sexta-feira, 1 de junho de 2012

PARTE 11 - GUENTHER, Z. (2009) Aceleração, ritmo de produção e trajetória escolar - CRITÉRIOS BÁSICOS PARA A ACELERAÇÃO DE SÉRIE


PARTE 11


GUENTHER, Z. (2009) Aceleração, ritmo de produção e trajetória escolar - desenvolvendo o talento acadêmico, Rev. Educação Especial, vol 22, 35, p.281-298


 


 Zenita C Guenther, Ph.D



CRITÉRIOS BÁSICOS PARA A ACELERAÇÃO DE SÉRIE



Como critério central para saltar séries, ou semestres escolares, após a identificação apropriada dos alunos com talento acadêmico, não é necessário haver mais do que a escola regularmente usa para aferir produção e desempenho escolar, em termos de provas, exames e trabalhos didáticos. Exames e provas de rendimento escolar, principalmente destinadas a turmas pós 4ª e 5ª séries, são medidas aceitas para informar que alunos já adquiriram aquele conteúdo e estão prontos para as séries seguintes. Embora os testes psicológicos para medir capacidade mental sejam controversos, e discutíveis, a mesma dúvida não atinge testes e provas escolares, bem estruturadas e administradas, como sinal confiável de aprendizado adquirido, especificamente quando focadas no conteúdo desenvolvido em um período de tempo definido, por exemplo, um ano, ou um semestre escolar.



- Saltar séries:  até a 4ª. série fundamental



Avaliar conteúdo adquirido e nível de desenvolvimento escolar, de uma criança até 9 ou 10 anos de idade, traz pouca dificuldade para as escolas. Primeiro, os objetivos centrais a esse nível apontam amplamente para habilidades de desempenho concreto e competências demonstráveis, e a quantidade de aquisições é relativamente pequena, manejável para qualquer professor razoavelmente preparado. Segundo, a presença de um só professor trabalhando todos os dias com a criança, vivendo juntos a variedade de experiências e situações de aprendizagem do currículo, facilita um conhecimento pessoal mais profundo e abrangente, entre o professor e a criança, e dá uma visão mais realista das suas capacidades e interesses.




O fato de ser um professor a lidar com um grupo de alunos, na intimidade diária de uma sala de aulas, pode ter vantagens, no que concerne a identificar capacidades e interesses, e pode ter desvantagens, pela atuação de preconceitos, expectativas inapropriadas, e auto-realização de “profecias” que, ao nível de relacionamento individual, tanto podem ser desfeitas como enfatizadas. Por exemplo, crianças vindas de meios sócio-econômico pobres, moralmente muito prejudicados, vistas comumente como “coitadinhas”, têm pouca chance de reconhecimento de seu potencial intelectual. Alem disso, há o perigo de serem interpretadas como “já desviadas” por expressar aprendizado adquirido no meio onde vive, justamente por serem mais inteligentes!



O trânsito entre as séries, nessa faixa, é facilitado, pois os famosos “amigos” estão presentes nos recreios, cantinas e atividades em comum. Não há muito espaço para ficar “faltando” aprendizagens e conteúdo anterior, porque a recuperação, quando necessária, pode acontecer em poucas semanas, não deixando seqüelas por “falhas de conteúdo”.



        ... após a 5ª série...



A pré-adolescência, 11– 12 anos, marca a passagem para outro ciclo escolar, onde há um regime de relações totalmente diferente entre professores e alunos. Nesse contexto, o desenvolvimento geral e pessoal da criança não está sob supervisão de um professor, em particular, e não há alguém para ajudar “oficialmente” a gerir a vida escolar do aluno, no dia a dia. A exposição da criança a um número de professores que cuidam, não do seu aprendizado de modo geral, como era antes, mas do ensino de um conteúdo específico, e o fatiar do trabalho escolar em disciplinas, aulas, horários amplamente independentes uns dos outros deixa o aluno navegando em um mar de idéias, pessoas, assuntos, nomes, lugares... sem ter alguém que pense nele, em particular, a não ser... bem, a não ser que ele se torne em um “problema”. Aqui os “bons alunos” enfrentam o maior desafio da vida escolar, pois justamente por não terem problemas, não recebem atenção... tornam-se números, médias, notas no boletim...



