PARTE 11
GUENTHER, Z. (2009) Aceleração, ritmo de produção e trajetória escolar - desenvolvendo o
talento acadêmico, Rev. Educação Especial, vol 22, 35, p.281-298
Zenita C Guenther, Ph.D
CRITÉRIOS BÁSICOS PARA A ACELERAÇÃO DE SÉRIE
Como critério central para saltar séries, ou semestres
escolares, após a identificação apropriada dos alunos com talento acadêmico, não
é necessário haver mais do que a escola regularmente usa para aferir produção e
desempenho escolar, em termos de provas, exames e trabalhos didáticos. Exames e provas de rendimento escolar,
principalmente destinadas a turmas pós 4ª e 5ª séries, são medidas aceitas para
informar que alunos já adquiriram aquele conteúdo e estão prontos para as séries
seguintes. Embora os testes psicológicos para medir capacidade mental
sejam controversos, e discutíveis, a mesma dúvida não atinge testes e provas
escolares, bem estruturadas e administradas, como sinal confiável de aprendizado
adquirido, especificamente quando focadas no conteúdo desenvolvido em um
período de tempo definido, por exemplo, um ano, ou um semestre escolar.
- Saltar séries: até a 4ª. série fundamental
Avaliar conteúdo adquirido e nível de desenvolvimento escolar,
de uma criança até 9 ou 10 anos de idade, traz pouca dificuldade para as
escolas. Primeiro, os objetivos centrais a esse nível apontam amplamente para
habilidades de desempenho concreto e competências demonstráveis, e a quantidade
de aquisições é relativamente pequena, manejável para qualquer professor
razoavelmente preparado. Segundo, a presença de um só professor trabalhando
todos os dias com a criança, vivendo juntos a variedade de experiências e
situações de aprendizagem do currículo, facilita um conhecimento pessoal mais
profundo e abrangente, entre o professor e a criança, e dá uma visão mais
realista das suas capacidades e interesses.
O fato de ser um professor a lidar com um grupo de alunos,
na intimidade diária de uma sala de aulas, pode ter vantagens, no que concerne
a identificar capacidades e interesses, e pode ter desvantagens, pela atuação
de preconceitos, expectativas inapropriadas, e auto-realização de “profecias”
que, ao nível de relacionamento individual, tanto podem ser desfeitas como
enfatizadas. Por exemplo, crianças vindas de meios sócio-econômico pobres, moralmente
muito prejudicados, vistas comumente como “coitadinhas”, têm pouca chance de
reconhecimento de seu potencial intelectual. Alem disso, há o perigo de serem
interpretadas como “já desviadas” por expressar aprendizado adquirido no meio
onde vive, justamente por serem mais inteligentes!
O trânsito entre as séries, nessa faixa, é facilitado, pois os
famosos “amigos” estão presentes nos recreios, cantinas e atividades em comum.
Não há muito espaço para ficar “faltando” aprendizagens e conteúdo anterior, porque
a recuperação, quando necessária, pode acontecer em poucas semanas, não deixando
seqüelas por “falhas de conteúdo”.
...
após a 5ª série...
A pré-adolescência, 11– 12 anos, marca a passagem para outro ciclo
escolar, onde há um regime de relações totalmente diferente entre professores e
alunos. Nesse contexto, o desenvolvimento geral e pessoal da criança não está
sob supervisão de um professor, em particular, e não há alguém para ajudar “oficialmente”
a gerir a vida escolar do aluno, no dia a dia. A exposição da criança a um número
de professores que cuidam, não do seu aprendizado de modo geral, como era antes,
mas do ensino de um conteúdo específico, e o fatiar do trabalho escolar em
disciplinas, aulas, horários amplamente independentes uns dos outros deixa o
aluno navegando em um mar de idéias, pessoas, assuntos, nomes, lugares... sem
ter alguém que pense nele, em particular, a não ser... bem, a não ser que ele se
torne em um “problema”. Aqui os “bons alunos” enfrentam o maior desafio da vida
escolar, pois justamente por não terem problemas, não recebem atenção...
tornam-se números, médias, notas no boletim...
