PARTE 10
GUENTHER, Z. (2009) Aceleração, ritmo de produção
e trajetória escolar - desenvolvendo o talento acadêmico, Rev.
Educação Especial, vol 22, 35, p.281-298
Zenita C Guenther, Ph.D
5.2 – Da Entrada
antecipada na escola
Os limites de
idade para matrícula escolar
Antecipação da idade determinada para uma criança iniciar
um nível de escolarização é sem dúvida a modalidade de aceleração mais
utilizada, mais estudada cientificamente, e que melhor resultados gerais indica
trazer para alunos e famílias.
Para um sistema escolar instituir entrada antecipada, em
qualquer nível, há que considerar duas vias principais de demanda: a) mudança
de nível escolar para alunos já matriculados, ou seja, “aceleração” do tempo
escolar, e b) entrada antes da idade oficial para alunos ainda não entronizados
ao sistema, tais como imigrantes, famílias oriundas da outras regiões do país,
estrangeiros que aqui vão viver por períodos de tempo, ou crianças e jovens que
não se matricularam antes por pouca idade, ou por optar pela “escolarização em
casa”, como vem acontecendo em vários lugares do mundo.
No inicio da educação infantil, ao nível de creche, não
há idade mínima estabelecida, e existem creches que recebem bebês diretamente
da maternidade, por decisão de pais ou autoridades. Mas, a partir da segunda
etapa da educação infantil já se tem idade mínima determinada, 3 ou 4 anos.
Para o ensino fundamental a barreira de idade para acesso é quase
intransponível – 7 anos, (provavelmente um limite determinado pelo conceito de idade
da razão, estabelecido pela Igreja); 6 anos, a princípio em paises de
orientação não católica, hoje vigente na maioria dos paises; 5 anos em alguns
paises de orientação ideológica muito pronunciada, como a Rússia.
Também não existe determinação de idade para o acesso aos
níveis médio, superior e pós-graduação, mas todos estão de certa forma
atrelados à idade cronológica por duas exigências: 1. comprovação de término do
nível anterior, por documentos, que, 2. são emitidos com base em freqüência
determinada por tempo letivo (anos, dias, horas-aula). No entanto, o tempo
cronológico já demonstrou ser uma das variáveis de menor importância na vida
das pessoas, totalmente lateral como indicação de produção escolar e mental,
ritmo de trabalho, ou desenvolvimento geral, em qualquer faixa etária.
Ainda mais, a curva de desenvolvimento e produção mental
no que diz respeito a ritmo e formas de expressão, se diferencia tão
acentuadamente ao nível dos indivíduos, que mesmo medidas de QI perdem
confiabilidade após a adolescência, pela impossibilidade de se estabelecer
critérios defensáveis de “idade mental”, nas diferentes culturas e
sub-culturas. Portanto excetuando a definição de idade de responsabilidade
civil e criminal, atualmente sob uma enxurrada de crítica em todo o mundo...
parece que escola, (mas não estudo), e emprego, (mas não trabalho), são as
últimas instituições a se pautarem por limites mínimos e máximos de idade
cronológica para acesso e desligamento.
Aceito o argumento da pouca validade da idade cronológica
como parâmetro de acesso aos níveis de escolarização, somos necessariamente
levados a considerar outros critérios, mais confiáveis e defensáveis, para
orientar a decisão de se inscrever um aluno em um, ou outro, nível de
escolaridade.
- Antecipar entrada para o Jardim de Infância
Os critérios para decidir se uma criança de menos de 4
anos vai se beneficiar da experiência escolar no Jardim da Infância, vêm da
própria criança, de como ela é, e não do que sabe, ou faz. O currículo de
competências trabalhadas nessa fase remete-se ao desenvolvimento físico, mental
e social da criança. Obviamente, tais critérios devem ser buscados na
psicologia do desenvolvimento infantil, pelo exame de determinados sinais
observáveis, se possível mensuráveis:amadurecimento físico e motor, que
assegure independência e liberdade para atividade intencional, no contexto de
grupos; acuidade sensorial e bom funcionamento dos órgãos de sentido; grau de
maturação de processos mentais como linguagem e comunicação, alem de segurança,
autonomia e capacidade de autodireção compatível com idade de 4-5 anos.
Outra vez, para se operacionalizar critérios
qualitativos, todo o cuidado é necessário ao traduzir “conhecimento
psicológico” em termos de situações e sinais visíveis, que possam ser captados
pelo professor, ou adulto que convive com a criança, em um dia comum de vida
escolar, por um período manejável de observação orientada.
- Acesso antecipado à 1ª. série Fundamental
Para entrada na 1ª. série fundamental, a maior linha de
demarcação parece ser a leitura - (mas não leitura e escrita).
