"Pedro
tem dificuldades em olhar seus pais nos olhos ou responder quando é chamado.
André tem fixação por trens; é capaz de ficar horas a fio enfileirando-os no
chão do quarto. Mariana tem crises frequentes no colégio e não consegue
acompanhar os coleguinhas nas brincadeiras, mas aprendeu a ler sozinha aos três
anos. Todos os três têm comportamentos que podem ser sinais de autismo. E
agora, o que fazer ?"
Isoladas num
mundo particular de difícil acesso, com hábitos restritos, ritualizados e
repetitivos, as crianças que desenvolvem autismo são corriqueiramente vistas
como estranhas e alheias a tudo e a todos. O que poucos sabem é que estes
indivíduos são dotados de talentos e habilidades singulares. Diante do
diagnóstico de autismo, o mais importante para os pais, professores e
profissionais de saúde é criar mecanismos para ensinar a essas pessoas os
prazeres contidos nos momentos de convivência com a criança, buscando amenizar
para elas o caráter invasivo e intimidador que o contato social adquire.
Primeiro
livro da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa escrito em parceria com
especialistas da sua equipe, com experiência em crianças e adolescentes, Mundo
singular, é um guia voltado para o público leigo, com foco no funcionamento
mental da criança com autismo.
Caracterizado
por um conjunto de sintomas que afeta a socialização, a comunicação e o
comportamento, e que acomete cerca de 70 milhões de pessoas no mundo, o
transtorno afeta, sobretudo, a interação social desses indivíduos. Em
crianças, o distúrbio é mais diagnosticado do que o câncer, a AIDS e a diabetes
somados. Sua manifestação é mais comum no sexo masculino do que no
feminino. No entanto, apesar de sua prevalência, o tema
permanece nebuloso para a maior parte da sociedade, e muito do que se imagina é
fruto de preconceitos e mitos.
Os autores
abordam a cada capítulo os elementos que influenciam a vida de quem vive com o
transtorno e daqueles que o cercam. O relacionamento com
familiares, o ambiente escolar, o diagnóstico, o tratamento, a afetividade, a
vida profissional, as questões legais e as perspectivas futuras são esmiuçados
num texto escrito com sensibilidade, em que a teoria ganha contornos
humanos, com uma sucessão de relatos de casos reais, que preservam a identidade
dos pacientes e defendem uma visão mais humana e positiva acerca dessas
crianças que enxergam o mundo de forma tão singular.
Há ainda a
preocupação em tratar do espectro do autismo, revelando as nuances e gradações
dos sintomas e que tornam, muitas vezes, o diagnóstico impreciso. Um dos
exemplos descritos é a Síndrome de Asperger, uma doença considerada um
"tipo leve" de autismo, mas bastante desafiante para os
especialistas, pois é confundida com outros transtornos. Quando não tratada, a
síndrome também impede que a pessoa coloque em prática suas habilidades inatas
e cumpra seu papel social.
"O
diagnóstico impreciso (ou até errôneo) ocorre especialmente quando o paciente
tem traços de autismo, ou seja, apresenta apenas alguns sintomas da doença.
Essas pessoas podem passar a vida toda despercebidas, sem diagnóstico e
tratamento adequados. É um dos grandes desafios da medicina diagnosticar
pessoas que não apresentam autismo clássico (grave), cujos sintomas são mais
fáceis de serem identificados", explica Ana Beatriz.
Além da
questão clínica, atenta aos avanços científicos sobre o assunto, mas sem
resvalar para uma linguagem técnica, o livro busca despir os preconceitos
associados ao tema e demonstrar que a convivência com uma criança com autismo
pode se transformar em uma empreitada surpreendente e transformadora.
"Para
se estabelecer uma relação verdadeira com a criança com autismo temos que nos
abrir para uma nova forma de entendimento compartilhado, que inclua novos
sinais e significações que sejam compreensíveis para ela. E nessa concepção
somos nós que temos que aprender uma nova linguagem.", pondera Ana
Beatriz.
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