terça-feira, 12 de julho de 2011

Como contribuir para que o aluno superdotado saia da invisibilidade


Texto de autoria de Denise Maria de Matos Pereira Lima, complementado e atualizado, na parte jurídica por mim.






Desde que foi institucionalizada, por volta do século XVIII, a educação vinha se mantendo seletiva, de acesso restrito a uma pequena elite, o que a tornou excludente. As modificações socioculturais que aconteceram com o passar dos anos contribuíram para redimensionar esse quadro, até que, na década de 80, o discurso de uma educação para todos começou a ganhar força no Brasil.




O primeiro atendimento ao aluno superdotado no País tem seu registro em 1929 e foi realizado pela professora Helena Antipoff¹, na zona rural de Minas Gerais. Após seu falecimento, seu filho Daniel Antipoff deu continuidade ao trabalho.




No entanto, é de conhecimento de todos que a área da superdotação não recebeu nem o destaque nem a atenção devida pelos órgãos públicos ou pela comunidade em geral e sempre se manteve envolta em mitos e ideias equivocadas que promoveram inúmeras resistências para o desenvolvimento do trabalho pedagógico com esse alunado.




Talvez tenha sido este um dos grandes motivos que tornaram o aluno superdotado “invisível” mesmo quando a legislação nacional brasileira se remodela, seguindo o apelo social e as determinações internacionais, no que se refere à proposta de educação inclusiva.




Neste contexto inclusivo, passam a ser discutidos o acesso e a permanência de pessoas com necessidades educacionais especiais, na sala de aula comum, com apoio em serviços de atendimento especializado, garantindo para estes a escolarização.



Mas onde esteve o aluno superdotado na política pública nacional brasileira das últimas décadas? Vejamos:



• Lei 4024/61 — não citava os superdotados, falava de forma genérica sobre o atendimento especializado aos excepcionais.




• Lei 5692/71 — explicita e decreta que o superdotado deveria receber tratamento especial e que este seria determinado pelos Conselhos de Educação.



• A Constituição da República Federativa do Brasil, em seus artigos 205 e 208, asseguram o reconhecimento do direito das crianças superdotadas terem acesso aos níveis mais elevado de ensino.

“Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”



“Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:



(...) V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.”




• Lei 9394/96 (em vigor) — determina que se promova, aos superdotados, a aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar. Estabelece também a integração na vida em sociedade para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora.




De acordo com o art. 54 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que trata do Estatuto da Criança e do Adolescente, é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente o acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.



O Conselho Nacional de Educação é taxativo, direto, e não deixa qualquer dúvida sobre a matéria quando, através da Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de setembro de 2001, instituiu as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Dentre outras orientações, estabelece:





“Art. 3o. - "Por educação especial, modalidade de educação escolar, entende-se um processo educacional definido por uma proposta pedagógica que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação básica.



(...)



Art. 5o. - "Consideram-se educandos com necessidades especiais os que, durante o processo educacional , apresentarem :



(...)



III - altas habilidades / superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes."

(...)




Art. 7o - "O atendimento aos alunos com necessidades educacionais especiais deve ser realizado em classes comuns do ensino regular, em qualquer etapa ou modalidade da Educação Básica."



(...)



Art. 8º: As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na organização de suas classes comuns:




IX – atividades que favoreçam, ao aluno que apresente altas habilidades/superdotação, o aprofundamento e enriquecimento de aspectos curriculares, mediante desafios suplementares nas classes comuns, em sala de recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para conclusão, em menor tempo, da série ou etapa escolar, nos termos do Artigo 24, V, “c”, da Lei 9.394/96.




O Parecer de nº 17 de 03.07.2001 de 2001 do Conselho Nacional de Educação, do Ministério da Educação, ampara a aceleração de série, em caso de superdotação, como forma de atendimento educacional, abaixo transcrito uma parte de seu texto, bem como estipula alguns conceitos técnicos acerca da inclusão :


SISTEMA EDUCACIONAL INFANTIL, FUNDAMENTAL, MÉDIO, EDUCAÇÃO, ENSINO, ENSINO, e EDUCAÇÃO SUPERIOR 2 - OPERACIONALIZAÇÃO PELOS SISTEMAS DE ENSINO





Para eliminar a cultura de exclusão escolar e efetivar os propósitos e as ações referentes à educação de alunos com necessidades educacionais especiais, torna-se necessário utilizar uma linguagem consensual, que, com base nos novos paradigmas, passa a utilizar os conceitos na seguinte acepção:





2. Educandos que apresentam necessidades educacionais especiais são aqueles que, durante o processo educacional, demonstram :






(...)




2.3. altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente os conceitos, os procedimentos e as atitudes e que, por terem condições de aprofundar e enriquecer esses conteúdos, devem receber desafios suplementares em classe comum, em sala de recursos ou em outros espaços definidos pelos sistemas de ensino, inclusive para concluir, em menor tempo, a série ou etapa escolar.





