ÁLVARO PEREIRA
JÚNIOR
A mágica de Tábata
Extraido do site : http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrada/39666-a-magica-de-tabata.shtml
FILHA DE um cobrador de ônibus e de uma
vendedora de flores, a estudante paulista Tábata Amaral de Pontes, 18, recebeu
uma notícia triste no fim de 2011: foi reprovada no vestibular do ITA, o
Instituto Tecnológico de Aeronáutica, um dos mais difíceis, senão o mais
difícil do país.
A decepção
só não foi completa porque, semanas depois, chegaram notícias excelentes:
Tábata foi aceita em seis universidades americanas de ponta, a elite da elite
do ensino e da pesquisa: Harvard, Yale, Princeton, Columbia, Universidade da
Pensilvânia e até o sacrossanto Caltech, recém-eleito a melhor instituição de
ensino superior do mundo.
Para uma
família americana, ver um filho em qualquer dessas universidades é motivo de um
orgulho que ultrapassará gerações. Só o pequeno Caltech teve, em sua história,
32 prêmios Nobel, conquistados por 31 de seus cientistas (um deles, Linus
Pauling, o maior químico do século 20, ganhou duas vezes: Química e Paz).
Imagine, então, o que essas aprovações
representam para Tábata e sua família (o pai, infelizmente, morreu três dias
depois de saber que ela passara em Harvard). De origem humilde, a jovem fez
ensino médio com bolsa, em São Paulo, e se arriscou nos EUA porque o colégio
incentiva seus alunos estelares a tentar faculdade no exterior.
Mas vamos
lembrar o primeiro parágrafo : o ITA não quis saber dela. A fera em exatas levou bomba na
respeitada instituição de São José dos Campos. De nada adiantaram seus prêmios em
olimpíadas de física, matemática, química, robótica, informática, astronomia e
linguística. Só contaram as notas das provas. Não deu.
Não há
como fugir da conclusão : há algo muito errado com os vestibulares -no Brasil,
em geral, e no ITA, em particular.
Por mais
que alguns vestibulares se modernizem, busquem a interdisciplinaridade, a
contextualização social, por mais que algumas instituições (USP e Unicamp são
os exemplos mais evidentes) elaborem provas elegantes, fugindo da simples
decoreba de fórmulas e do acúmulo bitolado de conhecimento, não há como escapar
do caráter "lotérico" do vestibular. Mesmo os candidatos mais
preparados e frios precisam de sorte também.
Uma
indisposição, um branco na memória, e adeus. Nova chance, pelo menos nas
melhores universidades brasileiras, só dali a um ano.
No caso do
ITA, a situação é ainda mais aguda. Um vestibular brutal, que tem muito pouco a
ver com o que de fato se aprende no ensino médio -mesmo nos colégios mais
fortes. De tanta exigência, resulta uma distorção. Só passa no Instituto
Tecnológico de Aeronáutica quem se prepara especificamente para ele. E a
estatística mostra uma curiosidade: a cidade com mais aprovados é Fortaleza.
Historicamente,
Fortaleza tem colégios e cursinhos voltados ao vestibular do ITA. Neste ano,
dos 120 convocados, nada menos que 40 eram da capital cearense. São José dos
Campos, sede do instituto, vem logo atrás, com 38. Mesma razão: cursinho focado
no ITA.
O ITA, não
me entenda mal, é uma escola de engenharia de enorme prestígio na graduação (na
pós, menos). Uma busca no Google por "formado no ITA" encontra
profissionais de muito destaque, ocupantes de altos cargos no governo, na
iniciativa privada e na academia.
A Embraer,
terceira maior fabricante de aviões do mundo, deve muito de seu sucesso à
formação sólida dos engenheiros que saem do instituto para a empresa. A qualidade
do ensino, incontestável, não está em questão.
O que
discuto é que, para ser escolhida pelas universidades mais importantes do
planeta, Tábata foi avaliada como um todo. Fez uma prova, o SAT, inspiração do
nosso Enem (mas que, ao contrário deste, não é usado como critério único de
admissão).
Também levou
cartas de recomendação, escreveu redações, foi entrevistada, apresentou seu
histórico escolar e, principalmente, teve analisadas suas atividades
extracurriculares (Tábata fundou, há três anos, o grupo Vontade Olímpica de
Aprender, que treina alunos de escolas públicas para olimpíadas educacionais).
No sistema
brasileiro, nada disso teria contado. Nem nos vestibulares que tentam ser mais
modernos, nem nas provas mega tradicionais do ITA.
Para passar
nas escolas dos EUA, bastou Tábata ser ela mesma. Nos últimos dias, tem cruzado os Estados
Unidos para decidir onde estudar. Também entrou em física, na USP, mas seu
destino está fora do Brasil. O ITA a reprovou, ela foi voar no hemisfério
Norte.
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