Quanto aos professores, também estão situados psicologicamente longe dos alunos, atados por currículos em que de modo geral exercem pouco ou nenhum controle... Não seria necessário alongar essa descrição, mas cabe lembrar que a aceleração lida com aquisição de conteúdo escolar. Nessa situação a dificuldade de avaliação é maior, mais espalhada por várias áreas e várias pessoas. Saltar uma série a essa altura, após a diversificação do currículo em disciplinas é um processo complexo, e às vezes mais necessário, especificamente para os alunos com maiores dotes intelectuais.




Embora possa haver uma proporção de alunos com capacidade para adquirir o conteúdo básico de todas as matérias, a avaliação para comprovação documental tem que ser feita separadamente, em cada disciplina.




Não é fácil chegar a um consenso sobre a capacidade de aprender de um aluno, quando a situação envolve professores diferentes, com conteúdos e enfoques diferentes, que passam limitado tempo com variados grupos de alunos. A essa altura do processo o corpo técnico da escola pode tomar um papel mais relevante, e contribuir para uma visão geral do aluno, mas, por não lidar com situações especificas de ensino e produção intelectual, corre o risco de suas observações focalizarem somente o domínio sócio-afetivo que, por si só, não diz muito sobre capacidade no domínio da inteligência.




Portanto, os critérios para acelerar um aluno na fase pós 5ª série envolvem medidas seguras e consensuais, referentes a cada matéria e cada período letivo (ano ou semestre), para assegurar que o conteúdo foi de fato adquirido, e está sendo assimilado em grau de rapidez que aceita aceleração. Para o aluno saltar uma série há que haver certeza, com documentação pertinente, de que ele de fato domina o conteúdo estudado nas disciplinas daquela série, e anteriores, a um grau acima da média exigida aos outros alunos.  




Em qualquer hipótese, a aceleração não precisa ser tomada como uma medida final e definitiva. Pode-se planejar um período de experimentação, em que o aluno permanece inscrito na sua série, mas freqüenta a seguinte, com a prerrogativa de transitar entre as duas, observar onde aprende mais, e como se sente em relação aos professores, tarefas e ambiente geral da turma. Se surgirem dificuldades, ou dúvidas, o processo pode ser re-planejado, sem grandes complicações para o aluno.




Em relação às provas e exames especiais para aceleração, foi feito em Mais Gerais um levantamento de dados para uma tese de mestrado (infelizmente interrompido), entrevistando casos em que a aceleração foi permitida, ou negada, pelos Conselhos de Educação. A mais freqüente queixa, quando a aceleração foi negada, era de professores que traziam as provas de surpresa, alguns com introdução do tipo: “Já que você é superdotado não precisa estudar, já sabe a matéria”. Situações como essa fazem grandes danos ao aluno, que mesmo depois de adultos se recordam do fato com mágoa, sensação de terem sido injustiçados, e objeto de vingança dos professores.




Um aluno pode ser acelerado com recomendações para estudar algum ponto onde o conteúdo precisa ser reforçado. O ponto principal da avaliação para aceleração não é “provar que sabe” mas localizar alunos com maior capacidade para aprender, que gostam de estudar, para serem ajudados a fazer render melhor o seu tempo de estudo. Essa é a essência da compatibilização entre produção pessoal e temporalidade escolar.




5.6 - Medidas de suporte temporário



A aceleração não é uma medida destinada a atingir grandes números de estudantes. Ao contrário, é uma ajuda necessária exatamente quando o sistema escolar, ou a escola, não consegue responder às necessidades individuais de alguns alunos. Como lembra Joan Freeman, quanto maior a qualidade pedagógica da escola, menos alunos precisam acelerar, porque há provisões para o desenvolvimento de todos e cada um dos alunos, de acordo com suas necessidades pessoais. Porem quando o sistema organiza-se em torno de prioridades e necessidades coletivas, em termos de médias grupais, encontram-se mais alunos com necessidades individuais que não recebem atenção.




