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Texto de autoria de Maria Claudia Brito, Fonoaudióloga, Pós-Doutora e Doutora (PhD) em Educação, Mestre em Psicologia (todos com ênfase em Autismo), UNESP/SP. Professora Universitária, Pesquisadora do CNPq/SET-A em Autismo e Linguagem e do Grupo de Pesquisa CNPq Diferença, Desvio e Estigma, UNESP/SP. Diretora do Instituto Nacional Saber Autismo.
Por Drª Maria Claudia
Brito. Habilidades surpreendentes de memorização, atenção prodigiosa a
detalhes, vocabulário diferenciado, fala com plurais rigorosamente corretos
aparentemente rebuscada para a idade e a escolaridade, habilidades precoces de
leitura, sendo capaz de ler livros inteiros em pouco tempo, intenso interesse
por números e assuntos não habituais para a idade.
Autismo Leve, Síndrome de Asperger ou Superdotação/Altas
Habilidades?
Neste texto pretendo
chamar atenção para o fato de algumas crianças com Autismo Leve/Síndrome de
Asperger demorarem para receber o atendimento adequado, pelo fato de apresentarem determinadas características, como
habilidades precoces de leitura e incomum interesse por números e letras. Neste
cenário algumas vezes suas dificuldades
podem ficar minimizadas ou despercebidas por mais tempo.
Habilidades surpreendentes de memorização, atenção prodigiosa
a detalhes, vocabulário diferenciado, fala com plurais rigorosamente corretos
aparentemente rebuscada para a idade e a escolaridade, habilidades precoces de
leitura, sendo capaz de ler livros inteiros em pouco tempo, intenso interesse
por números e assuntos não habituais para a idade.
Muitas vezes conversei com
familiares e professores que ao ter
diante de si uma criança com tais características, levantaram como primeira hipótese Altas Habilidades/ Superdotação
(AH/SD).
Poderia ser o caso, mas na maioria das vezes o que observei em minha prática clínica foram
outros aspectos importantes no desenvolvimento da criança, que caracterizavam
um transtorno do espectro do autismo.
Provavelmente, o fato de em minhas experiências o desenrolar dessas histórias culminar
em espectro do autismo e não em AH/SD, está relacionado ao fato de
estas crianças chegarem a mim em função de suas dificuldades em aspectos da
linguagem oral e/ou escrita, paralelas à precocidade em algumas habilidades.
Comumente suas histórias
trazem relatos como: “Ele lê muito bem,
mas não consegue explicar o que leu”. “Ele
tem um vocabulário muito avançado para a idade, mas não compreende algumas
perguntas e solicitações simples que outras crianças da mesma idade costumam
compreender”.
Atualmente o DSM V (Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 2013) descreve tais casos
como transtorno do espectro do autismo, mais specificamente nesses casos, o Autismo
Leve (Nível 1). Anteriormente à atualização do DMV 5 em 2013, estes casos eram
conhecidos como síndrome de Asperger ou Transtorno de Asperger.
A confusão com a superdotação pode ocorrer porque, tanto as crianças com autismo/síndrome de Asperger, quanto as crianças
superdotadas podem demonstrar interesse bem precoce por letras e números,
sendo que as crianças com síndrome de Asperger podem
muitas vezes apreder a ler sozinhas com 2 ou 3 anos sem instrução formal
(hiperlexia). Contudo, além
das altas habilidades demonstradas por algumas crianças que apresentam a
Síndrome de Asperger, habitualmente são observadas determinadas dificuldades como: dificuldades motoras com a grafia (letra considerada bem feia) e ou
interpretação de textos (Hakim), maiores dificuldades de mudança de rotina e de contato social, ausência de compreensão
de abstrações, estereotipias
(Neihart, 2000) e dificuldades com o uso funcional e social da linguagem
(Brito, 2011).
Dificuldades no
desenvolvimento da linguagem trazem algumas destas crianças ao consultório
fonoaudiológico, mas algumas vezes, infelizmente isso não ocorre por ainda ser
comum a ideia de que problemas de comunicação estão restritos ao “não falar”
(ausência total de fala) ou ”ao falar errado” (trocas de sons nas palavras, por
exemplo: “matato” ao invés de “macaco”). Este tipo de crença aliada ao fato de essas crianças apresentarem
determinadas “ilhas de habilidades” ou “hiperfoco” estão muitas vezes
associados à demora em buscar auxílio específico.
