Extraído do site : http://www.saberautismo.com.br/portal/blog/autismo-leve-sindrome-de-asperger-ou-superdotacaoaltas-habilidadesij
Por Drª
Maria Claudia Brito. Habilidades
surpreendentes de memorização, atenção prodigiosa a detalhes, vocabulário
diferenciado, fala com plurais rigorosamente corretos aparentemente rebuscada
para a idade e a escolaridade, habilidades precoces de leitura, sendo capaz de
ler livros inteiros em pouco tempo, intenso interesse por números e assuntos
não habituais para a idade.
Autismo Leve, Síndrome de Asperger ou
Superdotação/Altas Habilidades?
Neste
texto pretendo chamar atenção para o fato de algumas crianças com Autismo Leve/síndrome de Asperger demorarem para
receber o atendimento adequado, pelo fato de apresentarem determinadas
características, como habilidades precoces de leitura e incomum interesse por
números e letras. Neste cenário algumas vezes suas dificuldades podem ficar
minimizadas ou despercebidas por mais tempo.
Habilidades surpreendentes de
memorização, atenção prodigiosa a detalhes, vocabulário diferenciado, fala com
plurais rigorosamente corretos aparentemente rebuscada para a idade e a
escolaridade, habilidades precoces de leitura, sendo capaz de ler livros
inteiros em pouco tempo, intenso interesse por números e assuntos não habituais
para a idade.
Você
conhece alguma criança com menos de cinco que apresenta características
parecidas?
Muitas
vezes conversei com familiares e professores que ao ter diante de si uma
criança com tais características, levantaram
como primeira hipótese Altas Habilidades/ Superdotação (AH/SD).
Poderia
ser o caso, mas na maioria das vezes o que observei
em minha prática clínica foram outros aspectos importantes no desenvolvimento
da criança, que caracterizavam um transtorno do espectro do autismo.
Provavelmente,
o fato de em minhas experiências o desenrolar dessas histórias culminar em
espectro do autismo e não em AH/SD, está relacionado ao fato de estas crianças
chegarem a mim em função de suas dificuldades em aspectos da linguagem
oral e/ou escrita, paralelas à precocidade em algumas habilidades.
Comumente
suas histórias trazem relatos como: “Ele
lê muito bem, mas não consegue explicar o que leu”. “Ele tem um vocabulário muito avançado para a
idade, mas não compreende algumas perguntas e solicitações simples que
outras crianças da mesma idade costumam compreender”.
Atualmente
o DSM V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 2013)
descreve tais casos como transtorno do espectro do autismo, mais especificamente
nesses casos, o Autismo Leve (Nível 1). Anteriormente à atualização do DMV 5 em
2013, estes casos eram conhecidos como síndrome de Asperger ou Transtorno de Asperger.
A confusão com a
superdotação pode ocorrer porque, tanto as crianças com autismo/síndrome
de Asperger, quanto as crianças superdotadas podem demonstrar interesse
bem precoce por letras e números, sendo que as crianças com síndrome de
Asperger podem muitas vezes aprender a ler sozinhas com 2 ou 3
anos sem instrução formal (hiperlexia). Contudo, além das altas habilidades
demonstradas por algumas crianças que apresentam a Síndrome de Asperger, habitualmente são observadas determinadas
dificuldades como: dificuldades
motoras com a grafia (letra considerada bem feia) e ou interpretação de
textos (Hakim), maiores dificuldades de mudança de
rotina e de contato social, ausência de compreensão de
abstrações, estereotipias (Neihart,
2000) e dificuldades com o uso funcional
e social da linguagem (Brito, 2011).
Dificuldades
no desenvolvimento da linguagem trazem algumas destas crianças ao consultório
fonoaudiológico, mas algumas vezes, infelizmente
isso não ocorre por ainda ser comum a ideia de que problemas de comunicação
estão restritos ao “não falar” (ausência total de fala) ou ”ao falar errado”
(trocas de sons nas palavras, por exemplo: “matato” ao invés de “macaco”). Este tipo
de crença aliada ao fato de essas crianças apresentarem determinadas “ilhas de
habilidades” ou “hiperfoco” estão muitas vezes associados à demora em buscar
auxílio específico.
