. 3). O documento chama atenção ainda para a necessidade do sistema de ensino estabelecer normas para o funcionamento das escolas de forma que estas instituições tenham condições de elaborar seu projeto político-pedagógico considerando os alunos com necessidades educativas especiais, bem como capacitar seus professores para lidar com este grupo.




Entretanto, conforme apontam Alencar (1993) e Alencar e Fleith (2001), constata-se uma profunda distância entre a política educacional proposta pelo Ministério da Educação e a prática no país. Esta distância pode ser explicada pelas idéias preconcebidas a respeito do superdotado, uso inadequado de recursos, valores e atitudes negativas em relação a programas especiais, a par de falta de competência e compromisso daqueles responsáveis pela implementação de políticas educacionais.



É relevante apontar que o termo “superdotado” deixa a desejar e pode ser criticado, especialmente, em função do prefixo “super”, que gera uma expectativa de desempenho ou rendimento acadêmico excepcionalmente alto em várias áreas do conhecimento. Entretanto, mesmo em países, como os Estados Unidos, em que o termo utilizado é gifted e não supergifted, o mesmo tem sido rejeitado por muitos educadores, os quais preferem os termos “talento” ou “crianças/jovens com desempenho excepcional”, entre outros. De forma similar, em países europeus, os termos “alta habilidade” ou “aluno altamente capaz” têm sido adotados nos documentos oficiais relativos às políticas educacionais voltadas para a educação do aluno que se destaca por um potencial intelectual superior.

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