Deve-se estar atento quando uma criança fala aparentemente muito
bem, com precisão
fonético-fonológica, mas o conteúdo causa alguma estranheza aos pais, como
por exemplo, ficar repetindo uma mesma frase em momentos em que não há relação
desta com o contexto (ecolalias e falas descontextualizadas), dificuldades para
contar fatos cotidianos ocorridos na escola ao passo que a mesma criança consegue reproduzir um longo texto lido em
um livro com riqueza de detalhes. As dificuldades específicas na
comunicação social são aspectos bastante relevantes nesta diferenciação, pois são indicativos do transtorno do espectro do autismo e não são
comuns a crianças com superdotação. Crianças com síndrome de
Asperger podem apresentar ainda dificuldades na compreensão de mensagens por
meio do tom de voz, de gestos ou ironias, que tem implicações em suas
habilidades sociais.
Segundo Hakim,
as crianças superdotadas podem eventualmente sofrer de problemas no ajustamento
socioemocional. Uma vez que o desenvolvimento das capacidades mentais e
intelectuais encontra-se muito acentuado, e incompatível com os pares da mesma
idade, é comum que o superdotado tenha prejuízos na interação social, devido à
dificuldade em compartilhar os mesmos interesses, entre outros aspectos. Assim,
crianças com AH/SD também necessitam ficar sozinhas, algumas vezes, para buscar
seus interesses e desenvolver alguma atividade que requer afastamento, mas isto não significa um isolamento total ou déficit na cognição
social.
Portanto quando crianças
com altas habilidades/superdotação necessitam de apoio especial para garantir
sua efetiva inclusão e oportunidades de desenvolver plenamente suas
habilidades, este suporte é bastante
distinto daquele que uma criança com síndrome de Asperger pode precisar.
Alguns autores descrevem o
que é denominado de Dupla
Excepcionalidade (Pfeiffer, 2013) em que a criança com síndrome de
Asperger/Autismo Leve também apresenta altas habilidades/superdotação.
Nesse contexto temos outra
dificuldade. Como aponta Neihart (2000) clinicamente são verificadas
dificuldades na realização da identificação de AH/SD em crianças com Síndrome
de Asperger, pela fato de muitas vezes esta síndrome estar relacionada à
dificuldades pontuais de aprendizagem, ao contrário do que é frequentemente
pensado em AH/SD. Assim as oportunidades para desenvolver as altas habilidades
de uma criança com síndrome de Asperger também ser subaproveitadas.
Por fim, destaco que o
espectro do autismo pode trazer uma ampla gama de características e
particularidades que irão interferir diretamente no atendimento terapêutico e
educacional que necessita ser oferecido. Este texto, tem como principal objetivo chamar atenção para este fato e
para a necessidade de estarmos atentos às particularidades de cada criança
para melhor avaliar e planejar práticas que permitam que ela desenvolva-se o
mais plenamente possível.
Brito, Maria Claudia.
Síndrome de Asperger e educação inclusiva : análise de atitudes sociais e
interações sociais. 168 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual
Paulista, UNESP/SP, Brasil. 2011.
Castles A, Crichton A,
Prior M. Developmental dissociations between lexical reading and comprehension:
evidence from two cases of hiperlexia. Cortex. 2010;46(10):1238-47.
Fleith DS. Altas
habilidades e desenvolvimento socioemocional. In: Fleith DS, Alencar EMLS, eds.
Desenvolvimento de talentos e altas habilidades: orientação a pais e
professores. Porto Alegre: Artmed; 2007. p.41-50.
Hakim, Claudia: maedecriançassuperdotadas.blogspot.com.br.
Neihart M. Gifted children
with Asperger's syndrome. Gifted Child Quarterly. 2000;44(4): 222-30.
Pfeiffer SI. Serving the
gifted: evidence-based clinical and psychoeducational practice. New York:
Routledge; 2013.
Maria Claudia Brito
Fonoaudióloga, Pós-Doutora
e Doutora (PhD) em Educação, Mestre em Psicologia (todos com ênfase em
Autismo), UNESP/SP. Professora Universitária, Pesquisadora do CNPq/SET-A em
Autismo, Robótica e Linguagem e do Grupo de Pesquisa CNPq Diferença, Desvio e
Estigma, UNESP/SP. Diretora do Instituto Nacional Saber Autismo.
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