Deve-se estar atento quando uma
criança fala aparentemente muito bem, com precisão fonético-fonológica, mas o
conteúdo causa alguma estranheza aos pais, como por exemplo, ficar repetindo uma mesma frase em momentos em que
não há relação desta com o contexto (ecolalias e falas descontextualizadas), dificuldades para contar fatos cotidianos
ocorridos na escola ao passo que a mesma criança consegue reproduzir um longo
texto lido em um livro com riqueza de detalhes. As dificuldades específicas
na comunicação
social são aspectos bastante relevantes nesta diferenciação, pois são
indicativos do transtorno do espectro do autismo e não são comuns a crianças
com superdotação. Crianças
com síndrome de Asperger podem apresentar ainda dificuldades na
compreensão de mensagens por meio do tom de voz, de gestos ou ironias, que tem
implicações em suas habilidades sociais.
Segundo Hakim, as crianças superdotadas podem eventualmente sofrer de problemas no
ajustamento socioemocional. Uma vez
que o desenvolvimento das capacidades mentais e intelectuais encontra-se muito
acentuado, e incompatível com os pares da mesma idade, é comum que o
superdotado tenha prejuízos na interação social, devido à dificuldade em
compartilhar os mesmos interesses, entre outros aspectos. Assim, crianças com
AH/SD também necessitam ficar sozinhas, algumas vezes, para buscar seus
interesses e desenvolver alguma atividade que requer afastamento, mas isto não
significa um isolamento total ou déficit na cognição social.
Portanto
quando crianças com altas habilidades/superdotação necessitam de apoio especial
para garantir sua efetiva inclusão e oportunidades de desenvolver plenamente
suas habilidades, este suporte é
bastante distinto daquele que uma criança com síndrome de Asperger pode
precisar.
Alguns
autores descrevem o que é denominado de Dupla
Excepcionalidade (Pfeiffer, 2013) em que a criança com síndrome de
Asperger/Autismo Leve também apresenta altas habilidades/superdotação.
Nesse
contexto temos outra dificuldade. Como aponta Neihart (2000) clinicamente são verificadas dificuldades
na realização da identificação de AH/SD em crianças com Síndrome de Asperger,
pela fato de muitas vezes esta síndrome estar relacionada à dificuldades
pontuais de aprendizagem, ao contrário do que é frequentemente pensado em
AH/SD. Assim as oportunidades para desenvolver as altas habilidades de uma
criança com síndrome de Asperger também podem ser subaproveitadas.
Por fim,
destaco que o espectro do autismo pode trazer uma ampla gama de características
e particularidades que irão interferir diretamente no atendimento terapêutico e
educacional que necessita ser oferecido. Este texto, tem como principal
objetivo chamar atenção para este fato e para a necessidade de estarmos atentos
às particularidades de cada criança para melhor avaliar e planejar práticas que
permitam que ela desenvolva-se o mais plenamente possível.
Autora do
texto : Drª MARIA CLAUDIA BRITO
Referências
Brito,
Maria Claudia. Síndrome de Asperger e educação inclusiva :
análise de atitudes sociais e interações sociais. 168 f. Tese (Doutorado em
Educação) – Universidade Estadual Paulista, UNESP/SP, Brasil. 2011.
Castles A, Crichton A, Prior M. Developmental
dissociations between lexical reading and comprehension: evidence from two
cases of hiperlexia. Cortex.
2010;46(10):1238-47.
Fleith DS.
Altas habilidades e desenvolvimento socioemocional. In: Fleith
DS, Alencar EMLS, eds. Desenvolvimento
de talentos e altas habilidades: orientação a pais e professores. Porto Alegre:
Artmed; 2007. p.41-50.
Hakim, Claudia:
maedecriançassuperdotadas.blogspot.com.br.
Neihart M. Gifted children with Asperger's
syndrome. Gifted Child Quarterly. 2000;44(4): 222-30.
Pfeiffer SI. Serving the gifted:
evidence-based clinical and psychoeducational practice. New York: Routledge; 2013.
Maria
Claudia Brito -
Fonoaudióloga,
Pós-Doutora e Doutora (PhD) em Educação, Mestre em Psicologia (todos com ênfase
em Autismo), UNESP/SP. Professora Universitária, Pesquisadora do CNPq/SET-A em
Autismo, Robótica e Linguagem e do Grupo de Pesquisa CNPq Diferença, Desvio e
Estigma, UNESP/SP. Diretora do Instituto Nacional Saber Autismo.
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