Na se deve perder de vista que o núcleo central da aceleração é identificar, localizar, sinalizar, entre a população escolar os alunos que: a) têm capacidade maior para aprender que as médias de seus pares, aprendem com facilidade e retêm o material aprendido; e b) gostam de estudar, sentem-se bem no ambiente escolar e participam de tarefas acadêmicas com satisfação e envolvimento pessoal. Uma vez identificados, se eles não dominam o conteúdo pedido nas provas, isso pode ser visto como um detalhe, pois evidentemente não se consegue aprender o que não foi ensinado, ou de alguma forma disponibilizado à aprendizagem. Mas, se eles possuem as características apontadas, podem ser ajudados a adquirir rapidamente o que “falta”, com algum suporte temporário, e ir à frente, evitando ficar um ano esperando por um conteúdo que pode ser aprendido em um mês. Tais medidas podem ser tomadas pela escola, ou entidades de apoio que se disponibilizem a ajudar os alunos mais capazes e motivados a ir adiante.



        - Turmas paralelas de estudo



Alunos com talento acadêmico corretamente identificado, mas que necessitam aprender conteúdo curricular que ficou faltando de séries passadas, ou pode fazer falta no futuro, podem ser reunidos em uma turma para estudo suplementar visando aceleração. Tais turmas não devem ser muito numerosas, pois as necessidades serão diferenciadas, embora possa haver pontos em comum. Tais turmas, mais como força de expressão que idéia de agrupamento, seriam regidas por grupos de professores que possam localizar  falhas de aprendizagem, e oferecer o ensino necessário para saná-las.




        - Instrução auto- regulada pelo aluno



Quando o aluno apresenta maturidade e capacidade de trabalho independente, a escola pode se incumbir de ajudá-lo a localizar os pontos sensíveis, fracos, ou ausentes em seu aprendizado, e oferecer material e assistência para ele estudar sozinho, em seu próprio tempo. Essa é uma medida útil nos períodos imediatamente anteriores aos exames e provas de conteúdo, para ajudar ao aluno a rever o conteúdo, aprender o que falta e sentir-se melhor preparado.



        - Compactação de Currículo



Uma medida facilmente implementável, desde que haja colaboração dos professores, seria o professor da disciplina compactar para o aluno a parte do conteúdo que ele precisa aprender, e adiantar assuntos que seriam introduzidos mais tarde, durante o ano letivo, por exemplo, adiantar o material do segundo semestre para ele estudar sozinho, com supervisão próxima do próprio professor.




        - Mentoria



Ainda mais fácil, e geralmente bem aceito por alunos motivados, e famílias, é a procura de mentores ou instrutores externos, atuando sob supervisão da escola. O papel dos professores é indicar o conteúdo que o aluno precisa adquirir, ajudar a planificação, e disponibilizar material e exercícios usados nas aulas regulares. Não se trata de uma “preparação” para os exames de aceleração, como os “cursinhos e vestibulinhos”. A idéia é que cada criança aprenda o conteúdo curricular que lhe falta, ou pode vir a faltar, sem se preocupar com o que “vai cair na prova”.




Introduzir medidas temporárias de suporte à aceleração não deve ser um “acréscimo”, ou uma obrigação da escola, mas um tipo de assistência situacional disponibilizada a um aluno, ou mais alunos– para estudar partes específicas do conteúdo curricular que ele precisa adquirir para avançar na trajetória escolar. Portanto, não devem ser obrigatórias aos alunos, nem responsabilidade dos professores fazer estudar. Como medida, destina-se a alunos suficientemente motivados, desejosos de maior estimulação mental, de avançar e ir para frente. Se a criança sente que esse esforço é um peso, e que ela está satisfeita com a situação atual, vamos deixá-la em paz com seu trabalho escolar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário