sábado, 21 de maio de 2016

A arte de aceitar que nossos filhos podem não ser do jeito que a gente sonhou. E tudo bem


 Antirromântico
A arte de aceitar que nossos filhos podem não ser do jeito que a gente sonhou. E tudo bem

O FILHO ANTIRROMÂNTICO

RITA LISAUSKAS

A arte de aceitar que nossos filhos podem não ser do jeito que a gente sonhou. E tudo bem
  
Ano passado ganhei “O filho antirromântico”, livro escrito por Priscilla Gilman, uma professora de literatura muito brilhante, casada também com um professor universitário extraordinário. O casal tem um filho que, no início, parece uma criança absurdamente genial. Benjamin reconhece o alfabeto com pouco mais de um ano, aos dois já lê livros inteiros e os pais, claro, deliciam-se com a tal precocidade do filho. Aos poucos, bem aos poucos mesmo, a mãe percebe que algo não vai bem. Embora o menino pareça ser tão admiravelmente adiantado para algumas coisas era, por outro lado, uma criança com dificuldade em lidar com os barulhos normais do dia-a-dia, além de apresentar problemas sensoriais e sociais sérios: relacionar-se ou compreender as pequenas nuances cotidianas é muito difícil para ele. Priscilla descobre, aos trancos e barrancos, que o filho sofria de hiperlexia, um transtorno de desenvolvimento associado ao autismo.

Esse livro me tocou muito e eu o indiquei para duas mães que surgiram na minha vida e que, em algum momento, depararam-se com esse momento ímpar: a descoberta dura de que o filho não era bem aquilo o que ela esperava, desejava ou sonhava. Esse momento é de muita dor e de muita culpa, já que você ama absurdamente seu filho mas, de alguma forma, ele não “correspondeu” às suas expectativas, embora você não admita isso nem sob tortura. Entra-se em um período de luto, da “perda” do filho idealizado e a aceitação do filho possível, que é aquele que você tem. E por quem nutre uma devoção absoluta.

Sempre ouço, em rodinhas de conversas de mães, considerações sobre como seus filhos são inteligentes, precoces e acima da média. “Meu filho começou a andar com 10 meses!” ou “Tem apenas 5 anos e já lê e escreve tudo!” É uma corrida, muitas vezes inocente, pelo título de mãe do novo Einstein. Sem que as pessoas saibam que Einstein, por ironia do destino, só aprendeu a falar com 4 anos e foi uma criança cheia de singularidades e dificuldades. E que nossos filhos, na maioria absoluta das vezes, são apenas crianças normais, que merecem ser tratadas assim.

Toda criança tem uma “necessidade especial”, disse-me uma vez o psicólogo português Eduardo Sá em uma matéria aqui para o blog. Essa dificuldade – no português, na matemática, no parquinho, no relacionamento com os colegas ou com os pais é a regra, não a exceção. Ele afirma ainda que a família e a escola têm de estender a mão a todas as crianças de forma igual, além de aceitar e aproveitar as oportunidades de aprendizado que essa dificuldade pode trazer a todos. Por isso temos que identificar e aceitar nossos filhos antirromânticos. Eles moram debaixo do nosso teto e não querem que esperemos ou exijamos deles nada além do que eles podem nos oferecer, dentro de suas peculiaridades. Você pode encher seu filho de aulas de inglês, cobrar dele uma excelência que talvez não consiga alcançar. Mas, olha só: ele é uma criança incrível, cheia de empatia, que sabe lidar com outras questões da vida prática como ninguém. Pode ser o rei da lógica ou aquele que adora ler os clássicos da literatura mundial. O que ele traz de bom a você e ao mundo pode ser muito melhor do que aquilo que você idealizou para ele.


Meu filho não gosta dos Legos que eu queria que adorasse montar. Parece mais interessado em matemática do que em língua portuguesa, mas mesmo assim tem um vocabulário incrível, e acerta todas as concordâncias. O filho de uma das mães de porta de escola que conheço tinha acessos de raiva e demorou para falar. Hoje é uma criança doce, inteligente e super articulada, com um talento musical especial. O de uma de minhas melhores amigas foi diagnosticado recentemente como Asperger, é o rei do quebra-cabeças e adora teatro. Essa amiga chorou, teve medo de como o mundo ia reagir a isso, mas não demorou quase nada para descobrir que ele é o melhor filho que poderia ser. Benjamin, o filho de Priscilla, autora do livro, superou suas dificuldades depois que a mãe revolucionou sua vida e da família para ajudá-lo a desenvolver dentro de suas capacidades. Por isso, o subtítulo do livro é “Uma história de alegria inesperada”. Porque as grandes alegrias com nossos filhos podem nascer assim, na roda-viva das adversidades. A gente só tem que saber identificá-las, o que não é difícil: você e ele estarão com um sorriso no rosto, depois que algum obstáculo que parecia difícil for superado.

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