Quanto aos professores, também estão situados psicologicamente
longe dos alunos, atados por currículos em que de modo geral exercem pouco ou
nenhum controle... Não seria necessário alongar essa descrição, mas cabe
lembrar que a aceleração lida com aquisição de conteúdo escolar. Nessa situação
a dificuldade de avaliação é maior, mais espalhada por várias áreas e várias
pessoas. Saltar uma série a essa altura, após a diversificação do currículo em
disciplinas é um processo complexo, e às vezes mais necessário, especificamente
para os alunos com maiores dotes intelectuais.
Embora possa haver uma proporção de alunos com capacidade para
adquirir o conteúdo básico de todas as matérias, a avaliação para comprovação
documental tem que ser feita separadamente, em cada disciplina.
Não é fácil chegar a um consenso sobre a capacidade de aprender de
um aluno, quando a situação envolve professores diferentes, com conteúdos e
enfoques diferentes, que passam limitado tempo com variados grupos de alunos. A
essa altura do processo o corpo técnico da escola pode tomar um papel mais
relevante, e contribuir para uma visão geral do aluno, mas, por não lidar com
situações especificas de ensino e produção intelectual, corre o risco de suas
observações focalizarem somente o domínio sócio-afetivo que, por si só, não diz
muito sobre capacidade no domínio da inteligência.
Portanto, os critérios para acelerar um aluno na fase pós 5ª série
envolvem medidas seguras e consensuais, referentes a cada matéria e cada
período letivo (ano ou semestre), para assegurar que o conteúdo foi de fato adquirido,
e está sendo assimilado em grau de rapidez que aceita aceleração. Para o aluno
saltar uma série há que haver certeza, com documentação pertinente, de que ele
de fato domina o conteúdo estudado nas disciplinas daquela série, e anteriores,
a um grau acima da média exigida aos outros alunos.
Em qualquer hipótese, a aceleração não precisa ser tomada como uma
medida final e definitiva. Pode-se planejar um período de experimentação, em
que o aluno permanece inscrito na sua série, mas freqüenta a seguinte, com a
prerrogativa de transitar entre as duas, observar onde aprende mais, e como se
sente em relação aos professores, tarefas e ambiente geral da turma. Se
surgirem dificuldades, ou dúvidas, o processo pode ser re-planejado, sem
grandes complicações para o aluno.
Em relação às provas e exames especiais para aceleração, foi feito
em Mais Gerais um levantamento de dados para uma tese de mestrado (infelizmente
interrompido), entrevistando casos em que a aceleração foi permitida, ou negada,
pelos Conselhos de Educação. A mais freqüente queixa, quando a aceleração foi
negada, era de professores que traziam as provas de surpresa, alguns com
introdução do tipo: “Já que você é
superdotado não precisa estudar, já sabe a matéria”. Situações como essa
fazem grandes danos ao aluno, que mesmo depois de adultos se recordam do fato
com mágoa, sensação de terem sido injustiçados, e objeto de vingança dos
professores.
Um aluno pode ser acelerado com recomendações para estudar algum
ponto onde o conteúdo precisa ser reforçado. O ponto principal da avaliação
para aceleração não é “provar que sabe” mas localizar alunos com maior
capacidade para aprender, que gostam de estudar, para serem ajudados a fazer
render melhor o seu tempo de estudo. Essa é a essência da compatibilização
entre produção pessoal e temporalidade escolar.
5.6 - Medidas de suporte temporário
A
aceleração não é uma medida destinada a atingir grandes números de estudantes.
Ao contrário, é uma ajuda necessária exatamente quando o sistema escolar, ou a
escola, não consegue responder às necessidades individuais de alguns alunos.
Como lembra Joan Freeman, quanto maior a qualidade pedagógica da escola, menos
alunos precisam acelerar, porque há provisões para o desenvolvimento de todos e
cada um dos alunos, de acordo com suas necessidades pessoais. Porem quando o
sistema organiza-se em torno de prioridades e necessidades coletivas, em termos
de médias grupais, encontram-se mais alunos com necessidades individuais que
não recebem atenção.