Leitura é um processo de decodificação essencialmente mental, que pode ser
adquirido antes da escrita por crianças intelectualmente dotadas; assim como a
escrita pode vir antes da leitura para crianças com retardo mental (lembrem as
cópias orgulhosamente feitas por excepcionais deficientes, incapazes de
ler...). A escrita, por sua vez, é um processo essencialmente físico e motor,
independente de dotação intelectual, resultado de amadurecimento físico do
sistema muscular e ósseo, e coordenação de movimentos finos.
Os critérios para antecipação da entrada à 1ª série devem
ser orientados principalmente por parâmetros de desenvolvimento mental. Pode-se
tomar por base o grau de aquisição e desenvolvimento da leitura, abrangendo
competências e saberes compatíveis com as aprendizagens a serem adquiridas na
1ª série, e idade mental de sete anos ou mais.
- Acesso
antecipado ao Ensino Médio
Para ingressar no nível médio não há uma idade mínima
estabelecida, mas há exigência de finalização do nível fundamental, e pode-se
prever essa antecipação de matrícula precedida por alguma medida situacional,
como diplomação antecipada para a 8ª. série fundamental, discutida mais
adiante.
- Acesso
antecipado ao nível superior
Da mesma forma, é necessário prever condições para
diplomação antecipada do nível médio para assegurar o acesso à Universidade,
alem de alteração de outras exigências em termos de exames vestibulares e
medidas de seleção e classificação de novos alunos. A entrada na Universidade
ainda depende, entre nós, quase exclusivamente de exames vestibulares, apesar
de implacável crítica documentada de que essa via impede ou dificulta acesso
aos mais jovens e mais capazes, por uma razão ou outra.
Um aspecto muito sério, que não pode passar despercebido
é que, ao se possibilitar aceleração em um nível, digamos no ensino
fundamental, segue-se a necessidade de se pensar em toda a trajetória escolar
do aluno, pois, pior que reter no tempo o desenvolvimento escolar e pessoal de
uma criança ou jovem de capacidade elevada é interromper seu ritmo de trabalho,
quando já estabelecido. Em qualquer hipótese, o passo mais importante e mais
trabalhoso é, efetivamente, desenhar critérios confiáveis e plausíveis para se
proceder à aceleração por antecipação de níveis, em um plano viável,
congruente, e confiável a médio e longo prazo.
5.3 - Matricula simultânea
Uma das maneiras de se prover atenção a jovens mais
capazes cuja produção escolar é notavelmente adiantada em comparação com a
turma a que pertence, é permitir que o aluno seja matriculado em duas turmas
diferentes, com currículos diferentes e horários diferentes, que, embora
aumente o “dia letivo” para ele, em longo prazo encurta a trajetória escolar, e
permite adiantar o projeto de vida. Esse tipo de aceleração é útil para
estimular continuidade de estudos, especialmente ao final de um nível de
ensino, quando aquele conteúdo está praticamente vencido pelo aluno, e o início
do novo ciclo é visto como um desafio.
Assim, desde a 4ª. série, os alunos que já adquiriram ou
vencem rapidamente o conteúdo ensinado, e começam a mostrar tédio e
desinteresse nas sessões de fixação e revisão, podem ser admitidos também à 5ª.
serie, logo ao inicio do período letivo, o que acrescenta novidade e
complexidade ao seu dia escolar. Essa antecipação de estágios dentro de
um nível escolar pode ser uma boa medida em alguns casos, porem, o mais
praticado, por dar maior autonomia e independência ao aluno é a permissão para
freqüentar dois níveis ao mesmo tempo, ou seja, a 8ª série e o 1º. ano médio,
ou alunos ainda no 3º médio regularmente inscritos à universidade.
Nesses casos, cada matrícula é praticada como um
procedimento independente, segundo os regulamentos comuns da instituição e
nível de ensino, sem introduzir adaptações ou concessões especiais, a não ser
negociações que possam acontecer entre um, ou mais professores de disciplinas,
e o próprio aluno. O aluno é recebido e tratado, em linhas gerais como um aluno
comum, e a gerência de seu tempo, plano de estudos, e compromissos escolares
ficam em grande parte sob seu controle e iniciativa, inclusive combinações com
os professores e corpo técnico de cada escola. Vencidos os compromissos letivos
para aquele ano, em cada turma ou nível, ele vai para frente em ambos,
computando dois anos letivos ao invés de só um. Como regra geral essa matrícula
especial é permitida em anos consecutivos, e a caminhada regular do aluno leva
a terminar o nível anterior estando já à frente no nível seguinte.
Também é possível permitir-se matricula em duas séries
consecutivas, no mesmo nível de ensino, por exemplo o aluno fazer ao mesmo
tempo 1ª. e 2ª. série fundamental, o que na prática é mais fácil de gerir do
que parece, ou simultaneamente freqüentar a 7ª e 8ª séries, desde que os
horários sejam diferentes, o que às vezes implica envolvimento de duas escolas.