4.1 – Na organização das classes comuns, faz-se necessário prever :





j) atividades que favoreçam o aprofundamento e o enriquecimento de aspetos curriculares aos alunos que apresentam superdotação, de forma que sejam desenvolvidas suas potencialidades, permitindo ao aluno superdotado concluir em menor tempo a educação básica, nos termos do Artigo 24, V, “c”, da LDBEN. Para atendimento educacional aos superdotados, é necessário:




a) organizar os procedimentos de avaliação pedagógica e psicológica de alunos com características de superdotação;





b) prever a possibilidade de matrícula do aluno em série compatível com seu desempenho escolar, levando em conta, igualmente, sua maturidade socioemocional;




c) cumprir a legislação no que se refere :




à aceleração/avanço, regulamentados pelos respectivos sistemas de ensino, permitindo, inclusive, a conclusão da Educação Básica em menor tempo;

ao registro do procedimento adotado em ata da escola e no dossiê do aluno;





d) incluir, no histórico escolar, as especificações cabíveis;


Deliberação CEE n.º 68/2007 do conselho de ensino do estado de São Paulo :


Art. 5.º – As escolas organizar-se-ão de modo a prever e prover em suas classes comuns, podendo contar com o apoio das instituições, órgãos públicos e a colaboração das entidades privadas:

I – distribuição ponderada dos alunos com necessidades educacionais especiais pelas várias classes do ano escolar em que forem classificados, buscando a adequação entre idade e série/ano, para que todos se beneficiem das diferenças e ampliem, positivamente, suas experiências, dentro do princípio de educar para a diversidade;






Em 2008, o Ministério da Educação aprovou e divulgou um documento que trata da “Nova Política para Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva” (BRASIL, MEC/SEESP, 2008). Esse documento, aprovado pelo Decreto 6.571/08, do Governo Federal, em 17 de setembro de 2008, enfatiza a promoção do atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.





Resolução CNE/CEB nº 04/2009, do Conselho Nacional de Educação
Câmara de Educação Básica



Art. 1º Para a implementação do Decreto Nº 6.571/2008, os sistemas de ensino devem matricular os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas classes comuns do ensino regular e no Atendimento Educacional Especializado (AEE), ofertado em salas de recursos multifuncionais ou em centros de Atendimento Educacional Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos.






Art. 2º O AEE tem como função complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem.

Parágrafo único. Para fins destas Diretrizes, consideram-se recursos de acessibilidade na educação aqueles que asseguram condições de acesso ao currículo dos alunos com deficiência ou mobilidade reduzida, promovendo a utilização dos materiais didáticos e pedagógicos, dos espaços, dos mobiliários e equipamentos, dos sistemas de comunicação e informação, dos transportes e dos demais serviços.

Art. 4º Para fins destas Diretrizes, considera-se público-alvo do AEE:





(...)





III - Alunos com altas habilidades/superdotação : aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas : intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade.




Art. 7º Os alunos com altas habilidades/superdotação terão suas atividades de enriquecimento curricular desenvolvidas no âmbito de escolas públicas de ensino regular em interface com os núcleos de atividades para altas habilidades/superdotação e com as instituições de ensino superior e institutos voltados ao desenvolvimento e promoção da pesquisa, das artes e dos esportes.



Resolução nº 4, de 13 de Julho de 2010, do Ministério da Educação - Conselho Nacional de Educação - Câmara de Educação Básica






Art. 29. A Educação Especial, como modalidade transversal a todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, é parte integrante da educação regular, devendo ser prevista no projeto político-pedagógico da unidade escolar.




§ 1º Os sistemas de ensino devem matricular os estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas classes comuns do ensino regular e no Atendimento Educacional Especializado (AEE), complementar ou suplementar à escolarização, ofertado em salas de recursos multifuncionais ou em centros de AEE da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos.




§ 2º Os sistemas e as escolas devem criar condições para que o professor da classe comum possa explorar as potencialidades de todos os estudantes, adotando uma pedagogia dialógica, interativa, interdisciplinar e inclusiva e, na interface, o professor do AEE deve identificar habilidades e necessidades dos estudantes, organizar e orientar sobre os serviços e recursos pedagógicos e de acessibilidade para a participação e aprendizagem dos estudantes.




§ 3º Na organização desta modalidade, os sistemas de ensino devem observar as seguintes orientações fundamentais :



I - o pleno acesso e a efetiva participação dos estudantes



II - a oferta do atendimento educacional especializado;



III - a formação de professores para o AEE e para o desenvolvimento de práticas educacionais inclusivas;





É importante destacar que as reformas refletem movimentos sociais, culturais e comunitários, sabendo que estas não se dão apenas no âmbito político, por mais que as leis imponham as regras que conduzem a educação. A resistência a mudanças na educação é histórica e precisamos repensar os conceitos que são priorizados na nossa prática pedagógica, com relação ao movimento de inclusão.




O respeito às características individuais dos alunos no contexto educacional e a organização de novas práticas para atender às necessidades de aprendizagem oriundas dessa população exigem não somente novas estratégias, mas também novas formas de pensar o saber pedagógico.





De certa forma, o aluno superdotado já saiu da invisibilidade política. Agora cabe aos educadores reconstruir nossos conceitos e representações acerca desse alunado, superando assim os mitos,para que eles possam sair da invisibilidade pedagógica e obter uma educação de qualidade, como lhes é garantido pela lei.

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¹ De origem russa, mas morando no Brasil, a professora Helena Antipoff foi uma estudiosa da inteligência humana.


Tags: Denise Matos, Educação seletiva, Invisibilidade, Profª Helena Antipoff,Superdotaçã

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