Na se
deve perder de vista que o núcleo central da aceleração é identificar,
localizar, sinalizar, entre a população escolar os alunos que: a) têm
capacidade maior para aprender que as médias de seus pares, aprendem com
facilidade e retêm o material aprendido; e b) gostam de estudar, sentem-se bem
no ambiente escolar e participam de tarefas acadêmicas com satisfação e
envolvimento pessoal. Uma vez identificados, se eles não dominam o conteúdo pedido
nas provas, isso pode ser visto como um detalhe, pois evidentemente não se
consegue aprender o que não foi ensinado, ou de alguma forma disponibilizado à
aprendizagem. Mas, se eles possuem as características apontadas, podem ser
ajudados a adquirir rapidamente o que “falta”, com algum suporte temporário, e ir
à frente, evitando ficar um ano esperando por um conteúdo que pode ser
aprendido em um mês. Tais medidas podem ser tomadas pela escola, ou entidades
de apoio que se disponibilizem a ajudar os alunos mais capazes e motivados a ir
adiante.
- Turmas
paralelas de estudo
Alunos
com talento acadêmico corretamente identificado, mas que necessitam aprender conteúdo
curricular que ficou faltando de séries passadas, ou pode fazer falta no
futuro, podem ser reunidos em uma turma para estudo suplementar visando
aceleração. Tais turmas não devem ser muito numerosas, pois as necessidades serão
diferenciadas, embora possa haver pontos em comum. Tais turmas, mais como força
de expressão que idéia de agrupamento, seriam regidas por grupos de professores
que possam localizar falhas de
aprendizagem, e oferecer o ensino necessário para saná-las.
-
Instrução auto- regulada pelo aluno
Quando o aluno
apresenta maturidade e capacidade de trabalho independente, a escola pode se
incumbir de ajudá-lo a localizar os pontos sensíveis, fracos, ou ausentes em seu
aprendizado, e oferecer material e assistência para ele estudar sozinho, em seu
próprio tempo. Essa é uma medida útil nos períodos imediatamente anteriores aos
exames e provas de conteúdo, para ajudar ao aluno a rever o conteúdo, aprender
o que falta e sentir-se melhor preparado.
-
Compactação de Currículo
Uma medida
facilmente implementável, desde que haja colaboração dos professores, seria o
professor da disciplina compactar para o aluno a parte do conteúdo que ele
precisa aprender, e adiantar assuntos que seriam introduzidos mais tarde,
durante o ano letivo, por exemplo, adiantar o material do segundo semestre para
ele estudar sozinho, com supervisão próxima do próprio professor.
- Mentoria
Ainda mais fácil,
e geralmente bem aceito por alunos motivados, e famílias, é a procura de mentores
ou instrutores externos, atuando sob supervisão da escola. O papel dos
professores é indicar o conteúdo que o aluno precisa adquirir, ajudar a planificação,
e disponibilizar material e exercícios usados nas aulas regulares. Não se trata
de uma “preparação” para os exames de aceleração, como os “cursinhos e vestibulinhos”.
A idéia é que cada criança aprenda o conteúdo curricular que lhe falta, ou pode
vir a faltar, sem se preocupar com o que “vai cair na prova”.
Introduzir medidas
temporárias de suporte à aceleração não deve ser um “acréscimo”, ou uma
obrigação da escola, mas um tipo de assistência situacional disponibilizada a
um aluno, ou mais alunos– para estudar partes específicas do conteúdo
curricular que ele precisa adquirir para avançar na trajetória escolar.
Portanto, não devem ser obrigatórias aos alunos, nem responsabilidade dos
professores fazer estudar. Como medida, destina-se a alunos suficientemente
motivados, desejosos de maior estimulação mental, de avançar e ir para frente.
Se a criança sente que esse esforço é um peso, e que ela está satisfeita com a
situação atual, vamos deixá-la em paz com seu trabalho escolar.
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