Essa medida é também conhecida com o nome de Currículo Telescópico.
O plano de aceleração do trabalho pedagógico do aluno,
obviamente tem que ser pensado e compartilhado por ambas as instituições que
ele freqüenta. É preciso manter em mente que ele é uma pessoa inteira, um aluno
único, embora esteja atuando em dois cenários relativamente independentes, não
se trata de “duas individualidades” ou “dois alunos”. O termômetro para se
averiguar resultados, ao longo do processo, focaliza as pistas dadas pelo
aluno, em termos de satisfação, gosto, bom rendimento, interesse, envolvimento
na vida escolar de ambas as turmas, sentindo-se efetivamente parte de cada uma
delas. O resultado final esperado é diminuição do tempo escolar sem prejuízo
para o conteúdo curricular, e com mais estimulação intelectual para o aluno.
5.4 - Antecipação de diploma
Na mesma linha de pensamento inerente à aceleração, que
busca dissociar tempo cronológico de tempo escolar, a antecipação de diploma
diminui tempo letivo sem diminuir conteúdo curricular, para alunos que aprendem
mais rápido e mais facilmente que os outros. Essa antecipação pode ser por todo
um ano, por exemplo pela matricula simultânea na 7ª e 8ª série, ou pode ser por
um semestre, em um currículo telescópico. A exigência básica é comprovação
oficial de que o conteúdo do nível a que o aluno aspira ser diplomado foi
satisfatoriamente vencido, com rendimento superior à média aceita para uma
turma regular.
Um aluno pode ainda ter seu diploma antecipado por
comprovação de resultado de estudo independente, paralelo, cursos optativos,
tutoria, ou qualquer forma de estudos, sistematizados ou não, auto dirigidos ou
orientados. Em qualquer situação, o que se exige é comprovação de que o
conteúdo, em termos de conhecimento, competências e habilidades foi
efetivamente adquirido, nos padrões do que é esperado naquele nível. A
exigência de comprovação deve ser regulada pelo sistema, e tudo indica que a
melhor alternativa é estabelecer um formato consistente de auferir crédito por
meio de exames e provas, seguindo critérios regulares estabelecidos para a
escola que vai conferir o diploma, em padrões de rendimento acima da média
aceita para aquele nível.
Como medida geral, os alunos apropriadamente
identificados para aceleração podem requerer exames para crédito destinado a
antecipar o diploma, em uma época apropriadamente situada no ano escolar, por
exemplo ao final de cada semestre.
5.5 - Saltar séries e meias séries
Ao examinar as pesquisas em aceleração, especificamente
sobre resistências, áreas sensíveis e temas que contra-indicam acelerar,
havemos de notar que o centro da preocupação refere-se à modalidade em que a
criança transita para uma turma mais adiantada na seriação escolar. A maior
desconfiança é colocada em termos de a criança deixar para traz seus pares,
passar a conviver com uma turma de crianças mais velhas que ela própria, não
ser capaz de fazer novos amigos, ou perder parte da infância. Parece constante
esse medo de que as crianças que saltam uma ou mais séries escolares vão
“perder” os amigos e colegas da mesma idade, da turma anterior. A entrada
antecipada não tem esse problema, porque ela integra uma turma inicial de
colegas, embora mais velhos, mas que vão caminhar juntos na vida escolar.
Há outro lado nessa história: crianças altamente dotadas
pensam em amigos como pessoas com quem compartilhar interesses, idéias e
pensamentos, em uma idade em que as outras crianças ainda pensam em amigos
somente como alguém com quem brincar. A maior parte dos alunos dotados
intelectualmente não tem muitos amigos em sua própria faixa etária, pois tendem
a apresentar maior maturidade emocional e social que eles, e relacionam-se
melhor com adultos e crianças mais maduras, de várias idades.Assim sendo, uma
criança nova acelerada para um grupo de outras crianças, cuja idade média é
maior que a sua, pode ter ali uma oportunidade para efetivamente encontrar
amigos, o que não estava conseguindo na turma anterior.
Quanto às criticas sobre a criança “perder partes da
infância”, e ser forçada a estudar todo o tempo, seriam anuladas com melhoria
nos planos pedagógicos e ampliação da rede de educação informal na escola, por
várias vias, incluindo atividades lúdicas, jogos e lazer compatíveis com cada
faixa de idade, em toda a trajetória escolar. Por que razão deve a escola agir
como se o tempo de convivência informal, e agradável, alocado a atividades não
estruturadas, deva ser parte do Jardim da Infância, e talvez 1ª e 2ª série
fundamental, mas não da 5ª ou 6ª séries, ou ensino médio ?
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