Extraído do site http://noticias.terra.com.br/educacao/noticias/0,,OI5682004-EI8266,00-Superdotados+teriam+preparacao+melhor+em+escolas+convencionais.html
24 de
março de 2012 • 10h16
A médica Carla Gapski, 38 anos,
de São José dos Pinhais (PR), começou a estranhar quando o filho
Bernardo Gapski Schionato, ainda na pré-escola, não queria ir para a aula,
queixando-se de não aprender nada. A mãe, então, procurou o Instituto para
Otimização da Aprendizagem (Inodap), em Curitiba (PR), onde descobriu a superdotação
de Bernardo, hoje com sete anos. "Como ninguém identificava as
dificuldades dele, trocamos o Bernardo de escola para um ambiente em que havia
uma abertura maior. Na nova escola, ele passou um ano tranquilo, em uma turma
bastante heterogênea, convivendo, inclusive, com dois colegas autistas. A
escola tenta trabalhar com as diferenças sem constranger os outros
alunos", relata.
Com uma grande facilidade em
linguística e matemática, Bernardo já cursa a quarta série do ensino
fundamental, mas apresenta dificuldades em áreas como a caligrafia. Por isso,
Carla acredita que instituições especializadas possam ser alternativas
melhores, sentimento natural de pais de superdotados, segundo a coordenadora do
Inodap, Maria Lúcia Sabatella.
Contudo, ela afirma que segregar não é solução e alerta para os benefícios de
inserir esses alunos em ambientes heterogêneos. "As escolas é que
precisam estar preparadas para entender as crianças. Além disso, a mistura
entre alunos diferentes é muito saudável. Eles têm que aprender a lidar com a
diversidade. Claro que os pais achariam ótimo que os filhos estudassem em
escolas especializadas na superdotação. Mas também é preciso pensar que,
futuramente, essas crianças serão obrigadas a enfrentar situações adversas",
ressalta.
Maria Lúcia reconhece que falta
preparo para professores lidarem com alunos como o pequeno Bernardo. Faz coro à especialista a pedagoga Maria
Clara Sodré. Segundo ela, os professores brasileiros não recebem
nenhuma orientação específica durante a formação, tanto nos cursos de pedagogia
quanto nos de licenciatura. Para Maria Clara, a capacitação deveria
começar pelo básico : ensinar aos futuros professores o que é superdotação,
como identificá-la e o que a legislação garante para esses estudantes
especiais.
O Inodap, que passou à categoria
de ONG em 2000, é especializado no atendimento a superdotados desde 1993. A
instituição realiza avaliação para detectar a superdotação e dá acompanhamento
para as crianças e seus pais. Além disso, todos os profissionais passam por um
período de três meses de capacitação, nos quais participam de seminários e
palestras sobre o assunto e acompanham os processos de avaliação das crianças.
Eles, inclusive, são submetidos a testes de mapeamento cerebral para que se
identifique seus perfis de interação social.
A equipe também pode realizar
visitas às escolas dos alunos que frequentam o Inodap. Com a autorização dos
pais, os profissionais acompanham como vai a vida escolar do estudante, podendo
fazer sugestões de atividades para serem feitas em aula. Cada um desses
processos de acompanhamento varia de acordo com a adaptação das crianças dentro
da escola. Além disso, em alguns colégios, os profissionais do instituto são
chamados para fazer palestras sobre a superdotação.
"Mantemos uma longa conversa
na primeira consulta e depois falamos com os professores na escola da criança,
além de orientarmos aos pais das crianças pequenas e de adolescentes, com
grupos de discussão de textos. Muitas vezes, a superdotação é confundida com a
hiperatividade. É fácil que haja essa confusão, pois a conduta é parecida:
tanto o superdotado quanto o hiperativo são impacientes, mas o primeiro tem uma
facilidade maior de aprendizagem do que o segundo", esclarece.
Atividades devem estimular senso crítico e criatividade
Especializada no trabalho com superdotados, Maria Clara promove no
Instituto Lecca, em convênio com a Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, um
programa de acompanhamento a 24 crianças do terceiro ano do ensino fundamental
de escolas públicas da cidade nas quais é identificada a superdotação. Essas
crianças são selecionadas entre cerca de 3.500 jovens nas 50 escolas indicadas
pela secretaria, a partir de uma série de testes de raciocínio lógico, provas
de conhecimentos em português, matemática e redação, além de entrevistas,
também com os pais. Após esse processo de seleção, são escolhidas as mais aptas
e com menor poder aquisitivo, que passarão por um período de acompanhamento e
preparação para ingressarem em colégios públicos de excelência da cidade, como
o D. Pedro II e o Militar.
Durante dois anos, são feitas uma
série de atividades que visam a aumentar a capacidade de pensamento crítico e
criativo das crianças, além do desenvolvimento de uma cultura geral, a partir
de visitas a museus, exibição de filmes, debates de temas da atualidade e
abordagem mais lúdica de conteúdos de português e matemática. Após esse
período, os alunos realizam então o exame de admissão nas escolas. "O
processo de ensino é mais participativo: o aluno não é passivo em sua
aprendizagem. A nossa meta de aprovação entre este grupo é de, no mínimo, 80%,
mas as crianças costumam ultrapassar esse número", comemora a pedagoga.
Legislação garante programa de atenção diferenciado
Segundo Maria Clara, ainda há um desconhecimento por parte das instituições
de ensino sobre a legislação referente aos superdotados. "Eles já têm
direito a um programa de atenção diferenciado, com um currículo mais abrangente
e atenção especial dentro e fora da escola, desde os anos 1970, mas as
instituições de ensino desconhecem. A lei também permite que esse alunos
possam pular de ano, mesmo que a criança tenha capacidade de aceleração apenas
em uma matéria. Mas isso acontece de fato em pouquíssimas escolas brasileiras.
Também há a tendência natural de ter dificuldade para lidar com a novidade, que
faz com que os colégios neguem ter alunos superdotados", afirma,
acrescentando que a legislação do país é bem avançada.
Além dos testes,
existem outras formas mais abrangentes para detectar a superdotação. "Como o QI mede apenas a linguagem e o raciocínio, outras seis
áreas da inteligência não são levadas em conta. E a sua função nem é
essa, na verdade, então ele distorce bastante. O QI tem uma razão clínica: foi
criado para medir defasagens de conhecimento, não para detectar casos de
inteligência acima da média. Para identificar a superdotação são usados uma
série de testes informais, de uma forma mais espontânea, mais focados nas
capacidades verbais, com crianças pequenas, por exemplo", afirma
Maria Lúcia.
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