PARTE 12
GUENTHER, Z. (2009) Aceleração, ritmo de produção e trajetória escolar - desenvolvendo o
talento acadêmico, Rev. Educação Especial, vol 22, 35, p.281-298
Zenita C Guenther, Ph.D
5.7 MEDIDAS SITUACIONAIS DE ACELERAÇÃO
Para completar as
recomendações à implantação de projeto de aceleração seletiva, ao nível do
sistema, há ainda algumas situações a serem consideradas:
- Aceleração Parcial por Matérias/
Disciplinas
A aceleração
parcial é a medida mais apropriada para alunos com uma área de talento visivelmente
pronunciada, geralmente a partir da pré-adolescência. A aceleração por
disciplina é uma medida tomada no âmbito da escola, e pode não resultar em
encurtar o tempo escolar. O resultado será em termos de maior aprendizagem e
progressão rápida na área específica em que o aluno tem maior capacidade, desenvolvimento,
e interesse, por exemplo, ciências biológicas, física, matemática, literatura,
línguas estrangeiras...
Essa modalidade
de aceleração é uma medida relativamente fácil de se iniciar, acontece sem
alardes na intimidade da escola, mas tem um problema de grandes conseqüências:
uma vez iniciada é necessário, para o aluno, que seja garantida sua continuidade
até os níveis mais elevados de estudos, alcançando parte da vida adulta.
É uma modalidade que
efetivamente se compromete a “criar” grandes experts para a sociedade, em áreas
bem definidas, e ainda cedo na vida do estudante. Se uma criança começa, a
aprender inglês, ou matemática, digamos na 5ª ou 6ª série, e pára após a 8ª, o
seu esforço será absorvido, pouco representando no desenrolar da sua vida.
- Progressão Continuada
Progressão
continuada é também uma medida de acelerar tempo escolar que depende de
avaliação de conteúdo, em situações muito individuais. A progressão deve ser
orientada pelo próprio professor da turma (nos anos iniciais), ou da disciplina,
e aluno é submetido a provas de avaliação a qualquer momento do ano em que se
sente preparado a tentar “progredir” para o semestre, ou série escolar
seguinte. A posição do sistema pode ser regulada dentro de uma medida geral de reconhecer
matéria curricular adquirida por resultados de exames e provas formalmente
realizados.
É uma medida
excepcional útil para reconhecer aprendizado regular tutorial, feito fora da
escola, no estrangeiro, ou por estudos independentes, e permitir diminuir o
tempo escolar ao aluno que tem boas condições, assistência externa, capacidade
e motivação para aprender, em longo prazo.
- Classes
multi-seriadas
Onde existem classes multi-seriadas, seja por que
razão for, há ali oportunidade para as crianças com talento acadêmico
transitarem de uma série para outra, na própria sala de aula, aprenderem a
matéria e assuntos das séries mais avançadas, e acelerar naturalmente sua
aprendizagem, pelo simples viver e conviver no dia a dia escolar.
O andamento do trabalho é conduzido pelo próprio
professor da turma, com as mesmas aulas e material dispensado aos alunos, em
cada nível. A criança simplesmente faz as atividades e exercícios dos outros
alunos. Pode-se acrescentar a recomendação de que a criança somente seja
encorajada a continuar acelerando, se estiver produzindo acima da média, em
cada série, sem aceitar produção média, ou mínima, para basear aceleração.
Tivemos oportunidade de acompanhar uma experiência
interessante em uma escola rural, em que a criança entrando para a “turminha de pré” aos 6 anos de idade,
completou o currículo das quatro séries
em dois, foi para a 5ª série em outra escola, aos 8 anos, e continuou sua
escolaridade normalmente, sem qualquer problema.
- Outras medidas situacionais
Obviamente podem surgir oportunidades para eventuais
casos interessantes, em que medidas como currículo telescópico, matrícula
simultânea, ou estudo independente, em qualquer combinação, podem ser admitidas
para prover maior estimulação e avanço no conteúdo curricular, para certos
alunos especiais, em condições específicas. Em qualquer situação a escola pode
assistir ao aluno com planejamento, material e até instrução, mas a comprovação
de escolarização completada, em nenhuma dessas situações, será sempre através
de resultados de provas e exames sob controle do sistema.
5.8 - Dupla excepcionalidade
Embora haja leis de proteção aos alunos deficientes, nenhuma lei
os protege quando têm capacidades superiores- e, paradoxalmente, esse fica
sendo o seu “handicap” – pois as atenções são voltadas para o que ele tem de
deficiência, mas não de dotação, de fraqueza mas não de capacidade. E assim crianças
e jovens com excelentes cabeças, presas em deficiências localizadas, que não
interferem com a função cognitiva do cérebro, nada recebem para ajudar a desenvolver
o que têm de superior. Mas, outra vez, nesses casos precisa haver profundas
mudanças de atitude, e sensibilização geral, mesmo antes de mudanças na legislação.
Esse tema tem sido discutido em vários lugares do mundo, mas não
há medidas regulares que preconizem “ver” a capacidade de uma criança com
deficiência mais cedo na vida, ao nível da educação infantil. Até agora, a
preocupação é com a deficiência, e se a criança dá sinais de capacidade
intelectual passa despercebido, tomado como uma curiosidade, ou orientado
superficialmente, mais para “os outros verem” do que para desenvolver o próprio
individuo.
Mais tarde na vida, ao demonstrar inegável capacidade, quando a
pessoa deficiente já passou por grande parte de seu desenvolvimento sem ajuda,
quase sempre torna-se mais uma noticia jornalística que um tema a ser discutido
em termos de provisões para a educação. No entanto, a maior parte das medidas
aqui discutidas poderiam ser utilizadas para ajudar a essas crianças e jovens,
se for vencida a barreira maior: identificá-las, localizá-las, enxergar sua
capacidade em um contexto de visíveis deficiências.
5.9 - Posição do
Professor
Mesmo com o melhor programa
educacional, o melhor corpo de leis, e o maior sistema de apoio logístico,
poucos alunos receberão assistência efetiva se não houver o verdadeiro
compromisso e envolvimento dos professores, em grupo e individualmente, num compromisso
visceral de ajudar cada aluno naquilo que ele precisar. Assim também é com a
aceleração.
Para começar, a identificação do
aluno capaz, inteligente, que estuda com gosto e aprende com facilidade só pode
começar com o professor em aula – pois ele é quem está com o aluno nas variadas
situações de ação, estudo e aprendizagem! Não há nenhum teste psicológico,
situação estruturada, ou fórmula mágica, nem mesmo na vida em família, que
possa dar mais informações sobre como o aluno aprende, e como estuda, que o
convívio de sala de aula, conduzido por um professor atento e compromissado. O
professor é uma personagem crucial, atuando na vida de qualquer estudante, em
qualquer idade. Mas, para um aluno dotado em inteligência e talento acadêmico,
um professor pode abrir mais portas (como pode fechar...) que todo o sistema de
educação, simplesmente provendo em suas aulas um ensino que seja estimulante,
apropriado, próximo à capacidade do aluno.
Muitos educadores permanecem
resistentes e tem posições negativas em relação à prática da aceleração, mesmo
com os expressivos resultados encontrados na pesquisa científica. Essa atitude
precisa ser trabalhada. É necessário haver amplas e variadas oportunidades para
o professor se informar e estudar, em seguida discutir, perguntar, expor
dúvidas, analisar suas próprias observações...
A leitura de matéria jornalística,
superficial, sem qualquer base cientifica, não raro exagerando os fatos,
narrando façanhas de crianças de 4ª série aprovadas em curso superior, ou
falando grego aos 4 anos (a não ser na Grécia...), não convence um professor
trabalhando seriamente, engajado com o trabalho educativo de várias turmas de
alunos, no dia a dia, ano após ano. Seria o mesmo que tentar mover um médico a
mudar sua prática mostrando crianças de tamanho adulto, ou menstruação aos 7
anos. A curiosidade é por demais “irreal” na sua raridade, para influir em sua
prática diária. Se aparecer um caso assim ele certamente vai notar, se ninguém notar antes...
Estudando e aprofundando temas tais
como, capacidade humana, ritmo de trabalho mental, diferenças individuais na
atuação de grupos formados por critérios externos... o professor vai entender
como atuam e interagem essas variáveis, como se distribuem na população, como
existe em números pequenos, mas não raridade, e como precisam ser consideradas
pela escola, no fórum das necessidades
individuais.
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